Entrevista

José Ribeiro e Castro, advogado
«Os “donos disto tudo” é que decidem os destinos do país»

O ex-deputado acusa os «compadres» de capturarem o sistema político e defende uma reforma eleitoral para fazer renascer a democracia.

A002.jpgpresentou no início do ano uma proposta à Assembleia da República para o «renascimento da democracia» em Portugal. O que pretende, em concreto?
A proposta foi apresentada em conjunto pela associação «Por uma democracia de qualidade», a que presido, e pela SEDES, associação que também integro. O manifesto apresentado em 2014 e que se cimentou, posteriormente, numa associação tinha como espinha dorsal a reforma do sistema eleitoral que considero decisiva para o reencontro dos cidadãos com a política e para que estes voltem a acreditar nos partidos, nos deputados e na democracia. No fundo, em quem nos representa.

A democracia representativa está em crise?
Nós temos um regime de democracia representativa, mas cada vez mais as pessoas têm a sensação de que os partidos e os deputados não representam os cidadãos e que se limitam a fazer o que mandam os chefes. E é isso que tem conduzido a um desprestígio crescente das instituições, o que é extremamente negativo, nomeadamente para a democracia e para a própria liberdade. Mas o que é curioso é que o mais difícil foi feito em 1997, uma revisão constitucional que permite introduzir no sistema círculos uninominais em que só se elege um deputado. Isto introduziria uma mudança no funcionamento dos partidos.

De que forma?
Os eleitores escolheriam aqueles que querem e influenciariam a composição das listas, o que é muito importante porque os partidos ver-se-iam obrigados a apresentar os melhores aos olhos da opinião pública e não os melhores aos olhos dos mandões dos partidos.

Mas se está na Constituição o que leva os partidos a não avançar?
Para os cidadãos ganharem poder, alguém acaba por perdê-lo: ou seja, os diretórios e os manda chuvas dos grandes partidos. Esta é a razão objetiva pela qual ao longo de 20 anos ninguém fez nada. Houve um debate legislativo muito importante em abril de 1998, mas que acabou por fracassar. Isso diz muito do conservadorismo que reina nas direções partidárias. Por isso, queremos relançar este debate e apresentamos soluções para os problemas suscitados.

Não tem dúvidas de que este é o melhor sistema?
Não tenho. A própria Alemanha, o país mais poderoso da Europa, tem um sistema do género. Eu escrevi um artigo em que perguntava: «Por que é que não temos os mesmos direitos que os alemães?». Eles podem escolher os deputados que gostam e nós não? Isto interessa aos manda chuvas que aprenderam a manipular o sistema e pretendem que ele se mantenha assim. O sistema atual é mau para a democracia e para o país e também é mau para os próprios deputados que têm cada vez menos voz.

Há uns anos foi moda os partidos introduzirem os chamados «independentes» nas lista de deputados. Foi pura maquilhagem política ou arejou o sistema?
Há independentes e independentes. O importante é que as pessoas tenham independência pessoal e não tenham receio de agir com retidão e caso sejam empurradas para caminhos menos recomendáveis saibam dizer «não!». Mas o ponto chave é mais abrangente e reside no facto de o sistema eleitoral funcionar mal e ter de ser mudado, dando-lhe uma seiva de autenticidade. Com esta mudança os partidos funcionariam muito melhor.

É nos partidos e no seu funcionamento que reside o busílis da questão?
Os partidos, nomeadamente os chamados do arco da governação, funcionam muito mal. Pouco se decide, verdadeiramente, nos órgãos dos partidos porque as decisões já estão previamente tomadas. O sentido de participação da base foi-se perdendo. A política passou a ser uma procissão ou um cortejo em que as pessoas se limitam a acompanhar. É isto que tem de mudar.

Há um dado curioso. Em 42 anos a lei eleitoral apenas foi alterada uma vez e para reduzir o número de deputados de 250 para…230. É manifestamente pouco…
Pois. Se os partidos tivessem respeitado as bases, ou seja a cidadania, o sistema até funcionaria bem, porque os deputados seriam escolhidos pelas bases. Mas o poder é furtado à base, o que é o contrário da democracia. Eu até costumo dizer que vivemos numa democracia «ketchup», simplesmente porque a democracia é exercida de cima para baixo em de vez ser de baixo para cima. Isto verifica-se porque o sistema foi desviado da sua natureza. Só é possível devolvê-lo à sua autenticidade se houver uma reforma do sistema eleitoral.

