Bocas do Galinheiro
Dedicadas a Richard Fleischer
Já era tempo de trazermos aqui um
dos mais controversos realizadores americanos do século passado, de
seu nome Richard Fleischer. Entre grandes êxitos, de que se
destacam "Viagem Fantástica", 1966, um dos grandes filmes de ficção
científica, marcante nos anos sessenta, sobre uma viagem ao
interior do corpo humano feita por uma equipa médica a bordo de um
submarino, reduzidos a tamanho microscópico, com o intuito de
realizar uma intervenção cirúrgica a um cientista alvo de um
atentado e em coma, "Vinte Mil Léguas Submarinas",1954, uma
adaptação da obra de Júlio Verne ou "Os Vikings", 1958, com Kirk
Douglas que também produziu o filme.
Entre os finais dos anos 60 e
começos dos 70, dirige dois interessantes policiais psicológicos
baseados em acontecimentos reais: dois serial killers, estão na
base dos dois filmes. O primeiro filme tem por título "O
Estrangulador de Boston", 1968, e narra com eficácia um complexo
caso de dupla personalidade. O segundo "O Violador de Rillington",
de 1971, vai à Londres da década de quarenta, para nos relatar uma
história de maior complexidade, onde por detrás do aparentemente
normal homem de família, John Christie, está um assassino e
violador que, depois de intoxicar as suas vítimas, as viola e
estrangula. No papel de Christie e num excelente trabalho de
representação está de Sir Richard Attenborough, também ele
realizador, a lembrar Chaplin de Mr. Verdoux. Em "O Estrangulador
de Boston", Fleischer mostra-nos uma recriação dos crimes
perpetrados pelo canalizador Albert DeSalvo, vivido por Tony
Curtis, talvez numa das suas melhores interpretações, no qual
aparece com o nariz deformado para lhe dar o fácies cruel do
doentio criminoso DeSalvo, fazendo esquecer um pouco o ar de galã
romântico que exibiu em grande parte da sua carreira. O realizador,
sempre dedicado a novas tecnologias, apresenta nesta filme a
técnica do écran múltiplo, na primeira parte do filme, em que vai
desfiando os vários crimes, num estilo documental, para na segunda
parte se debruçar sobre a investigação, em que se destaca Henry
Fonda, o polícia que faz o grosso dos interrogatórios, até à
descoberta da verdade e ao reconhecimento de DeSalvo dos seus
crimes e a sua queda num estado catatónico revelador de uma espécie
de Dr. Jekill and Mr. Hyde, sendo condenado a internamento
psiquiátrico.
Mas já antes Fleisher se havia
tentado por acontecimentos reais sobre crimes. Foi em "O Génio do
Mal", de 1959, adaptado do romance de Meyer Levin sobre o caso
Leopold-Loeb, em que dois jovens estudantes imbuídos das teorias do
supremacistas de Nietzche, assassinaram outro estudante mais novo,
acontecimento que vagamente inspirara a peça de Patrick Hamilton
adaptada por Alfred Hitchcock em "A Corda", 1948. Quer num quer
noutro, as figuras centrais acabam por ser Orson Welles no
personagem do advogado defensor que faz uma dissertação contra a
pena de morte e no de Hitchcock será James Stewart, que ao
descobrir o chapéu da vítima, vai revelar os assassinos.
Poderíamos lembrar aqui alguns dos
seus flops, como "O Extravagante dr. Dolittle", de 1967 ou "Conan o
Destruidor" (1984), um dos seus últimos filmes, mas dos fracos não
reza a História e Richard Fleischer, para além de alguns projectos
claramente comerciais, ainda nos deixou momentos inolvidáveis. Para
além dos já referidos, "Sábado Trágico" (1955) um thriller sobre o
assalto a um banco numa pacata comunidade, onde se destaca Victor
Mature, ou essa outra incursão na ficção científica em "Soylent
Green" (1973), com Charton Heston.
Apesar de ser um produto do sistema
dos estúdios, como muitos da sua geração, não foi um mero artesão.
Eclético, aberto à inovação, deixou uma obra que reclama um
escrutínio mais fino. Muitos dos seus filmes merecem uma
revisitação.
IN MEMORIAM
Duas figuras ímpares deixaram-nos
recentemente. A 29 de Março morreu Agnés Varda, realizadora e
guionista belga, aos 90 anos. Percursora da Nouvelle Vague, o seu
filme de estreia, "La Pointe Coute" (1955) é disso testemunho, a
sua capacidade de analisar e retratar o quotidiano proporcionou
filmes como "Os Respigadores e a Respigadora" (2000), ou "As Praias
de Agnés" (2008). Casada com Jacques Demy, outro nome incontornável
do cinema francês, depois da morte dele, em 1990, dedicou-lhe
"Jacquot de Nantes" (1991).
Mais recentemente, a 13 de Maio,
deixou-nos Doris Day, com 97 anos. Atriz e cantora. Filmes como
"Calamity Jane" (1953), de David Butler, "O Homem que Sabia Demais"
(1956), de Alfred Hitchcock, onde interpreta o tema Whatever will
be, will be (Que sera, sera) ou "Chá para Dois" (1950), de David
Butler, para não falar do The Doris Day Show, de 1968 a 1973, são
alguns dos títulos pelos quais será lembrada.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa e Joaquim Cabeças