A insustentável certeza da incerteza
O mundo está a atravessar um dos seus
piores momentos, numa guerra biológica nunca antes vista, e onde
todos somos importantes para derrotar a pandemia de Covid-19.
Importa reduzir ao máximo os contactos pessoais, quem puder
trabalhar em casa deve fazê-lo. E isto, não significa que estejamos
de férias. Ninguém está de férias. Estamos perante uma
insustentável certeza de um tempo de muitas incertezas, em que a
realidade, grave, nos deve manter unidos naquilo que cada um tem
que fazer, mas separar naquilo que são os contactos pessoais.
Para a escola, em particular para
os professores e alunos, as duas semanas em que os estabelecimentos
fecharam foi um período de angustia e de achamentos,
onde quem orienta o faz num cenário novo, que muda todos os
dias. Cada um deu o melhor de si, por achar que desta forma
era melhor que aquela, com poucas orientações, sendo que muitas das
que chegavam eram contraditórias.
A partir de casa os professores
tentam interagir da melhor maneira possível com os seus alunos.
Uns, pecam por excesso com o envio de atividades, umas atrás das
outras, que deixam os estudantes e as suas famílias à beira de um
ataque de nervos; outros, por defeito, não enviando nem
desenvolvendo contactos com os seus alunos.
Mas não são apenas os professores
que não estão de férias. Muitos milhares de profissionais também
não estão. No país ninguém está. A Declaração do Estado de
Emergência e as restrições que ela acarreta levaram a que uma
grande parte dos portugueses esteja em casa, muitos em
teletrabalho, com recomendações expressas para evitarem sair de
casa.
Esta nova realidade cria à escola e
às famílias um grande de desafio. É uma situação, que faz recordar
filmes de ficção científica em que no final há sempre um herói.
Aqui ainda não apareceu aquele que nos virá salvar a todos com uma
cura e uma vacina. Os heróis teremos que ser todos nós. Todos somos
importantes e todos devemos cumprir o nosso papel.
Apelou-se, no imediato, ao ensino a
distância para os alunos do básico e secundário (no ensino superior
há uma maior agilidade e a maioria das universidades e politécnicos
já o faz, com aulas virtuais e em direto). Esta é uma nova
exigência no ensino não superior para a qual nem professores nem
alunos estão preparados.
A mesma escola que sempre foi
resistente ao uso, por exemplo, de dispositivos móveis em contexto
educativo, proibindo sua utilização, é a mesma que recebe
indicações da Direção Geral de Educação, para recorrer a esses
mesmos instrumentos, com sugestões de contacto pelo "WhatsApp e
outras aplicações semelhantes".
As potencialidades dos dispositivos
móveis são inúmeras, mas a escola sempre os deixou à porta no que
respeita à sua utilização para fins pedagógicos. Fruto desta
resistência, hoje temos uma escola que não está preparada para agir
no imediato. Há iliteracia digital junto da classe docente, mas
também junto de muitos alunos que não olham para os dispositivos
como um meio de aprendizagem.
Nesta relação, a
distância, deve existir proximidade digital entre quem envia
e quem aprende, fóruns de discussão, trabalhos de casa e atividades
a realizar, as quais podem ser enviadas, por email (para aqueles
que tem acesso) aos alunos ou através de outras plataformas. E é
aqui que surge o outro lado do problema. Muitos não têm
computadores disponíveis. Dos alunos que têm acesso a um computador
na sua casa, um número significativo está num contexto em que os
seus pais o utilizam em funções de teletrabalho ou de docência.
Terão que aguardar pela sua vez para o utilizarem nas tarefas da
escola. São raras as exceções em que cada elemento do agregado
familiar tem um computador só para si. Esta é a realidade.
Dir-me-ão, mas a grande maioria tem telemóvel. Pois tem, mas nem
professores, nem alunos, o aprenderam a utilizar como instrumento
de aprendizagem. Há ainda outro problema: não se ter acesso a
qualquer meio digital. E há muitos casos assim.
O momento não é fácil e num
turbilhão como o que vivemos torna-se muito complicado encontrar
soluções. O Secretário de Estado da Educação, João Costa, vai no
sentido de que os alunos cumpram o 3º período, de forma presencial
ou a distância, e que tenham notas no final. É uma
decisão muito difícil de ser tomada. O ex-ministro da Educação,
Eduardo Marçal Grilo, já referiu que não o "chocaria que houvesse
uma decisão, que teria de ser entendida como uma decisão
absolutamente excecional, no sentido em que o ano terminaria, para
todos, privado e público, para depois não termos questões de
heterogeneidade e de alguma injustiça". Uma "espécie de ano neutro"
que terminaria agora para os alunos do básico e secundário, que
acabariam por transitar para o próximo ano letivo "sem notas".
O próprio Ministério da Educação, e
bem, no âmbito do programa "estamos ON com a escolas" está a
inquirir os professores para poder melhor decidir. Não se sabe como
irá ser o 3º período no ensino básico, secundário e profissional.
No período de encerramento das escolas a Direção Geral de Educação
enviou-lhes um conjunto de propostas, a saber:
- Identificação regular pelo
diretor de turma ou professor titular dos alunos sem acessibilidade
e com baixa ou irregular taxa de participação nas atividades
propostas;
- Definir canais de comunicação
simples com as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.
Privilegiar canais fáceis, momentos de contacto diário, através de
todas as formas de comunicação disponíveis, como o telefone (voz ou
mensagem);
- Para os que têm telemóvel, com
acesso ao whatsapp ou outras aplicações semelhantes, estimular o
envio de dúvidas e trabalhos por mensagem ou fotografia;
- Os canais de televisão
disponiblizaram-se para divulgar conteúdos educativos em momentos
específicos. Estimular a visualização desses momentos;
- Articular com as equipas das
forças de segurança afetas ao Programa Escola Segura (EPES), na
medida das suas possibilidades e disponibilidades, para coadjuvarem
o trabalho de seguimento na proximidade com estes alunos,
nomeadamente na articulação escola-alunos e em apoio
domiciliário;
- Articular com os CTT para
entregar/levantar fichas de apoio e os trabalhos ao domicílio;
- Mobilizar cidadãos para
interagirem com as famílias e crianças, fomentando exercícios
compatíveis com a distância telefónica/online, assim como para a
entrega/recolha de fichas ao domicílio e posterior
monitorização".
Se é esse o caminho que vai ser
percorrido, não sei. A educação é um bem de que ninguém deve estar
privado. A saúde também. Certamente que muitas das propostas
enunciadas são uma base de trabalho. É assim que as entendo.
Importa criar dinâmicas e mecanismos que funcionem entre
professores e alunos. Mas não se pode cair na tentação de querer
ser mais papista que o papa, nem de colocar em risco pessoas para
irem buscar e levar os trabalhos de casa. Não faz sentido.
Neste tempo difícil, estamos todos
juntos, à distância, na luta contra a pandemia. E isso é o mais
importante. Nada supera a vida das pessoas. A todos votos de boa
saúde e um cotovelo (os abraços estão proibidos) com amizade.