Memórias Ficcionadas
Prova Oral
A
infernal maratona de exames arrastava-se por mais de dois meses, no
calor do estio; a praia era uma miragem adiada para Agosto.
Concluído o exame oral, de uma
disciplina que ninguém levava muito a sério, Jonas Guevara felicita
o seu amigo Arcílio:
- Com que então, treze a Inglês!
Grande nota, pá.
Pois é, aquele senhor que "ensinava"
um Inglês burocrático e sensaborão, que nada adiantava às
aprendizagens anteriores do secundário, ao fixar a nota máxima no
13 achava que estava a valorizar a sua "cadeira". Arcílio quase não
pôs os pés nas aulas, mas, por inércia, colhia os proveitos das
"explicações" que tinha tido no 7º ano do liceu e que o haviam,
então, dispensado da oral com 14. No ISCSP, todos os exames tinham
duas provas: uma escrita e, volvidos 2-3 dias, uma oral. Alguns
docentes "dispensavam" esta última, ainda que a presença do
estudante no solene acto público, em dia e hora fixados pela
Secretaria, fosse um imperativo.
- Está satisfeito com a sua
nota?
A resposta afirmativa do estudante
dava por concluída a "prova". E deste modo, ficavam com mais tempo
de estudo para preparar o exame semanal seguinte. A oral era
entendida como uma etapa (quase) equivalente à "melhoria de nota".
Uma espécie de segunda oportunidade facultada ao aluno para subir a
sua nota. Todos sabiam quais os docentes que procediam desta forma
(a cultura académica da oralidade mostrava a sua funcionalidade
pois nestes casos ninguém perdia tempo a preparar-se para a oral).
As excepções a este "direito" eram raras. Arcílio passou por uma,
quando voltou a ter Inglês, no 2º ano do curso: depois da
realização da oral, ficou estarrecido ao ver o 10 na pauta! Foi tal
o choque que ficou à espera do docente para o interpelar:
- Professor, se tive um 10 quer
dizer que a minha oral foi de 7, certo?
- Ai levava 13 da escrita?!
- !! Tal qual. Acha que fiz um exame
assim tão mau?
- Hum… não… Mas agora não há nada a
fazer. A pauta já foi afixada. Lamento.
- E eu ainda mais…
- Venha em Setembro fazer melhoria
de nota.
E veio-lhe à memória o triste
exemplo do seu colega Landerset, de fino trato, que, descontente
com a classificação obtida em "Princípios Gerais de Direito",
resolveu solicitar uma "melhoria". Como andava na tropa, e para
impressionar o Prof. Arianus, apresentou-se a exame "todo pipi", de
azul, com a farda número 1 da Força Aérea, esperando, talvez,
patrióticas solidariedades. Só que o Prof. Arianus não gostou do
despropósito castrense daquele oficial miliciano em trânsito e,
menos ainda, da ousadia de quem punha em causa a sua justiça e
rigor classificativos. Deu-lhe uma desanda…
Tendo isso em conta, Arcílio achou
que não ia estragar as férias de Verão por causa de uma disciplina
daquelas e de um homem (nem sequer lhe fixou o nome) que dava notas
com aquela leviandade. Ainda era bem capaz de voltar a esquecer-se…
agora, da conversa tida entre eles, ali mesmo, à porta da cantina.
Aquele "inglês", baixote e cinzentão, não lhe merecia confiança.
Além do mais, já tinha deixado Contabilidade para segunda época.
Duas cadeiras era demais…
- Que se lixe a média!
A sociedade letrada impôs-se de tal
forma que hoje toda a avaliação assenta, quase em exclusivo, no
teste/exame escrito; ainda que nas aulas pouco se escreva. É
inquestionável: o nosso sistema educativo varreu o exame oral dos
ensinos básico e secundário. E a "chamada oral" não passa de uma
relíquia avaliativa; tal dispositivo, que exigia o estudo regular e
continuado próprio de uma avaliação (de facto) contínua, foi
considerado um método retrógrado pelo "eduquês" que tratou de o
remeter ao baú das velharias didácticas. Até nas escolas
superiores, a avaliação oral é uma excepção. O regulamento de
avaliação e frequência da escola xpto, estipula que um 9 ou um 8 no
exame (escrito) implica a ida à prova oral. Consequência: notas
dessas não aparecem nas pautas (hoje, menos públicas e mais
privadas, por serem virtuais e de acesso condicionado) pois o
docente opta pelo 7 (ou abaixo de) e evita o incómodo de marcar e
realizar uma oral. E, por isso, muitos estudantes transitam apesar
do professor só os ter ouvido ler o reduzido texto dos três slides
do power point que lhes coube na divisão interna do trabalho de
grupo.
E tudo isto, em contra ciclo com uma
época onde a entrevista é uma prova fundamental no processo de
candidatura a um qualquer emprego (excepto, nos concursos
documentais do ensino superior!). Os ministros da educação
começaram por varrer dos planos de estudo a Retórica, depois o
Latim, a Filosofia esteve para cair várias vezes e, há longos anos,
que a avaliação oral se restringe à denominada "participação". Não
admira, pois, que nas escolas não se pense bem e se fale cada vez
pior «tipo…assim uma cena… bué da fixe… tá a ver?»
- Não…
- Eu explico…
- Não se incomode. Para pior já basta assim.
Luís Souta
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico