Entrevista

João Sobrinho Teixeira, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Portugal quer universidades e politécnicos Covid Free

sec_sobrinho_teixeiraA pandemia de Covid-19 virou o mundo do avesso, obrigou-nos a mudar comportamentos, e de uma semana para a outra as instituições de ensino superior foram obrigadas a adaptar-se com novas formas de ensino, como o ensino a distância. Souberam também dar uma resposta positiva às necessidades do país, transferido conhecimento e inovação, colocando-a ao serviço da saúde e das pessoas. João Sobrinho Teixeira, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sublinha ao Ensino Magazine, esta postura.

Numa entrevista transmitida em direto pela nossa publicação, que está disponível no principal de educação do país, (pode ser vista AQUI), fala da importância da rede de ensino superior, de como a qualificação é um caminho para o reforço do país, da aposta na investigação e dos bons resultados obtidos. Anuncia também o conceito de  instituições Covid Free e de captação de alunos internacionais.
Como é que analisa a resposta por parte das instituições de ensino superior ao momento que vivemos?
As instituições de ensino superior demonstraram uma capacidade de adaptação imensa. E isso é reconhecido por todos. Elas conseguiram, de forma rápida, abordar o novo desafio de terem que alterar um pouco o paradigma de ensino, adotando o ensino a distância. A solução que tinham pela frente seria não haver atividades letivas ou haver neste regime. Aquilo que, porventura, poderia parecer impossível aconteceu. Isso foi importante para a aprendizagem, mas também mostrou ao país como é possível readaptarmos as coisas. Todo o país olha para o ensino superior como uma fonte de capacidade de conhecimento, mas também de esperança face às situações adversas.
Ao nível do ensino houve um esforço para que nenhum aluno ficasse para trás, por falta de equipamento…
É verdade e isso deve ser enaltecido. É um exemplo. Do ponto de vista prático, verificámos que houve situações de empréstimos de equipamentos a alunos mais carenciados. Há um universo de alunos que não têm acesso aos auxílios diretos e que tiveram alguma dificuldade na aquisição desses equipamentos. E as instituições de ensino superior responderam, de um modo efetivo para que todos os seus alunos pudessem ter acesso às formas de aprendizagem que foram adoptadas. Esta também é uma das respostas que, em termos de missão, o ensino superior tinha obrigação de dar. O ensino superior é um meio de qualificar pessoas para o mercado de trabalho e para o exercício à cidadania. A forma mais eficiente de termos pessoas capazes, com consciência daquilo que é sociedade e com capacidade para resistir a novas formas de abordagem de comunicação e informação, como são as redes sociais - e muitas vezes somos confrontados com notícias falsas -, é dar qualificação às pessoas. A facilidade com que as notícias falsas circulam fazem com que movimentos populistas, xenófobos e racistas apareçam e tenham acomodação. E esses movimentos encontram acomodação junto daqueles que não tiveram a sorte de se qualificar. A melhor forma de combater tudo isto é qualificar as pessoas. Qualificando-as preparamo-las para o exercício à cidadania.
Referiu-se à missão do ensino superior, como forma de qualificar e preparar as pessoas para a cidadania. Essa missão passa também por permitir as migrações sociais?
O ensino superior tem também uma grande missão de promover as migrações sociais e funcionar como um elevador social. Ao longo tempo verificámos a perpetuação de que os filhos de pessoas não qualificadas também não se qualificavam. A melhor forma de gerar igualdade entre as pessoas, mais que a distribuição de riqueza, é a generalização da qualificação. E o ensino superior tem obrigação de não deixar ninguém para trás.
Para além de darem respostas aos alunos, neste período de pandemia, as instituições de ensino superior conseguiram mostrar toda a sua capacidade de investigação e conhecimento à sociedade. Os politécnicos juntaram-se para criar um ventilador, universidades colocaram no terreno projetos, houve produção de viseiras, de álcool gel, fizeram-se parcerias com empresas, cederam-se espaços para os profissionais de saúde e proteção civil. Todo este movimento mostrou ao país a outra dimensão das nossas instituições?
Demonstrou que o ensino superior é mais do que a formação académica. Mas, acima de tudo, demonstrou o valor da ciência. Tivemos várias evoluções na vida que se deveram à ciência. A qualidade de vida que temos deve-se a muito do que a ciência fez pelo mundo e pelas pessoas. Nós, hoje, vemos o valor da ciência associado à saúde. Haverá aqui uma consciência mais coletiva de que vale a pena apostar na ciência e no conhecimento, pois isso traz-nos um grande retorno de bem estar e de resposta às adversidades. Indo para outros setores, que não tão evidentes como o da saúde, a ciência e o conhecimento têm um papel fundamental.
