Luís Aguiar, Escritor e jornalista
"A FIFA é uma multinacional da corrupção"
O novo
presidente do organismo que rege o futebol no Planeta herda uma
instituição apodrecida e minada pela corrupção. Luís Aguilar aponta
os desafios de Gianni Infantino e identifica dois portugueses para
chegar à liderança do dirigismo europeu ou mundial.
A conclusão a que cheguei
depois de ler o seu livro, «FIFA Nostra» é que estamos perante uma
multinacional da corrupção. Estarei longe da verdade?
Sim, pode-se dizer com propriedade que a FIFA é uma
multinacional da corrupção que se foi desenvolvendo ao longo dos
anos, principalmente a partir da década de 70, com a chegada de
João Havelange, em que a instituição começou a obter grandes lucros
relacionados com o mundial de futebol, nomeadamente patrocinadores
e direitos televisivos.
Desde então a FIFA não tem
parado de crescer e gerar lucros astronómicos…
De facto, ganha dimensão financeira
e já com Blatter tornou-se ainda mais forte. Com tanto dinheiro,
não houve a capacidade de fazer a fiscalização do mesmo e como ele
era atribuído, fosse às federações, às confederações ou aos
próprios dirigentes do comité executivo da FIFA. Perante essa falta
de transparência, muitos dirigentes ganharam coragem para promover
os seus próprios negócios, muitos deles, obviamente, à margem das
leis. Muitos deles enriqueceram de forma obscena.
Estas práticas têm a sua
raiz na presidência de João Havelange, mas ganham dimensão maior
com Blatter na cadeira do poder?
Todos os mundiais a partir de
Havelange estão envoltos numa série de alegações de corrupção. A
investigação que está em curso aponta para ilegalidades em mundiais
mais recentes, como por exemplo, França 98, Alemanha 2006, África
do Sul, 2010, mas desde o mundial da Argentina, em 1978, que
existiam esquemas de corrupção. Aliás, foi muita falada a forma
como a Argentina conseguiu organizar o evento. É natural que de lá
para cá, cada vez mais países tiveram ambições de organizar um
campeonato do mundo de futebol e muitos deles, desculpe a
expressão, puseram-se de joelhos para conseguir esse objetivo.
A páginas tantas do seu
livro, relata um episódio em que Bill Clinton ficou furioso quando
os Estados Unidos perderam a organização do mundial 2022 para o
Qatar. Blatter chegou a avançar que a investigação promovida pela
justiça americana a dirigentes da FIFA surgiu no seguimento da
atribuição da organização aos árabes. Isto tem algum fundo de
verdade?
É uma teoria conspirativa, mas dá
para perceber a forma de pensar do ex-presidente da FIFA. Ele não
estava preocupado que houvesse corrupção, o que ele temia é que
existissem efeitos legais por causa dessa corrupção. O fundamental
é saber se existiram subornos e corrupção, e se pessoas que se
fizeram valer dos seus cargos e influência no futebol mundial,
agiram à margem das leis para enriquecer, etc. Sobre Blatter não há
provas (ou ainda não há) concretas que tenha feito o que outros
dirigentes fizeram, mas a sua maior culpa foi permitir que muitos
dos homens que gravitavam à sua volta fizessem todo o tipo de
negócios. Ele simplesmente não quis saber, porque esses dirigentes
davam-lhe a garantia de manutenção no poder, porque controlavam os
votos para a sua eleição. E se recuarmos a partir de 2000 chegamos
à conclusão que são cerca de 40 os dirigentes da FIFA envolvidos em
casos de corrupção. E Blatter assumiu a presidência desde 1998. É
muita gente. Apetece perguntar: quem é que não fazia?
Portanto, os atos corruptos
tornaram-se prática corrente e generalizada na FIFA?
A corrupção foi institucionalizada
e tornou-se uma prática constante ao longo dos anos. A FIFA
apodreceu por dentro e precisou de iniciar a sua cura através de
uma força exterior, ou seja, através da ação da justiça
americana.
Aponta o facto de cada
federação valer um voto como um problema para o sistema instalado e
dá o exemplo da federação de Montserrat valer o mesmo que a
federação alemã. Quer explicar o funcionamento deste
sistema?
