Fernando Pinto do Amaral, comissário do Plano Nacional de Leitura
Fernando Pinto do Amaral, comissário do Plano
Nacional de Leitura (PNL), faz um balanço positivo da primeira fase
do Plano, que terminou em 2011. Em entrevista ao Ensino Magazine,
aquele responsável explica que "a avaliação independente feita pelo
ISCTE revelou que o interesse dos jovens portugueses pela leitura
subiu para cerca de 50% nos últimos cinco anos".
O comissário adianta que a segunda
fase do PNL, já no terreno, pretende consolidar resultados e
conquistar o interesse dos alunos do terceiro ciclo e secundário
para a literatura. O desafio passa por atrair o interesse dos
adolescentes para a leitura e colocar a literatura ao nível de
artes, como a música ou o cinema. Fernando Pinto do Amaral destaca
ainda o esforço dos professores na implementação do Plano.
Quais são as conclusões que se podem tirar da primeira fase
do Plano Nacional de Leitura (PNL), que terminou em
2011?
Sem dúvida ter havido um maior
interesse dos jovens pela leitura. Foi feita uma avaliação pelo
ISCTE, através de uma comissão de avaliação externa, presidida pelo
professor António Firmino da Costa. Nessa avaliação é claramente
estabelecido que o interesse dos jovens pela leitura subiu, cerca
de 32%, para valores na ordem dos 50%, nos últimos cinco anos, ou
seja, desde o início da primeira fase do PNL, em 2006, até ao seu
fim, em 2011. Agora estamos a iniciar a segunda fase, que vai de
2012 e terminará em 2016
Como será implementada a segunda
fase do PNL, ao nível das escolas?
Na segunda fase vamos tentar consolidar os
resultados alcançados na primeira. A prioridade que foi dada ao
primeiro ciclo, ao segundo ciclo e ao pré-escolar deve ser
consolidada, não vamos abandonar esses segmentos. Mas, vamos tentar
que nas escolas exista progressivamente um alargamento das
actividades do PNL (como a semana da leitura, concursos ou clubes
de leitura, por exemplo) ao terceiro ciclo e secundário. Ou seja,
numa segunda fase, o Plano deve abrir-se mais aos alunos desses
ciclos mais avançados. A adolescência é uma idade de transição, uma
fase fundamental, e no PNL consideramos que pode ser um período
decisivo.
O
que é que distrai os jovens da leitura?
Há uma diminuição dos índices de
leitura na fase de transição entre os 14 e os 16 anos. Isto porque
os jovens têm mais solicitações. Não considero nenhum mal, eles
estarem "distraídos". Fernando Pessoa tem uma frase que diz
:"Sentir é estar distraído". O dar maior atenção a outras coisas do
mundo, a dispersão, a variedade de interesses, e de solicitações, e
a curiosidade que o adolescente tem, é positiva. Isso opõe-se muito
àquele adolescente, de que todos nós conhecemos a figura, - e peço
desculpa por qualificá-lo assim, - o chamado "marrão", que está
obcecado com as notas, os outros vão sair, ele fica em casa a
estudar. Não é esse o nosso modelo do leitor, as distracções são
perfeitamente naturais na adolescência. A leitura pode ser (
juntamente com as outras artes: o teatro, o cinema, a música)
encarada também nesse sentido lúdico e de aprofundamento
espiritual, psicológico, afectivo das outras formas de arte. Não há
razão para que um jovem não leia, como não há razão para que não
oiça uma obra musical, não vá ao cinema. Temos de criar a ideia que
a leitura é algo que pode estar a esse nível. Muitas vezes, o jovem
encara a leitura como uma obrigação imposta pela escola. Na
adolescência esse conflito é importante, há sempre uma certa tensão
entre aquilo que é tradicionalmente o prazer e o dever.
A
literatura está a ser vista como um dever pelos
adolescentes?