Os casos polémicos envolvendo deputados sucedem-se. A dedicação exclusiva ao Parlamento seria a solução, profissionalizando o cargo?
A atividade política é muito exigente, tanto em termos de tempo como de dedicação, para além do elevado escrutínio público que tem. Perante este enquadramento, é uma atividade muito ingrata. A somar a isto há que admitir que um deputado não ganha muito, comparando, por exemplo, com outros órgãos de soberania. O vencimento de um deputado é de três mil e poucos euros líquidos. Há um conjunto de abonos e suplementos e admito que tenha havido um certo relaxe nessa atribuição. Por isso defendo uma moralização, nos casos que configurem abusos.
Mas a minha questão era sobre a exclusividade de funções para terminar com a acumulação de cargos…
Já hoje existe um regime de exclusividade. Um deputado que não tem este regime ganha menos, mas a diferença é praticamente irrelevante. Mas deixe--me dizer-lhe que discordo dos deputados profissionais, porque a tendência é representarem-se a eles próprios em vez de representarem quem os elegeu. Para o país é bom que haja advogados, gestores, professores, historiadores que estejam representados no Parlamento nacional e que possuam diferentes experiências e vivências. Um modelo de profissionalização de deputado pode significar um beco sem saída. Limitar mandatos e profissionalizar o cargo encerra uma pergunta: o que vai fazer o deputado quando abandonar o hemiciclo? Um advogado por conta própria perderia a clientela toda, por exemplo. Discordo por isso de um Parlamento de políticos profissionais, que tornaria São Bento numa assembleia corporativa de rapazes e raparigas que fizeram as suas carreiras nas juventudes partidárias.

E limitar os mandatos?
Para começar a Constituição não permite. Apenas o permite nos cargos executivos, por exemplo, o Presidente da República e os autarcas. A proximidade que, por exemplo, um presidente de câmara tem em chegar junto dos eleitores (lidera a Proteção Civil, comanda clubes desportivos, etc.) faz com que tenha todas as condições para ser reeleito, algo que um deputado municipal ou um deputado da nação não tem, salvo raríssimas exceções. Eu admito que as críticas aos titulares de cargos públicos têm crescido em consequência da degradação da política e em vez de se mudar a lei leitoral a opinião pública prefere tecer críticas sobre o comportamento dos deputados.

Os deputados são um alvo fácil?
São. Os eleitores pensam que com pinceladas de cosmética, ou seja, com críticas, mudam o sistema e não mudam.

A politóloga Conceição Pequito afirmou numa entrevista recente que «há em Portugal uma cultura de compadrio». Concorda?
O compadrio existe em Portugal e noutros países do mundo, mas há que admitir que por cá atingiu uma dimensão desmesurada. Porquê? Porque o sistema e os partidos funcionam mal. Os partidos, muitas vezes, limitam-se a ratificar decisões já tomadas. Então e se os órgãos que deviam decidir não decidem, quem o faz? São os «donos disto tudo» é que decidem os destinos do país.

E onde se decide o nosso futuro?
Decide-se nas mesas dos restaurantes, nos fins de semana no golfe, nos cocktails, nos corredores, ao telemóvel…
Na Maçonaria…
Em organizações discretas ou secretas. No fundo, tomam decisões que capturam o sistema. O compadrio sempre existiu, agora o grande problema para o país é quando os compadres se apoderam do sistema.

 

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Como vê a crescente promiscuidade entre banca e poder político?
O que tem vindo a ser revelado é escabroso, inclusive fora da política. Há um exemplo concreto e muito falado: os 900 milhões de dólares que a PT injetou na Rio Forte, que fazia parte do grupo Espírito Santo, foi uma decisão que contribuiu para dar cabo da PT. E neste caso o conselho de administração da PT não funcionou. Se tivesse havido uma decisão colegial, certamente o desfecho não teria sido este, o problema é que as decisões são tomadas em circuito fechado. É aquilo a que eu chamo: a «consumadocracia». É o reino do facto consumado. Se o sistema funcionar de uma forma colegial os «compadres» não conseguem capturar o sistema.

É possível distinguir a responsabilidade política da responsabilidade criminal?
Há um brocardo que os políticos costumam usar e que diz o seguinte: «à política o que é da política, à justiça o que é da justiça». A frase está certa, mas foi usada como uma grande barreira, impedindo que se falasse de um caso para não nos imiscuirmos no processo judicial. A responsabilidade criminal é uma e a responsabilidade política é outra. Um político não se deve meter no exercício da justiça, da mesma forma que a justiça não se deve imiscuir na política. Mas quando algum político é suspeito de algo grave, que pode até nem estar em juízo, ele responde politicamente por isso e desqualifica esse sujeito.

O que quer dizer é que os políticos têm procurado tapar com um chavão aquilo que nos entra pelos olhos a dentro?
Abusou-se erradamente dessa frase o que conduziu a que tivéssemos um critério político completamente relaxado e inaceitável. Fez-se de conta que não estava a acontecer. Chegámos a um ponto que está à vista de todos. A «operação Marquês» ainda não chegou à fase de julgamento, mas já sabemos o suficiente para considerar que o que se passou foi, a todos os títulos, inadmissível.

