Passos Coelho lança hipótese: Ensino obrigatório vai ser pago?
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, abriu portas, no
passado dia 28, em entrevista à TVI, de que a educação poderia ter
financiamentos repartidos entre o estado e os cidadãos. Passos
Coelho disse que a Constituição da República Portuguesa permite
mais alterações às funções do Estado no setor da educação do que no
da saúde.
"Isso dá-nos aqui alguma margem de liberdade, na área da
educação, para poder ter um sistema de financiamento mais repartido
entre os cidadãos e a parte fiscal direta que é assegurada pelo
Estado. Do lado da saúde temos menos liberdade para isso",
considerou.
As reações a esta medida foram céleres e o facto da educação
escolar obrigatória poder ter que ser pagar, em parte, pelos
cidadãos está já a levantar fortes contestações e diferentes
interpretações.
O secretário-geral da Federação Nacional de Educação, João Dias
da Silva, considerou, em declarações à Agência Lusa, preocupante a
intenção do Governo em introduzir propinas no ensino secundário,
salientando que o "Estado tem a responsabilidade de oferecer a
escolaridade obrigatória gratuita.
O secretário-geral da FNE disse que tem de haver um esforço no
sentido de "todos acederem aos mais altos níveis de qualificação",
nomeadamente a obrigatoriedade de ter uma escolaridade de 12 anos
completa e gratuita.
João Dias da Silva lembrou que 32% dos alunos portugueses
pertencem a famílias de "muito baixo" estrato social, económico e
cultural.
"Esta situação vai fazer com que em vez de se combater o
abandono escolar se esteja a criar condições para promover o
abandono escolar, que os nossos jovens abandonem a escola por
incapacidade das famílias em os manter no sistema educativo
sobretudo ainda tendo de pagar para o frequentar", explicou.
O secretário-geral da FNE chamou ainda a atenção para a
possibilidade de o sistema copagamento pretendido pelo Governo vir
a afetar também a oferta educativa nos adultos.
"A oferta educativa dos adultos deve ser promovida e incentivada
através da sua gratuitidade e não da introdução de propinas",
frisou.
No entender de João Dias da Silva, ao introduzir propinas, o
Governo não está a cumprir aquilo que são os objetivos de
crescimento da qualificação dos portugueses quer dos adultos quer
dos mais jovens.
Não é impossível o
pagamento
O constitucionalista Bacelar Gouveia disse também à Lusa não ser
impossível que se passe a cobrar taxas de acesso ao ensino
secundário, ainda que este grau escolar tenha recentemente sido
adotado como o patamar do ensino obrigatório.
"À partida, não me parece que, pelo facto de passar a ser
obrigatório seja impossível cobrar, ou que seja necessariamente
gratuito. Não me parece que haja uma ligação entre os dois
conceitos", disse à Lusa o constitucionalista Bacelar Gouveia,
ainda que admita que a obrigatoriedade do ensino secundário possa
colocar problemas.
"Vamos ver o que isso pode significar, mas admito que haja uma
certa conexão entre ser obrigatório e ser gratuito",
acrescentou.
Bacelar Gouveia sublinhou a separação que o texto constitucional
faz entre ensino básico, "em relação ao qual a Constituição
estabelece a regra de ser absolutamente gratuito" e o ensino
secundário e o ensino superior, em relação aos quais a Constituição
portuguesa "não é taxativa".
"[A Constituição, para o ensino secundário e para o ensino
superior,] apenas diz que o Estado deve estabelecer
progressivamente a gratuitidade. O progressivamente aqui é
adaptável em função das condições económicas e sociais", frisou o
constitucionalista.
Bacelar Gouveia entende que cobrar o ensino secundário é um
assunto que tem que ser visto com "delicadeza, proporcionalidade e
igualdade", e que a introdução de uma taxa moderadora deve ter em
consideração que os alunos do ensino secundário ainda não têm
rendimentos próprios e que "pode ser difícil para as famílias
cumprirem com o ensino secundário obrigatório que não seja
gratuito".