Um dever que é imposto pela
sociedade, pela escola, as regras de convivência social e depois o
prazer que, em princípio, estaria oposto a isso, e que está naquele
famoso poema de Fernando Pessoa, - estou outra vez a citar Pessoa
"Ai que prazer não cumprir um dever". Na adolescência nota-se muito
esse conflito interior, um conflito vivido, às vezes, com algum
dramatismo, outras vezes com uma grande descontracção. Também não é
um conflito muito grave. A literatura e a leitura têm de fazer
parte do mundo e o ideal é que se integrem na vida do adolescente,
como o cinema, a saída com os amigos, o estudo. Há uma associação
excessiva da leitura à ideia do estudo e da escola, que a partir da
adolescência pode ser negativa para a leitura. A leitura pode ser
feita sem qualquer objectivo de avaliação. O que fazemos e ainda
hoje nos dá mais prazer no mundo é gratuito. Mal seria que fosse
sujeito a avaliação.
Qual é a avaliação que faz do desempenho dos professores na
aplicação dos objectivos do PNL?
Os professores são os nossos
grandes aliados. São uma classe profissional que tem dado imenso de
si própria, do seu tempo, da sua disponibilidade, às vezes com
muito sacrifício da vida pessoal a favor do trabalho feito com os
seus alunos. Nunca é de mais salientar e sublinhar todo o esforço,
toda a dedicação, todo o empenhamento que os professores têm tido
para tentar melhorar os resultados dos seus alunos, ao nível do
aproveitamento, que é importantíssimo, mas, também, ao nível da
literacia. O trabalho dos professores é absolutamente fundamental.
A equipa do PNL, aqui em Lisboa, é muito pequena, meia dúzia de
pessoas, aqueles que de facto aplicam na prática as orientações do
Plano são os professores, os bibliotecários, e em particular os
professores bibliotecários. É importante sublinhar a nossa ligação
à rede das bibliotecas escolares. Sem biblioteca a escola estaria
amputada, sem a mesma capacidade de intervenção. O que nós fazemos
são orientações que depois se destinam à leitura. Mas, sempre em
grande conjugação com o espaço físico da biblioteca escolar, que
veio dar um grande dinamismo à escola. Os principais aliados, nesta
causa são realmente os professores bibliotecários. Estão mais
ligados ao que se faz na biblioteca, acções de leitura, feiras do
livro, encontro com escritores, práticas de escrita e de leitura
com os alunos. Uma série de actividades que podem promover hábitos
de leitura. Temos razões para estar muito reconhecidos ao trabalho
dos professores.
Num
contexto de crise nacional a leitura pode ter um papel de
resgate?
A leitura tem várias vantagens. É
relativamente barata, o preço dos livros comparado com outros bens
culturais não subiu, mantém o IVA reduzido dos 6%. Comparado com um
jogo de futebol ou com alguns bilhetes de certos espectáculos, que
esgotam com muita antecedência e que custam 50 ou 60 euros, os
livros não estão caros. Além disso existem as bibliotecas, não só
as escolares, que já falei, mas as bibliotecas municipais
espalhadas por todo o país. Existe uma rede de leitura pública que
é dependente das Câmaras Municipais. Podemos entrar numa dessas
bibliotecas públicas, que muitas vezes têm bons acervos, ler,
requisitar e levar para casa os livros que entendermos e a seguir
devolvemo-los, tudo a custo zero. Por um lado a leitura não é cara,
por outro lado, é uma maneira de respondermos à crise de variados
modos. Há quem veja a leitura na sua dimensão terapêutica, e não
estou a falar de livros de auto-ajuda, porque normalmente são
livros de má qualidade, não é a esses livros que me refiro. Mas uma
obra literária pode abrir-nos outras perspectivas outros horizontes
para a nossa vida. Muitas vezes, é uma obra que muda a vida das
pessoas e muda para melhor. A literatura tem muito poder.
A
literatura tem poder…
Também houve na história grandes
obras literárias com implicações que não foram tão positivas. O
Goethe, o grande escritor alemão, na juventude esteve muito
apaixonado por uma certa senhora. Depois, escreveu uma pequena
novela, de cerca de 100 páginas, muito conhecida, chamada Werther.
