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Primeira Coluna
Voz da Merkel

IMG_1620.jpgA chanceler alemã, Angela Merkel, citada este mês pela agência de informação financeira Bloomberg, referiu que países como Portugal e Espanha têm demasiados licenciados, "o que faz com que não tenham noção das vantagens do ensino vocacional". Das duas uma, ou a senhora Merkel pensa que os portugueses e os espanhóis apenas servem para servir às mesas e outras coisas que tais, ou está já a tentar impor políticas de mediocridade educativa com clara desvantagem para os países do sul da Europa.

Um povo mal qualificado será sempre um povo instrumentalizado. Diz a senhora Merkel que "o enfoque nos estudos universitários como um feito de topo da carreira é algo do qual deve haver um afastamento. Caso contrário, não conseguiremos persuadir países como Espanha e Portugal, que têm demasiados licenciados, dos benefícios do ensino vocacional", acrescentou a líder alemã, durante uma intervenção na confederação das associações patronais daquele país (BDA, na sigla em alemão).

Na minha perspetiva, as declarações de Angela Merkel não são inocentes e tentam começar a indicar um caminho que o governo alemão pretende que venha a ser seguido na Comunidade Europeia para os países do sul.

Importa referir que Portugal não tem licenciados a mais, nem tem mestres a mais, nem tem doutorados a mais. Os dados do gabinete de estatísticas europeu revelam que em 2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos tinha completado estudos superiores, enquanto a percentagem portuguesa era de 17,6% e a alemã de 25,1%. A senhora Merkel sabe disso.

Importa referir que Portugal não tem instituições de ensino superior a mais. Tem é jovens que terminam o ensino secundário (cerca de 40%) que optam por não prosseguir estudos para o superior. Um país altamente qualificado, que aposte na investigação nas suas diferentes vertentes, será sempre um país competitivo. E Portugal tem tudo para ser isso, assim haja coragem política para apoiar e incentivar as instituições de ensino superior e os seus centros de investigação, os quais começam a ser postos em causa.

Temo que, a curto prazo, perante esta posição pública da chanceler alemã, os governantes portugueses acelerem o seu pensamento de fechar instituições, garantindo que só os estudantes de uma determinada linhagem possam estudar nos grandes centros urbanos. E o país deve revoltar-se contra isso. Porque perdemos todos e porque nunca ganharemos nada com isso.

Em Portugal diz-se com frequência que há um país de primeira classe (situado no litoral) e um de segunda (no interior - que até está mais perto da Europa), onde se encerram serviços do Estado, se fecham centros de saúde e escolas, postos de GNR, e onde o que existe de bom, como o ensino superior, é posto constantemente em causa por gente que nunca saiu do eixo Lisboa-Porto, que não sabe, nem procura saber como está grande parte do território nacional.

Mas esta dimensão, que resulta das palavras da chanceler alemã, é maior e perigosa. No fundo todos já sabemos que há uma Europa de primeira classe, onde se inclui a Alemanha, e de segunda, onde Portugal é classificado. Economicamente é assim. E agora, segundo Angela Merkel, «vocacionalmente» e educacionalmente também o deve ser.

Não, senhora Merkel, Portugal não tem licenciados a mais. Tem é a menos. É importante que este, ou outro qualquer governo português, seja firme nesta matéria, porque os nossos filhos não podem resignar-se ao destino de não poderem qualificar-se superiormente. As palavras da chanceler alemã também evidenciam muito do que a União Europeia está a viver, e muito do que ainda aí pode vir...

 
 
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