Regressar a Angola com Comissão das Lágrimas
António Lobo Antunes é um dos grandes
escritores de língua portuguesa de sempre e uma das vozes sonantes
na literatura mundial. Autor de 31 livros, - o primeiro livro
Memória de Elefante foi publicado em 1979 - conta mais de 30 anos
de carreira literária. Tem 69 anos e já venceu todos os prémios
literários que um escritor pode ganhar, menos o "Gordo", como ele
mesmo chama ao Prémio Nobel. A propósito dos prémios que
conquistou, desvaloriza com humor: "pareço um cavalo», para depois
acrescentar «o dinheiro dá jeito".
À questão se faz falta uma vida
inteira para aprender a escrever é com uma citação de Hipócrates,
não fosse António Lobo Antunes também médico - que responde: "não
chega. Estou sempre a aprender a escrever. 'A arte é longa, a vida
é breve, a experiência enganadora' e a gente nunca aprende".
António Lobo Antunes falava ao
Ensino Magazine, após apresentar o mais recente livro, Comissão das
Lágrimas, edição D.Quixote. O autor do Tratado das Paixões da Alma,
Manual dos Inquisidores, e O Meu Nome é Legião esteve no auditório
da Biblioteca Municipal, da cidade de Castelo Branco, no dia 4 de
Novembro, numa iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Castelo
Branco, da Editora D. Quixote/ Leya e da Livraria Amar`Arte.
Comissão das Lágrimas é um retorno
a África. Sobre o momento de partida para o livro diz: "não recordo
bem como é que aquela voz começou a falar e levou-me para Angola.
Não sei. Se perguntar a uma pereira porque dá peras, ela não é
capaz de explicar. Era aquilo que tinha de ser escrito,
independentemente da minha vontade".
Comissão das Lágrimas vai buscar o
título ao tribunal onde passaram os suspeitos de envolvimento no
Golpe de Estado de Maio de 1977, em Angola. O Golpe foi liderado
por Nito Alves, dissidente do Movimento Popular de Libertação de
Angola (MPLA). A obra fala da coragem de uma mulher, Elvira, a quem
chamavam Virinha. A comandante do batalhão feminino do MPLA que foi
presa, torturada e morta na sequência da alegada tentativa de golpe
de estado em Angola. Ao ser torturada ela nunca deixou de
cantar.
E o escritor também sofre com o
sofrimento dos seus personagens?
"Claro que se sofre. É uma mistura
de sentimentos. Mas não há um sentimento sem o seu contrário. Não
há sofrimento sem alegria; não há violência sem suavidade; não há
secura sem ternura. Os sentimentos são muito complexos,
contraditórios e simultâneos", explica ao Ensino Magazine.
As guerras, o Salazarismo, a guerra
colonial vivida na primeira pessoa, levam-no a denominar como
perigosos os Substantivos Abstractos. "Substantivos Abstractos como
a Honra, a Pátria…os políticos amam a Humanidade, mas não amam os
homens", diz.
O pai do escritor defendia "a
coragem, a verdade, e o rigor" como valores fundamentais do
carácter humano.
A conversa prossegue. Um bom livro,
tal como os homens, também tem de ter valores?, questionámos.
-"Não só. Mas, tem de haver um
sentido ético da escrita, senão não se sente", esclarece, enquanto
explica que está "sempre a negociar os livros com a morte". Por
isso, diz que só se sente bem a escrever e sofre de sentimento de
culpa se não o faz.
António Lobo Antunes , ainda não começou o próximo livro. Mas,
para marcarmos encontro na Comissão das Lágrimas, ou na obra que se
seguirá, é preciso saber se o livro é um lugar de encontro entre o
autor e o leitor. Para António Lobo Antunes deve ser, isso sim, "Um
lugar de procura"...