No livro, Werther, o jovem personagem que ele criou, apaixonou-se
por uma senhora casada. Esse amor é um amor infeliz e no final ele
comete suicídio. O Goethe contava que escreveu aquele livro para se
libertar daquela paixão, depois disso continuou a viver a sua vida,
como os escritores normalmente fazem. Mas, muitos jovens dessa
idade que leram o livro acabaram por se suicidar. O livro provocou
uma onda de suicídios de jovens do sexo masculino, pela Europa
fora. Estávamos no auge do romantismo e eles consideravam que era
um acto romântico suicidar-se, porque o seu amor era funesto, não
correspondido, etc. Isto para dar o exemplo do poder que a
literatura tem, ao longo dos séculos. Da leitura das grandes obras
literárias as pessoas, normalmente, não saem incólumes. Ficam a
pensar nas coisas de outra maneira e isso é que é importante.
Evoluirmos, crescermos para dentro, isso é educação no sentido mais
profundo e mais nobre da palavra. Não é memorizar meia dúzia de
coisas para despejar num teste, fazer o exame, ter uma boa nota, e
passar de uma semana, ou duas, perguntar e os alunos já não se
lembram de nada. Educação é viver as coisas, interiorizá-las e
passarem a fazer parte da nossa vida, dos nossos valores. É muito
difícil mas é entusiasmante.
A
próxima edição da semana da leitura decorre este mês de Março. O
que podemos esperar desta edição?
Podemos esperar muitas actividades,
muito variadas, nas escolas. Queria salientar que há um concurso de
textos, cartazes, ilustrações a nível nacional, mas evidentemente,
mais uma vez, dependerá da acção das Escolas, ninguém é obrigado a
participar neste género de iniciativas. Os professores aderem de
acordo com aquilo que é o seu projecto educativo e o plano de
actividades de cada agrupamento de escolas. A semana da leitura já
está muito interiorizada nas actividades e nos planos do ano
lectivo para todas as escolas. Normalmente decorre com muito
dinamismo, acaba por ter muita adesão que se traduz na prática em
sessões de leitura, maratonas, feiras do livro, encontros com
escritores, pequenas actividades e concursos à volta da escrita e
da leitura e o tal concurso que tem haver com o conto. Chama Eu
Conto, contos escritos pelos próprios jovens. Concurso esse que
depois terá um júri e prémios.
A
Cultura fica bem entregue com uma secretaria de
Estado?
Claro que simbolicamente seria mais
importante ter um Ministério, isso é inegável. Mas está muito bem
entregue ao Francisco José Viegas. O Francisco é um homem dos
livros.
Enquanto Comissário do PNL, e enquanto escritor, está, ou
não, de "acordo" com o novo Acordo Ortográfico?
Não estou. Julgo que poderia ter
sido mais pensado, foi aprovado muito à pressa. Do meu ponto de
vista é negativo, mas obviamente os documentos oficiais estão a ser
escritos segundo as regras do Novo Acordo. Como Comissário do PNL,
pertenço à estrutura do Estado e o Acordo está a ser aplicado pelo
Governo. Mas do ponto de vista pessoal, como escritor, a minha
opinião é fortemente reticente contra o Acordo. O Acordo não
unifica, cria imensas duplas grafias, a ideia que vai dar às
pessoas é que a ortografia, no fundo, é uma coisa facultativa. Há
muitas palavras facultativas, umas vão ter a consoante no Brasil,
outras não têm cá, e vice-versa, é conforme se pronuncia, é muito
ambíguo. Há partes do Acordo que falam de uma norma culta em
Portugal e no Brasil. E saber exactamente o que é a norma culta?
