Bocas do Galinheiro
Frank Capra: vale tudo na política?
Há que relembrar Frank Capra. Para mim tenho-o como
um dos realizadores de lugar cativo na minha lista de
imprescindíveis. Nascido em 1897 em Bisaquine, uma pequena aldeia
na Sicília, como Francesco Rosario capra, começou a sua carreira no
cinema em 1922, altura em que era um engenheiro químico
desempregado, com a direcção da produção independente da
curta-metragem "Fultah Fisher's Boarding House", uma adaptação do
poema de Ruidyard Kipling. Nos anos seguintes foi de tudo um pouco:
redactor de legendas, montador, argumentista e inventor de gags, de
que seriam célebres os que criou para Hal Roach e Mack Sennett, até
que em 1926 começou a realizar filmes para Harry Langdon, um
popular cómico do mudo, como "Atleta à Força" e "Calças Compridas",
até ser despedido em 1927 quando Langdon decidiu ser ele a
realizar. Capra fica sem trabalho mas filma ainda para a First
National "For the Love of Mike", primeiro encontro com Claudette
Colbert que se estreava neste filme.
Em 1928 é contratado pela Columbia,
um dos três pequenos estúdios a par da United Artists e da
Universal, os cinco grandes eram a MGM, Paramount, Fox, Warner
Brothers e RKO, onde fica até 1941 e onde realizará o melhor da sua
obra. Dos 25 filmes para a futura major, nove fá-los nos primeiros
doze meses na casa. É obra! Na Columbia torna-se conhecido como
artífice de confiança para produções rentáveis e eficientes, e de
estilo indiferenciado: desde dramas de acção militar, como
"Submarine", "Fligfht" e "Dirigible", histórias de jornais, como
"The Power of the Press" e melodramas de que se destacam "Ladies of
Leisure" e "The Miracle Woman", com Barbra Stenwyck. Mas, seria a
comédia "Platinum Blonde", de 1931, que marcaria a viragem na
carreira do então jovem realizador. Aí começou também a profícua
associação entre Capra e o argumentista Robert Riskin que se
notabilizaria numa série de comédias de sucesso, como instrumentos
e veículos do espírito do New Deal de Roosevelt, nas quais criaram
a que ficou conhecida como a "Capriskin Formula": o idealista
individual contra as instituições corruptas. A primeira produção de
Capra e Riskin, "American Madness", de 1932, introduz a assinatura
da equipa no tema e o herói idealista, um dedicado banqueiro,
Walter Huston, pai de John, em luta contra homens de negócios sem
escrúpulos.
O reencontro com Riskin dá-se em
"Uma Noite Aconteceu", vencedor em 1934 dos cinco maiores prémios
da Academia: melhor filme, melhor realizador, melhor actor, Clark
Gable, melhor actriz, Claudette Colbert, e melhor argumento
(adaptação) para Riskin. Uma história simples, em que tudo
pareceria banal e linear, não estivesse por trás o Capra touch,
(não é só o de Lubitch) com toda a sua riqueza de acontecimentos e
peripécias que fizeram deste filme um arquétipo da comédia, aqui e
ali a lembrar os filmes de aventuras e o policial.
Outra obra prima, "Mr. Deedes Goes
to Town" (1936) marca o reencontro de Capra com os Oscar. Foi o
melhor realizador. O de melhor filme fugiu-lhe para "The Great
Ziegfield", de Robert Leonard. Gary Cooper, o protagonista também
não conseguiu o seu. Aliás, só veio a arrecadar o Oscar honorífico
em 1960, pelo reconhecimento duma carreira extraordinária.
Depois de levar Mr. Deeds para a
grande cidade onde o confrontou com as malhas da corrupção, três
anos depois agarra em Jefferson Smith, tal como Deeds um
zé-ninguém, um idealista que cita Lincoln, chefe dos escuteiros lá
da terra, em suma, um herói à Capra: honesto e ingénuo e, nos
tempos que corriam, dotado de um alto sentido patriótico.
Desembarca-o em Washington onde, em política, nem tudo o que parece
é. Em "Mr. Smith Goes To Washington" (1939), com o curioso título
em português "Peço a Palavra", coisa que os nossos deputados de vez
em quando também deveriam pedir, nomeadamente para contrariar os
interesses instalados e defender aqueles que os elegeram, em vez do
grotesco da disciplina de voto em favor do aparelho, o jovem
Smith/James Stewart vai sentir isso na carne. Mais uma vez são o
dinheiro e a corrupção a ditar as leis. Nesta leva de filmes de
comprometimento de Capra com a América do New Deal, podíamos ainda
lembrar "You Can't Take it with You" (1938), outra vez com James
Stewart, ou "Meet John Doe" (1941), primeiro filme da produtora de
Capra e Riskin que não durou mais, de novo com Cooper e também
Stanwyck. Desfeita a produtora, realiza para a Warner um dos filmes
de referência na comédia americana: "O Mundo é um Manicómio", com
Cary Grant, de 1941, mas que só viria a estrear em 1944, uma vez
que no período da guerra Capra faz alguns episódios da série de
propaganda "Why We Fight", bem como outros filmes relacionados com
o conflito.
O regresso fá-lo com "Do Céu Caiu
uma Estrela", até há pouco tempo presença certa na programação
natalícia da RTP (vamos ver se passa este ano), este sim, um filme
de serviço público! Vê-se, revê-se e cada vez mais gostamos da vida
na terra, porque até os anjos gostariam de ficar. Enfim, toda a
eficácia e talento de Capra num filme inesquecível com um também
inesquecível George Bailey/James Stewart.
São filmes como estes e
realizadores como Frank Capra que nos fazem gostar mais e mais de
cinema.
Até à próxima e bons filmes!