Opinião

Um Homem da meia Maratona (um conto de Entrudo)

João de Sousa TeixeiraHoje vou ocupar o meu sítio para traçar, neste exíguo espaço que me cabe, o perfil aproximado e não merecido pelo tempo desperdiçado, do homem da meia maratona, que é como quem diz, metade homem, metade maratona.

Não merecido, em primeiro lugar, porque é sabujo e refractário a qualquer vacina de cidadania e de confronto honesto. Além do mais, corre apenas com quem tem de o seguir, nunca ultrapassar. Zanga-se porque quer dar ares de saudável e número um entre todos os números um que o rodeiam. É o seu circo preferido.

Desconheço, no entanto, se corre por gosto. Sei que me canso de o ver correr. A maior contradição em mim é de, apesar disso, ter um desejo profundo que o ponham a correr para sempre…

Das transumâncias que lhe vi fazer até às planícies do sul, nunca soube se foram por lã, leite ou erva fresca. Sei apenas que as fez. Sei da lábia com que as diz ter feito e oiço falar das habilitações truculentas que lhe são atribuídas e de que peço escusa para interpretar, tal é o enleio. Digamos que teve as suas oportunidades em tempo de vacas gordas. Aliás, tenho bons amigos e excelentes cidadãos que nunca frequentaram qualquer escola. O meio-maratonista, porém, gosta de dizer que é letrado, licenciado, superior nas coisas do saber, mas não passa dum saloio esperto com vocação para a patranha política.

Anuncia mil vezes a única vez que afinal não fez e tem desculpas para os incautos, do género: aquele menino está a fazer-me caretas. É um queixinhas.

Os queixinhas não são de fiar. Fundamentalmente porque efabulam, como é o caso, mentem e, ainda por cima, gesticulam como náufragos, para que os outros se compadeçam e o deixem continuar a meia corrida, que só ele parece não se aperceber de que vai para o abismo.

Na fala, não na língua, tem o seu melhor aparelho. Se em idiomas estrangeiros é língua de trapo, na sua é capaz de por um cego a ver, sendo que este continua a ver tudo escuro.

A maratona (meia) é outro ardil. As camisolas suadas são a imagem de que lhe saem pelos poros o que lhe entra pelas ideias: água. Água nas promessas, água na retórica, água nas contas que todos temos de pagar. Os subsídios para esta corrida estão a esgotar-se e ainda não obteve os mínimos para o próximo campeonato. Os pódios da Europa são provavelmente as suas próximas ambições. Lá fora, a corrida é tentadora, os patrocínios são chorudos e apetecíveis e faz-se um figurão.

Oxalá a equipa não lhe renove o contrato, já que a contratação por outra está fora de questão, mesmo da segunda bê e do fundo da tabela.

Por último, queria apenas acrescentar que há dias retive do seu discurso algo que me intriga. Dizia-se convencido de que uma mulher trazia a sua fotografia no bolso. Aparentemente a frase é ingénua, embora mais pareça ironia própria de machão no bar da coxa.

Esta era a peça que me faltava. No bolso? As mulheres não põem quase nada, e muito menos fotografias, no bolso. Quando muito, na bolsa. Querem ver que o meio-maratonista corre de calções apertados!...

 
 
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