Várias pessoas podem ser cultas e uma diz de uma maneira, outra diz
de outra, e portanto cada uma escreve à sua maneira. Tem um aspecto
positivo interessante do ponto de vista da própria noção de
ortografia. Obriga as pessoas a pensar na ortografia e a ter a
noção de que é uma convenção, não é uma verdade científica
imutável. Não é uma convenção arbitrária, tem uma base real, a
forma como nos pronunciamos as palavras, mas depois é
convencionado. É um bocadinho como os fusos horários, também são
uma convenção que não é arbitrária, é baseada no movimento do sol.
Aqui será sempre mais cedo do que na França, ou que na Rússia,
entre Elvas e Badajoz, são cinco ou seis quilómetros, não passa uma
hora, em termos de horas solares, seriam dois ou três minutos, nem
tanto. Mas, muda uma hora porque há ali uma convenção política. É
nesse sentido que eu digo a ortografia é uma convenção e as pessoas
percebem que a médio prazo implica a noção de uma facultatividade e
de certa maneira quase o fim da ortografia. Não é o fim da
ortografia porque hoje em dia as questões são outras, há programas
informáticos que corrigem automaticamente os textos.
Embora pessoalmente possa ser
contra, do ponto de vista da literatura, de quem gosta de ler e
escrever não é nada que me tire o sono. Até ao século XIX não
tínhamos ortografia, os nossos grandes escritores o Camões, o Padre
António Vieira, mesmo do século XIX, o Garrett, etc cada um
escrevia como lhe apetecia e no entanto as obras literárias eram
excelentes e continuarão a ser. O que interessa para a literatura
não é propriamente a ortografia, a literatura quando é boa
sobrevive até sem ortografia. Ai de nós que não fosse assim.
É
um escritor versátil com obras publicadas na área da poesia,
literatura infantil e romance e é também tradutor. Podemos esperar
um novo livro para breve?
Vai haver uma pequena recolha de
poemas numa editora muito pequenina. Para já não queria estar a
avançar muito sobre isso. Mas deve sair até ao Verão.
As
editoras em Portugal estão a fazer boas apostas?
As editoras têm evoluído muito. O
nosso panorama editorial é muito positivo, as nossas editoras estão
com grande dinamismo. A Associação Portuguesa de Editores e
Livreiros (APEL) organizou um grande Congresso, a que chamou o
Congresso do livro, que decorreu nos Açores, na Praia da Vitória,
em Outubro de 2011, para o qual nos fomos convidados. A minha
impressão foi francamente positiva. As editoras estão a fazer um
grande esforço no sentido de continuar a fomentar os hábitos de
Leitura dos portugueses.
Qual é a história que está por detrás da História do seu
último romance, O Segredo de Leonardo Volpi?
É uma história de amor muito ligada
à sociedade contemporânea. Põe questões que têm haver com a própria
morte, mas também com as relações sociais. É a história de um
músico que vive dividido entre Portugal e o Brasil. Permite um
olhar sobre uma geração que não é a minha, é uma geração um pouco
mais velha. Eu tinha um irmão que faleceu, há muitos anos, mais
velho do que eu e fiquei com uma certa dívida para com essa
geração, que anda agora pela casa dos sessenta, eu estou na casa
dos cinquenta. É um retrato de algumas experiências que passam
muito por essa geração, pelas suas ilusões, mas também pelos seus
desencantos e amarguras. Hoje em dia, serão mais amarguras do que
alegrias.
O
Comissário tem um Plano Individual de Leitura?
Vou lendo um bocadinho ao sabor da
corrente, conforme os livros vão saindo. Gosto de estar a par das
coisas, de ir indo acompanhando o movimento editorial. Mas, também
é verdade que às vezes pego em livros que tenho para ler, em casa,
há muito tempo e estão na lista dos atrasados. Quando tenho um
pouco de tempo, pego num livro que estou para ler, há semanas, ou
meses, às vezes, anos. Todos nós podemos ter algum daqueles livros
que seriam clássicos, ou quase obrigatórios, mas que, por algum
motivo, não lemos. A todo o momento podemos recuperar essa
leitura.
Eugénia Sousa
Pat; João Carlos / Expresso