Primeira Coluna
Voz da Merkel
A chanceler alemã, Angela Merkel, citada
este mês pela agência de informação financeira Bloomberg, referiu
que países como Portugal e Espanha têm demasiados licenciados, "o
que faz com que não tenham noção das vantagens do ensino
vocacional". Das duas uma, ou a senhora Merkel pensa que os
portugueses e os espanhóis apenas servem para servir às mesas e
outras coisas que tais, ou está já a tentar impor políticas de
mediocridade educativa com clara desvantagem para os países do sul
da Europa.
Um povo mal qualificado será sempre
um povo instrumentalizado. Diz a senhora Merkel que "o enfoque nos
estudos universitários como um feito de topo da carreira é algo do
qual deve haver um afastamento. Caso contrário, não conseguiremos
persuadir países como Espanha e Portugal, que têm demasiados
licenciados, dos benefícios do ensino vocacional", acrescentou a
líder alemã, durante uma intervenção na confederação das
associações patronais daquele país (BDA, na sigla em alemão).
Na minha perspetiva, as declarações
de Angela Merkel não são inocentes e tentam começar a indicar um
caminho que o governo alemão pretende que venha a ser seguido na
Comunidade Europeia para os países do sul.
Importa referir que Portugal não
tem licenciados a mais, nem tem mestres a mais, nem tem doutorados
a mais. Os dados do gabinete de estatísticas europeu revelam que em
2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos
tinha completado estudos superiores, enquanto a percentagem
portuguesa era de 17,6% e a alemã de 25,1%. A senhora Merkel sabe
disso.
Importa referir que Portugal não
tem instituições de ensino superior a mais. Tem é jovens que
terminam o ensino secundário (cerca de 40%) que optam por não
prosseguir estudos para o superior. Um país altamente qualificado,
que aposte na investigação nas suas diferentes vertentes, será
sempre um país competitivo. E Portugal tem tudo para ser isso,
assim haja coragem política para apoiar e incentivar as
instituições de ensino superior e os seus centros de investigação,
os quais começam a ser postos em causa.
Temo que, a curto prazo, perante
esta posição pública da chanceler alemã, os governantes portugueses
acelerem o seu pensamento de fechar instituições, garantindo que só
os estudantes de uma determinada linhagem possam estudar nos
grandes centros urbanos. E o país deve revoltar-se contra isso.
Porque perdemos todos e porque nunca ganharemos nada com isso.
Em Portugal diz-se com frequência
que há um país de primeira classe (situado no litoral) e um de
segunda (no interior - que até está mais perto da Europa), onde se
encerram serviços do Estado, se fecham centros de saúde e escolas,
postos de GNR, e onde o que existe de bom, como o ensino superior,
é posto constantemente em causa por gente que nunca saiu do eixo
Lisboa-Porto, que não sabe, nem procura saber como está grande
parte do território nacional.
Mas esta dimensão, que resulta das
palavras da chanceler alemã, é maior e perigosa. No fundo todos já
sabemos que há uma Europa de primeira classe, onde se inclui a
Alemanha, e de segunda, onde Portugal é classificado.
Economicamente é assim. E agora, segundo Angela Merkel,
«vocacionalmente» e educacionalmente também o deve ser.
Não, senhora Merkel, Portugal não
tem licenciados a mais. Tem é a menos. É importante que este, ou
outro qualquer governo português, seja firme nesta matéria, porque
os nossos filhos não podem resignar-se ao destino de não poderem
qualificar-se superiormente. As palavras da chanceler alemã também
evidenciam muito do que a União Europeia está a viver, e muito do
que ainda aí pode vir...