Este período de Covid realçou isso mesmo…
Eu recordo muitas vezes que o meu avô contava que, no seu tempo,  uma pessoa que fosse trabalhar para o campo, na agricultura, ganhava 12 escudos por dia, se não tivesse direito a almoço, e seis escudos, se tivesse essa refeição. Ou seja, passava metade do seu dia de trabalho a ganhar para uma refeição. Hoje isso consegue-se em menos de meia hora. E se isto se conseguiu desta maneira, na ética da distribuição da riqueza e na consciência coletiva de que uns devem contribuir para o bem de todos, também foi alcançado porque a ciência contribuiu para essa evolução. Mas dou outro exemplo: quando entrámos para a CEE, os agricultores receberam verbas comunitárias para destruir as suas vinhas, pois dizia-se que vinho português não tinha qualidade. Hoje temos no vinho português um dos principais setores exportadores e é a jóia da coroa no setor primário. O que mudou? Foi a ciência e o conhecimento que conseguimos colocar nisto. Não mudou apenas o vinho, mas sim a vida das pessoas e a capacidade de uma região.
Neste período de pandemia, em que as instituições responderam sem que tivessem os seus laboratórios preparados para uma situação como esta, as universidades e politécnicos conseguiram-se adaptar e responderam a um problema da sociedade. Foi a ciência e o conhecimento que deram resposta na saúde, melhorando a vida das pessoas, e através disso democratizaram a nossa sociedade. É importante que a sociedade portuguesa tenha consciência daquilo é o valor do conhecimento e da ciência.
De resto, a investigação tem merecido uma forte aposta do Ministério a que pertence. A FCT tem lançado diversos concursos. Este período Covid-19 pode ser uma oportunidade para novas investigações?
Os concursos têm sido lançados faseadamente. Por um lado, para termos respostas emergentes que a sociedade portuguesa necessita e para conhecermos melhor esta doença. Por outro, para potenciar as capacidades tecnológicas e científicas que existem em Portugal. Nós temos instituições que estão a realizar novas coisas estimuladas pelos concursos que estamos a fazer, e que vão dar uma resposta à doença, mas vão também incrementar a capacidade científica e tecnológica do país.
Esta aposta na investigação resulta também numa boa prestação ao nível europeu?
É importante que se diga que a ciência portuguesa é um ativo no nosso país. Há fundos europeus descentralizados que são distribuídos pelos países, mediante negociação. Mas depois há outros, centralizados em áreas que a União Europeia considera estratégicas, em que a forma de lhes aceder é concorrencial por qualidade. Um desses fundos é o da ciência e inovação. A Europa quer ter as melhores equipas de investigação nos projetos, pois tem que ser competitiva face ao outros blocos, como os Estados Unidos, Ásia ou Austrália. O que se verifica é que os países com mais competências tecnológicas ganham os projetos. Esses fundos são criados mediante a contribuição de todos os países. Durante os últimos quadros comunitários de apoio Portugal colocava mais dinheiro nesses fundos da área da ciência do que aquilo que beneficiava.
Pela primeira vez na história do país, vamos fechar um Quadro Comunitário em que a ciência portuguesa consegue mais retorno dos fundos centralizados do que aquilo que o país lá colocou. Isto é uma motivação para todos os que trabalham nesta área, para o país e as suas instituições de ensino. Vamos terminar com um retorno de mil milhões de euros para a ciência. No próximo ano queremos duplicar estes fundos. Por isso lançámos um programa especial que procura estruturar a capacidade científica ao nível nacional, seja por instituições, seja por áreas científicas, mas também por uma ligação direta em Bruxelas, para que os investigadores tenham maior capacidade de preparar esse trabalho. No próximo quadro comunitário queremos ter dois mil milhões de euros, afirmando mais a ciência portuguesa. Se tivermos capacidade exportadora, nada melhor que deixar às gerações vindouras a capacidade exportadora de conhecimento.
sec3.jpgNeste momento pede-se que as universidades e os politécnicos regressem a atividades presenciais. Houve acolhimento e abertura das instituições para que isso se efective?
Na globalidade das instituições e dos seus dirigentes houve. Como em tudo, há sempre alguma resistência e receio. As atividades devem ser retomadas com toda a consciência. Pode ter havido alguma situação de comodismo e é mau que essa ideia transpareça para a sociedade. Temos trabalhado, respeitando a autonomia institucional, com os seus órgãos representativos, casos do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e da Associação Portuguesa de Ensino Privado, e individualmente com as instituições. Este trabalho procura mostrar o caminho, dentro daquilo que vai ser a análise e a evolução do país em termos de desconfinamento, e que as instituições estão nessa resposta. Isto porque ensino presencial tem um valor inestimável e deverá ser retomado na medida do possível, mas também pela responsabilidade de sermos uma voz de esperança, de determinação e coragem para o país. Temos feito um périplo pelas instituições do país, de norte a sul, para fazermos este exercício de abordagem, para que o ensino superior esteja na linha da frente.