Este é um exemplo do que a FIFA,
sob a capa da democracia e fiel ao lema «um membro, um voto», fez
no futebol mundial. Como em tudo na vida, há votos mais caros do
que outros. Montserrat é um minúsculo país, com seis mil
habitantes, e recebia tanto dinheiro e infraestruturas por parte da
FIFA como outros países incomparavelmente superiores em dimensão e
em número de praticantes e federados.
Aborda no livro o
«Qatargate» que foi investigado pelo jornal «L'Équipe» e que liga
Platini e Sarkozy à atribuição do mundial ao Qatar em troca do
financiamento ao Paris Saint Germain. As ligações entre política e
futebol estão sempre presentes?
A ligação entre política e futebol
sempre aconteceu, porventura nunca a esta escala. Em 1934,
Mussolini tomou conta do mundial. Nessa altura os governos tinham
uma postura de comando sobre a FIFA. O que fomos assistindo com o
passar do tempo é que a FIFA soube valorizar o seu mundial e
preparou-se para a cobiça que despertava. Os termos inverteram-se.
Foram os países que passaram a dançar ao som da música da FIFA.
Veja o caso da Inglaterra que no processo de candidatura ao
mundial, mesmo perdendo, submeteu-se a tudo o que a FIFA pediu e
utilizou figuras como David Cameron, o Príncipe William e David
Beckham para encantar e pressionar através de lóbis quem vota.
Depois, acabou por sair derrotada e revoltou-se.
Pode haver retrocesso na
atribuição dos mundiais da Rússia e do Qatar?
Não acredito. Os mundiais são um
dado adquirido, a avaliar pelas palavras do recém-eleito presidente
da FIFA, Gianni Infantino, que garantiu que vai ajudar esses dois
países a organizarem os dois melhores mundiais de sempre.
Disse sobre Infantino em
comparação com Blatter que espera apenas que tenham semelhanças na
nacionalidade, Suiça, e na calvície. Teme que possam ser parecidos
em algo mais?
Ele é um homem talentoso, um
poliglota, um mestre de cerimónias e um conhecedor profundo da
história do futebol. Teve uma ascensão na UEFA, como braço direito
de Platini, quase meteórica, apesar de ter entrado como conselheiro
de Lennart Johansson que perdeu as eleições para o francês. Platini
viu as suas qualidades e não quis prescindir do contributo de
Infantino. Chegou depois a secretário-geral da UEFA e conseguiu
grandes lucros pela forma como promoveu a Champions e a Liga
Europa, subindo os lucros de 5 mil milhões para 13 mil milhões de
euros. No meio deste processo do afastamento de Platini e Blatter,
a UEFA, que tem todo o interesse em ter um presidente europeu na
FIFA, movimentou-se e conseguiu os seus objetivos.
Quão pesada é a herança que
Infantino recebe?
É porventura o presidente que
recebe uma herança mais pesada e tem de inverter a credibilidade
manchada da FIFA. De futuro, qualquer passo em falso ou qualquer
comportamento menos transparente só contribuirá para aumentar a
mancha negra existente. A curto prazo terá de tomar posições firmes
sobre as muitas pontas soltas que Blatter deixou.
Fernando Gomes, presidente
da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), apoiou declaradamente
Infantino e foram elementos da própria federação que ajudaram o
novo presidente da FIFA na campanha para a presidência. O que é que
Portugal pretende, estar de braço dado com o poder?
Nas eleições anteriores, Platini
não quis ir a jogo e a UEFA arranjou três candidatos para
desgastarem Blatter e um deles era Luís Figo, que acabou por
desistir. Blatter venceu as eleições, porque tinhas as federações
no bolso, apenas dois dias depois do maior escândalo de corrupção
da história do desporto. Há muita política nestes processos e há
compromissos e faturas que têm de ser pagas mais adiante e a FPF e
o seu presidente têm cada vez mais um papel determinante na UEFA,
ocupando um cargo no comité executivo.
Fernando Gomes terá
ambições pessoais?
Fernando Gomes começa a ganhar
projeção internacional. Eu acho que ele quer um dia ser presidente
da UEFA e vai começar a posicionar-se para atingir esse
objetivo.
E Luís Figo, que foi a
«lebre» de Platini na candidatura à FIFA, também poderá
protagonizar uma candidatura para vencer?
Figo já tem um lugar num comité da
UEFA. É jovem para o mundo do dirigismo e continua a opinar sobre a
FIFA e a governação do futebol mundial. Apoiou publicamente
Infantino, por isso, é uma possibilidade para o suceder, um dia.
Penso que alimenta essa esperança.