Mas não corremos o risco de, como muitas vezes acontece, se julgar na praça pública?
Mas a responsabilidade política é, de facto, a apreciação na praça pública e os políticos ou outros titulares de cargos públicos têm de estar acima de qualquer suspeita. Faz parte da responsabilidade do político tudo fazer por ser idóneo. Se for objeto de uma acusação ele tem de responder.

Chegou a dizer-se que a «Operação Marquês» ou acabaria com a política ou com os tribunais. Quem vai sobreviver?
Vão sobreviver os dois. Mas a grande questão é que existe uma grande tentação pelos mega-processos, que eu considero fortemente negativa. Os mega--processos convertem-se em paquidermes judiciários. O processo BPN ainda não acabou, o que é difícil de entender. Lembro que nos Estados Unidos, Madoff foi julgado e condenado em meia dúzia de meses.

Qual é o papel das escolas neste combate à corrupção na origem?
A formação ética e cívica é fundamental, bem como a consciência da reprovação deste tipo de comportamentos. É bom que não cresça a mentalidade dos «chico-espertos». Também deve existir uma punição social e política, em paralelo com a punição judicial, para arredar os protagonistas destes atos de qualquer veleidade em termos de carreira política.

Mudando de temática. Preside ao movimento 1º Dezembro. Que impacto tiveram os anos em que o feriado da Restauração foi abolido?
Modéstia à parte, a reação do nosso movimento teve impacto e gerou-se uma corrente cívica e popular muito forte. O 1.º de Dezembro foi, de alguma forma, o trator da resistência contra a abolição dos outros feriados, seja os religiosos e o 5 de Outubro. O dia da Restauração é, na minha perspetiva, o feriado mais importante, até porque se não fosse este não tínhamos mais nenhum. Estaríamos a celebrar os feriados espanhóis. Felizmente o ciclo político alterou-se e este e os outros feriados foram repostos.

Foi eurodeputado durante alguns anos. O que é que muda no equilíbrio de forças entre a Europa e Washington com a vitória de Macron e a sua aparente aproximação a Trump?
Donald Trump é um fator de grande incerteza e imprevisibilidade na cena política mundial. Em suma, é um perigo. De qualquer forma o sistema internacional tem sabido reagir de uma forma mais madura do que seria de esperar. Já quanto a Macron creio que ainda é uma incógnita. Mas a Alemanha  e a senhora Merkel continuam a ser um pilar decisivo na Europa. O projeto europeu continua debaixo de grandes incertezas, nomeadamente fruto do «brexit» e da imigração. Mas como europeus penso que devemos ser proativos e coesos para manter firme este projeto. É bom que compreendamos que é do projeto europeu que depende a nossa paz, bem como a liberdade e a democracia que usufruímos.

Finalmente, não posso deixar de falar do "seu" Benfica. Ficou dececionado com este ano em branco?
O Benfica tem alguns problemas para resolver. Infelizmente, apareceram logo algumas pessoas a meterem o dedo do ar. A direção merece o respeito dos sócios e tempo para recuperar de uma época desportiva bastante negativa, após quatro anos bastante bons.

O presidente Luís Filipe Vieira facilitou na preparação desta temporada?
Não gostaria de entrar por aí. É preciso preparar a próxima temporada com a mesma ambição de sempre e em todas as frentes. E também é preciso ver o que se passou nas modalidades, porque também aqui o ano ficou abaixo das expetativas, com muitas vitórias para o rival Sporting. Mas há um ponto que permita-me reforçar: os dirigentes têm que olhar, em primeiro lugar, para o prestígio social do Benfica. Fomos objeto de uma campanha e de ataques absolutamente inaceitáveis que criaram grande desconforto. Os benfiquistas não querem isto. Eu não quero isto. Bem sei que foram ataques para desmoralizar o clube desportivamente, mas o Benfica é uma instituição que quer ser entendida em Portugal como um referencial de seriedade e de ética desportiva.

Pretende que seja retiradas ilações internas nos casos dos emails, dos vouchers e das toupeiras?
Eu não quero que o Benfica seja campeão da zaragata. A generalidade dos sócios não se revê nisto. Quanto ao caso dos emails é inaceitável que um clube se aproprie do produto de um roubo informático para fazer apenas pura devassa de assuntos privados e organizar um chavascal do mais ordinário que possa existir.

No caso concreto dos emails prefere colocar o ênfase no roubo, em detrimento do seu conteúdo. Porquê?
Conheço a discussão, mas recuso-me a ler o conteúdo dos emails. É um folhetim interminável. Agora se configurarem uma atuação ilícita é claro que devem ser investigados pelas autoridades competentes. Um email não é prova, é um indício que pode e deve ser investigado.

Nuno Dias da Silva
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