Este segundo semestre, com as aulas a distância e o começo de aulas presenciais para algumas disciplinas, pode ser uma preparação para aquilo que poderá ainda ocorrer no início do próximo ano letivo?
Há alguma incógnita de como a pandemia evolui. Temos que fazer planeamentos. Ma também temos que estar preparados para que esses planeamentos não decorram como o planeado. Ainda há dois meses atrás nada disto estava previsto. Passaram-se apenas dois meses e parece que foi uma eternidade. Há um nível de incerteza sobre qual vai ser a resposta. Podemos estar numa situação em que a Covid-19 está controlada ou menos controlada. Tudo isto demonstrou a grande capacidade de adaptação das instituições de ensino. Se no início do ano letivo o problema da Covid-19 estiver controlado, poderemos esperar que haja um ensino presencial, com todos os cuidados, complementado com ensino a distância nas situações em que isso se justifique - por exemplo em atividades letivas ministradas a centenas de alunos em simultâneo, que impossibilita o distanciamento social.
Toda esta situação acabou, no entanto, por gerar novas abordagens junto das instituições e do país…
Este período que vivemos permite-nos perspetivar abordagens de tipificação de ensino diferentes. Poderemos estar a falar em mestrados profissionais nas empresas, cuja comunicação entre professor, aluno e empresário evite deslocações permanentes; mas também ao nível do desenvolvimento de projetos com outros países com os quais esta forma de comunicação é mais simples; ou de ter alunos de TESp em empresas e tornar esta relação mais eficiente. Mas poderemos também estar a falar de uma oportunidade de introduzirmos inovação pedagógica. E quando falo em inovação não significa transformar aulas presenciais em aulas a distância. Caminhamos muito no ensino baseado em projetos, o qual tem que ser feito fora das instituições, muitas vezes em empresas. E a forma como agora se comunica vem facilitar essa questão.
Este é um desafio que podemos caminhar rumo à inovação pedagógica, usando estas ferramentas, permitindo também reduzir as cargas horárias. Isso vai permitir libertar os docentes para outras tarefas.
Esta nova forma de abordagem vem também ao encontro da iniciativa"Skills 4 pós-Covid - Competências para o futuro", lançada recentemente pelo Ministério?
Esse é um dos pontos enumerados nessa iniciativa, a qual pretende perspetivar aquilo que poderemos fazer no pós Covid-19. A capacidade de inovar pedagogicamente está inserida nesta iniciativa. Desta forma teremos os nossos alunos a aprender melhor, pois aprendem a aprender, e os nossos docentes mais disponíveis para fazer atividades de investigação, inovação e estar junto do setor empresarial. Mas importa também fazer um trabalho que ajude os próprios professores para perceberem como tudo isto se pode concretizar, pois não fomos treinados para ensinar desta maneira. Nesse sentido, há dois projetos que estão em curso, que se iniciarão no ensino politécnico, e que estão a ser concebidos pelo conjunto dos politécnicos. Com isso pretendemos ir ao encontro de formas de abordagem de inovação pedagógica.
Outro aspeto importante deste documento diz respeito à valorização do TESP como instrumento de resposta ao mercado de trabalho e de qualificação da população. E o desafio passa por incentivar as instituições a fazer estas formações em horários adequados para uma população mais adulta. Hoje temos um conjunto de pessoas que estão em lay out ou que estão desempregadas (esperemos que por pouco tempo) que têm pouca atividade.
Outra questão que consta nesta iniciativa está relacionada com as novas formas de entrada dos estudantes dos ensinos profissional e artístico no ensino superior. Aqui os professores podem dar um forte incentivo. É que embora os estudantes do profissional representem 40% do total de alunos no secundário, apenas 15 por cento continuam os estudos no ensino superior. Há uma obrigação coletiva para que haja mais jovens a prosseguir estudos.
O documento fala também na aquisição de competências ao longo da vida…
Há uma mudança daquilo que é a aquisição de competências e, neste documento, falamos nas micro credenciais. Temos, no nosso ensino superior, uma média de idades de cerca de 25 anos, quando, por exemplo, na Dinamarca é de mais de 40 anos. Isto não significa que os dinamarqueses vão estudar mais tarde, mas sim que estudam ao longo da vida. Daí a importância destas credenciais que podem ser adquiridas.
