1ª Coluna

A insustentável certeza da incerteza

João CarregaO mundo está a atravessar um dos seus piores momentos, numa guerra biológica nunca antes vista, e onde todos somos importantes para derrotar a pandemia de Covid-19. Importa reduzir ao máximo os contactos pessoais, quem puder trabalhar em casa deve fazê-lo. E isto, não significa que estejamos de férias. Ninguém está de férias. Estamos perante uma insustentável certeza de um tempo de muitas incertezas, em que a realidade, grave, nos deve manter unidos naquilo que cada um tem que fazer, mas separar naquilo que são os contactos pessoais.

Para a escola, em particular para os professores e alunos, as duas semanas em que os estabelecimentos fecharam foi um período de angustia e de achamentos, onde quem orienta o faz num cenário novo, que muda todos os dias.  Cada um deu o melhor de si, por achar que desta forma era melhor que aquela, com poucas orientações, sendo que muitas das que chegavam eram contraditórias.

A partir de casa os professores tentam interagir da melhor maneira possível com os seus alunos. Uns, pecam por excesso com o envio de atividades, umas atrás das outras, que deixam os estudantes e as suas famílias à beira de um ataque de nervos; outros, por defeito, não enviando nem desenvolvendo contactos com os seus alunos.

Mas não são apenas os professores que não estão de férias. Muitos milhares de profissionais também não estão. No país ninguém está. A Declaração do Estado de Emergência e as restrições que ela acarreta levaram a que uma grande parte dos portugueses esteja em casa, muitos em teletrabalho, com recomendações expressas para evitarem sair de casa.

Esta nova realidade cria à escola e às famílias um grande de desafio. É uma situação, que faz recordar filmes de ficção científica em que no final há sempre um herói. Aqui ainda não apareceu aquele que nos virá salvar a todos com uma cura e uma vacina. Os heróis teremos que ser todos nós. Todos somos importantes e todos devemos cumprir o nosso papel.

Apelou-se, no imediato, ao ensino a distância para os alunos do básico e secundário (no ensino superior há uma maior agilidade e a maioria das universidades e politécnicos já o faz, com aulas virtuais e em direto). Esta é uma nova exigência no ensino não superior para a qual nem professores nem alunos estão preparados.

A mesma escola que sempre foi resistente ao uso, por exemplo, de dispositivos móveis em contexto educativo, proibindo sua utilização, é a mesma que recebe indicações da Direção Geral de Educação, para recorrer a esses mesmos instrumentos, com sugestões de contacto pelo "WhatsApp e outras aplicações semelhantes".

As potencialidades dos dispositivos móveis são inúmeras, mas a escola sempre os deixou à porta no que respeita à sua utilização para fins pedagógicos. Fruto desta resistência, hoje temos uma escola que não está preparada para agir no imediato. Há iliteracia digital junto da classe docente, mas também junto de muitos alunos que não olham para os dispositivos como um meio de aprendizagem.

Nesta relação, a distância, deve existir proximidade digital entre quem envia e quem aprende, fóruns de discussão, trabalhos de casa e atividades a realizar, as quais podem ser enviadas, por email (para aqueles que tem acesso) aos alunos ou através de outras plataformas. E é aqui que surge o outro lado do problema. Muitos não têm computadores disponíveis. Dos alunos que têm acesso a um computador na sua casa, um número significativo está num contexto em que os seus pais o utilizam em funções de teletrabalho ou de docência. Terão que aguardar pela sua vez para o utilizarem nas tarefas da escola. São raras as exceções em que cada elemento do agregado familiar tem um computador só para si. Esta é a realidade. Dir-me-ão, mas a grande maioria tem telemóvel. Pois tem, mas nem professores, nem alunos, o aprenderam a utilizar como instrumento de aprendizagem. Há ainda outro problema: não se ter acesso a qualquer meio digital. E há muitos casos assim.

O momento não é fácil e num turbilhão como o que vivemos torna-se muito complicado encontrar soluções. O Secretário de Estado da Educação, João Costa, vai no sentido de que os alunos cumpram o 3º período, de forma presencial ou a distância, e que tenham notas no final. É uma decisão muito difícil de ser tomada. O ex-ministro da Educação, Eduardo Marçal Grilo, já referiu que não o "chocaria que houvesse uma decisão, que teria de ser entendida como uma decisão absolutamente excecional, no sentido em que o ano terminaria, para todos, privado e público, para depois não termos questões de heterogeneidade e de alguma injustiça". Uma "espécie de ano neutro" que terminaria agora para os alunos do básico e secundário, que acabariam por transitar para o próximo ano letivo "sem notas".

O próprio Ministério da Educação, e bem, no âmbito do programa "estamos ON com a escolas" está a inquirir os professores para poder melhor decidir. Não se sabe como irá ser o 3º período no ensino básico, secundário e profissional. No período de encerramento das escolas a Direção Geral de Educação enviou-lhes um conjunto de propostas, a saber:

- Identificação regular pelo diretor de turma ou professor titular dos alunos sem acessibilidade e com baixa ou irregular taxa de participação nas atividades propostas;

- Definir canais de comunicação simples com as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Privilegiar canais fáceis, momentos de contacto diário, através de todas as formas de comunicação disponíveis, como o telefone (voz ou mensagem);

- Para os que têm telemóvel, com acesso ao whatsapp ou outras aplicações semelhantes, estimular o envio de dúvidas e trabalhos por mensagem ou fotografia;

- Os canais de televisão disponiblizaram-se para divulgar conteúdos educativos em momentos específicos. Estimular a visualização desses momentos;

- Articular com as equipas das forças de segurança afetas ao Programa Escola Segura (EPES), na medida das suas possibilidades e disponibilidades, para coadjuvarem o trabalho de seguimento na proximidade com estes alunos, nomeadamente na articulação escola-alunos e em apoio domiciliário;

- Articular com os CTT para entregar/levantar fichas de apoio e os trabalhos ao domicílio;

- Mobilizar cidadãos para interagirem com as famílias e crianças, fomentando exercícios compatíveis com a distância telefónica/online, assim como para a entrega/recolha de fichas ao domicílio e posterior monitorização".

Se é esse o caminho que vai ser percorrido, não sei. A educação é um bem de que ninguém deve estar privado. A saúde também. Certamente que muitas das propostas enunciadas são uma base de trabalho. É assim que as entendo. Importa criar dinâmicas e mecanismos que funcionem entre professores e alunos. Mas não se pode cair na tentação de querer ser mais papista que o papa, nem de colocar em risco pessoas para irem buscar e levar os trabalhos de casa. Não faz sentido.

Neste tempo difícil, estamos todos juntos, à distância, na luta contra a pandemia. E isso é o mais importante. Nada supera a vida das pessoas. A todos votos de boa saúde e um cotovelo (os abraços estão proibidos) com amizade.

 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
 
 
 
IPPortalegre2016
 
 
 
 
 
Unesco.jpg LogoIPCB.png

logo_ipl.jpg

IPG_B.jpg logo_ipportalegre.jpg logo_ubi_vprincipal.jpg evora-final.jpg ipseutubal IPC-PRETO