Entrevista

Vitor Bento: Vem aí uma recessão grande

DSC_0481O economista Vítor Bento prevê que Portugal vá passar por uma "recessão grande" este ano em resultado da covid-19, restando saber qual será a sua duração e como será a recuperação económica.
Em entrevista à agência Lusa, o professor universitário não duvida de que Portugal vai ter "uma recessão grande", a dúvida, sublinha, é saber "qual será a sua duração" e qual vai ser "a forma de recuperação", se vai ser em 'U', com um período maior de contração económica, ou em 'V', com uma recuperação rápida depois de a economia bater no fundo.
O antigo conselheiro de Estado do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva considera, no entanto, que a atual crise tem características que obrigam a ser muito cauteloso nas previsões.
"Noutras ocasiões podíamos fazer projeções assentes em bases mais sólidas", explica, lembrando que "desta vez tudo é móvel e o grau de incerteza é maior".
Vítor Bento explica que nesta crise há dois choques económicos. Um do lado da procura e outro da oferta, mas para complicar ainda mais a análise, o choque do lado da procura tem uma natureza diferente do habitual.
"Normalmente há uma queda de procura por falta de rendimento porque, por exemplo, os governos intervieram para tirar rendimento de forma a estabilizar as contas externas", explica.
Mas desta vez a realidade é outra: "as pessoas tinham dinheiro, tinham vontade de comprar, mas não tinham condições de ir às lojas. O que significa que houve uma interrupção do circuito económico".
E esta interrupção levantou uma série de "problemas nas empresas", explica Vítor Bento, lembrando que acresce a esses problemas o choque simultâneo do lado da oferta resultante da "redução da oferta de trabalho por força da doença e do confinamento".
Perante este entupimento do circuito económico, Vítor Bento diz que a variável tempo vai ser determinante para avaliar a dimensão e profundidade da recessão.
"O tempo de paragem vai ter um efeito grande na possível destruição de capacidade produtiva" alerta, prevendo que uma paragem da atividade económica de dois meses "seja suportável" para grande parte das empresas.
Mas se a paragem for de seis meses, alerta, será "muito difícil, mesmo para as empresas muito sólidas, aguentar sem tesouraria". E mesmo o capital humano sofrerá uma depreciação se "os trabalhadores ficarem seis meses inativos".
Em qualquer dos cenários, o economista lembra que a recuperação não será igual em todos os setores nem ocorrerá ao mesmo tempo, o que também não beneficia a economia portuguesa.
"É mais ou menos certo que a componente de turismo internacional vai levar muito tempo a recuperar e em Portugal, como nos habituámos a depender muito do turismo, vamos ser particularmente afetados", adverte.
Mas há ainda uma outra característica da atual crise que não ajuda à recuperação: o facto de estar a acontecer em todo o mundo ao mesmo tempo.
Nas anteriores crises, como na última, "tínhamos um problema, mas o resto do mundo estava a crescer. E fomos capazes, primeiro através das exportações, e depois através do turismo, de superar mais rapidamente a contenção que tivemos na procura interna. Desta vez, essa escapatória não existe", explica o professor universitário.
Para que o cenário descrito não seja ainda mais grave, o economista considera essencial que as empresas consigam manter a totalidade, ou parte, dos salários dos seus funcionários. Caso contrário, admite Vítor Bento, o choque do lado da procura poderá acentuar-se.
Mesmo admitindo que haverá sempre uma redução de rendimento porque os salários nunca serão mantidos no mesmo nível, o economista acredita que "se as empresas tiverem recursos para continuar a pagar esses salários, o efeito, apesar de tudo, poderá ser menor". Mas se começar a haver muito desemprego, "então o efeito já vai ser maior" e, nessa altura, vai também depender da atuação que o Estado vier a ter.
No imediato, o economista, diz acreditar que as medidas tomadas, assentes no essencial em fazer chegar crédito às empresas, "vão funcionar".
"Não me parece mal que se tenha começado pelas linhas de crédito". Até porque "se se começar com empréstimos a fundo perdido, as empresas deixam de ter o estímulo para se adaptarem", explica.
Portugal encontra-se em estado de emergência desde 19 de março devido à pandemia de covid-19, que está associada à morte de 470 pessoas no país, entre quase 16 mil infetados.
A nível global, há a registar mais de 107 mil mortos e 1,7 milhões de pessoas contagiadas, em 193 países e territórios.
Para fazer face às consequências económicas da pandemia em Portugal, o Governo adotou várias medidas, entre as quais, linhas de crédito no valor de 3.000 milhões de euros, com garantia de Estado, destinadas a suprir dificuldades de tesouraria de empresas.

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