Numa outra perspetiva, há também um incentivo aos mestrados profissionais e uma maior ligação com as empresas. Por fim, e já que abordou o documento, temos um desafio global pela frente que está relacionado com a nossa grande capacidade de captação de estudantes estrangeiros.
Nessa área qual foi o comportamento do país?
Portugal cresceu, este ano, 34% na captação desses alunos e, no ano passado, já tinha crescido 28%. Isso é importante para a receita das instituições, mas também para dar resposta àquilo que o país precisa. Estamos a caminhar para uma população envelhecida (apesar dos incentivos à natalidade, que não vão ser suficientes), e temos necessidade de ter pessoas (não só pelo crescimento económico que estávamos a ter e pela mão de obra necessária) para que não tenhamos no futuro problema social pela diminuição da população. Se no meio dessa necessidade pudermos ter pessoas que se vêm qualificar este é também um contributo que o ensino superior pode dar ao país.
E a pandemia não poderá prejudicar essa captação de alunos estrangeiros?
Neste momento estamos com dificuldade de mobilidade devido à pandemia. Mas há fatores que Portugal tem e que as instituições podem ajudar a construir. A Covid-19 não é um problema português, é mundial. Até os países que tinham mais capacidade de captar alunos internacionais, como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América estão com maiores problemas com a Covid do que Portugal. Esperemos que o nosso país prossiga este caminho de resposta à doença, que é importante para a população portuguesa, e que veio demonstrar que temos um serviço nacional de saúde que funciona, e que temos uma atitude cívica que sabe responder às adversidades.
Mostramos ser um país moderno e surgimos com uma imagem muito positiva. Agora importa que as instituições de ensino superior construam cenários (de aprendizagem em segurança) para que sejam instituições Covid Free, e que passem essa perceção à famílias e aos estudantes da CPLP e do mundo, de modo a termos cada vez mais pessoas que venham qualificar-se em Portugal. E que, no futuro, haja novos portugueses qualificados a contribuir para o bem da nossa sociedade.
Em agosto tem início a primeira fase de candidaturas ao concurso nacional de acesso ao ensino superior. Teme que a pandemia afete a entrada de novos alunos nas universidades e politécnicos, nos seus diferentes contextos, nacional e internacional?
Teoricamente poderemos ter mais alunos a concluir o ensino secundário, pois havia sempre um conjunto de estudantes que pela soma do exame e da nota da disciplina acabavam por não o concluir. Tenho feito sempre uma política de didática pedagógica. Este ano, devido à situação que vivemos, foi decidido que apenas se realizarão os exames necessários ao ingresso no ensino superior. Por isso, é importante que os estudantes façam as provas de ingresso para a sua primeira opção, mas também para a segunda ou terceira opções. Isto porque os exames podem não correr conforme as expectativas do aluno e se não houver uma retaguarda de ter feito outras, podemos ficar numa situação em que estudantes com boa performance fiquem de fora.
Depois temos que ver como é que vai evoluir economicamente o país e de que modo isso pode condicionar os jovens. Estamos a preparar o sistema de ação social para dar resposta, o qual irá ser robustecido. Não queremos que nenhum jovem fique para trás por questões económicas. Em 2012, devido à crise económica, tivemos menos jovens a aceder ao ensino superior. A mensagem que queremos passar é que as crises são passageiras e a qualificação é eterna. Vamos ter mecanismos para os mais carenciados e dar as bolsas necessárias.
Haverá também sempre algum receio dos jovens de se deslocarem e irem para a sala de aula, mas isso vai-se desvanecendo ao longo do tempo. Vamos ter um processo de aprendizagem e de ganho de confiança, na medida em que se faça um desconfinamento cívico e consciente. As instituições de ensino superior também se irão preparar dentro da sigla Covid Free.
O facto da rede de ensino superior estar distribuída por todo o país vai permitir ultrapassar alguns desses constrangimentos?
O maior património de obra no pós 25 de abril é a rede de ensino superior que o país construiu. Fez a democratização de acesso ao ensino superior e é a que mais contribui para fazer as migrações sociais e afirmar o ensino superior um elevador social. Esta distribuição ao longo do país, perante uma resposta a esta crise, permite termos a juventude mais harmoniosamente distribuída por todo o território. Com esta rede, temos instituições mais próximas dos estudantes, pela sua menor dimensão, que conseguem dar uma resposta mais personalizada e mais efetiva àquilo que são as adversidades. Temos que continuar a pugnar pelo valor desta rede, pela sua capacidade de democratizar o acesso ao ensino superior, pela sua importância na coesão territorial e igualdade entre as regiões. Uma rede que é mais resiliente às adversidades. Devemos continuar a defendê-la e conto, o país conta, com os diversos agentes do ensino superior para isso.
 
 
 
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