Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses
Bombeiros: o maior exército da paz e da vida
No rescaldo da tragédia
florestal, o "porta-voz" dos bombeiros nacionais fala dos desafios
e das dificuldades que se colocam aos cerca de 30 mil «soldados da
paz».
Os últimos meses foram especialmente trágicos para a
floresta portuguesa, fazendo dezenas de vítimas e registando perdas
de milhões. No habitual pingue pongue de críticas entre
intervenientes a ação dos bombeiros foi visada. Como viu esta
situação?
Que alguns queiram fazer dos bombeiros bodes expiatórios é uma
coisa, outra coisa diferente é que estes operacionais o sejam.
Existiu essa intenção, mas a mensagem não passa porque os
portugueses sabem separar o trigo do joio. Sabem quem é que nasceu
deles e morre por eles, quem é que todos os dias está vigilante 24
sobre 24 horas, numa prestação de serviço qualificada e assente no
conhecimento e no profissionalismo, pese embora a maioria ser
voluntário. O poder político deparou-se com aquilo que é a sua
incompetência, de um Estado que não foi capaz de assumir o seu
papel e numa fuga para a frente deu a entender que alguém teria de
ser sacrificado para lhes salvar a face.
Rejeita, por isso, qualquer tipo de responsabilidades dos
operacionais nas tragédias de Pedrógão e de 15 de
outubro?
Podemos provar que nas situações concretas os bombeiros fizeram bem
aquilo que tinham de fazer. Eles são os operacionais de terreno e
não têm competências de comandamento, que se encontra nos
comandantes distritais que assumem a liderança das operações. Os
bombeiros obedeceram a ordens da Proteção Civil, ou seja, quem
tinha a estratégia e a competência para comandar. Se alguém não
cumpriu a sua missão, não foram os bombeiros, com toda a
certeza.
Depois de tantos debates e tantas oportunidades perdidas,
pouco resta para arder da nossa mancha verde. O que falhou para
chegarmos a este ponto?
O problema dos incêndios não está no combate, está a montante. Está
na prevenção estrutural que não existe. Os fogos evitam-se, não se
combatem. É preciso planeamento para ordenar a floresta e torná-la
resiliente ao fogo. Infelizmente, nada disto foi feito. Floresta
povoada é floresta vigiada e o que se passa é exatamente o oposto.
Os bombeiros foram os agentes que alertaram, ao longo dos anos,
para o abandono das populações e da agricultura, das manchas
contínuas de espécies altamente inflamáveis, não haver caminhos,
nem linhas de corta fogo, etc. Isto são problemas que acabam
por sobrar para o combate ao fogo e os principais agentes no seu
ataque são os bombeiros.
Ser bombeiro deve ser das profissões mais aliciantes,
porque temos a ideia que todos os dias há uma situação nova e
imprevista, desde o acidente rodoviário, o cão que subiu à árvore,
passando pela pessoa que se esqueceu da chave de
casa…
98 por cento do socorro em Portugal é realizado por bombeiros. Os
fogos florestais correspondem a 7 por cento da atividade destes
operacionais que ao longo dos anos procuram melhorar em termos de
formação e nos equipamentos de trabalho, mas o seu esforço não tem
sido acompanhado pelos necessários apoios financeiros. Os bombeiros
não têm sido ressarcidos da sua permanente disponibilidade para
acudir a todas as solicitações. E deixe-me dizer: a catástrofe
florestal dos últimos meses ainda só não foi pior, porque os
bombeiros disseram sempre presente e nunca baixaram o seu sentido
de responsabilidade.
A diminuição de meios de combate após o fim da fase Charlie
pesou no propagar dos incêndios?
A Liga dos Bombeiros alertou em tempo devido para esta situação. De
48 meios aéreos passámos para 18. De 4200 viaturas tiraram do
terreno 800. Isto já para não falar do encerramento dos postos de
vigia. Mesmo perante esta adversidade os bombeiros nunca viraram a
cara à luta.
Consegue fazer-nos uma radiografia do número de bombeiros
existentes no nosso país?
Os bombeiros são o maior exército da paz e da vida. Há cerca de 30
mil bombeiros em Portugal, contando com profissionais e
voluntários. Há 15 mil na reserva e ainda existem 15 mil nos
quadros de honra. São 471 os corpos de bombeiros em Portugal, sendo
456 das associações humanitárias de bombeiros, sendo os restantes
das câmaras municipais, onde se incluem os sete corpos de
sapadores. Nenhuma força de proteção civil tem esta cobertura
nacional e esta capacidade para responder em permanência sem
qualquer quebra.
O que deve fazer quem quiser seguir a
carreira?
Um jovem pode inscrever-se quando os bombeiros abrem as escolas de
recrutas, faz os exames médicos e depois frequenta o curso de
formação de ingresso. É uma afirmação de cidadania e uma paixão a
que muitos jovens, felizmente, estão a aderir. Estamos a assistir a
um fenómeno maravilhoso nos corpos de bombeiros e das associações
humanitárias que é a entrada de infantes e cadetes, entre os 6 e os
16 anos. Muitos destes jovens passam para o corpo ativo, fazendo um
curso de 15 meses. Fazem os exames e entram numa fase de estágio,
ficando como bombeiros de terceira e vão evoluindo na carreira até
à categoria de chefes. Também há uma carreira nova que é para os
licenciados, os oficiais bombeiros.
Tem havido uma queda nas vocações para bombeiros
voluntários?
O voluntariado não está em crise. Não faltam vocações, nem jovens
que queiram ser bombeiros. O que se assiste é a dificuldades
durante o dia em conciliar o tempo de trabalho das pessoas com esta
função. Por este motivo temos vindo a aumentar a percentagem de
assalariados nos corpos de bombeiros, que pensamos já se situe
entre 12 a 15 por cento. Temos vindo a pressionar a Autoridade
Nacional de Proteção Civil, as câmaras e o governo para aumentar as
equipas especiais. O socorro hoje em dia é 24 horas por dia e não
se compadece com o toque de sirene.
O cargo de presidente da mesa da assembleia geral do
Sporting, durante os mandatos de Bruno de Carvalho, deu-lhe grande
visibilidade pública. Perdoe-me o paralelismo, mas futebol
português não está também ele em chamas?
O futebol português está a sofrer uma grande transformação porque o
presidente do Sporting tem tido a coragem de trazer ao de cima os
males que o afligiam e muitos varriam para debaixo do tapete. A
procura da verdade desportiva veio trazer à luz os males que
durante anos a fio minaram o futebol português. Preferiu-se,
durante tempo demais, viver num ambiente de paz podre, como se nada
fosse.
Mas não se está a exagerar, refiro-me aos dirigentes e
representantes dos três "grandes", na dialética?
O momento é complexo, difícil e de grande conflitualidade, mas a
verdade virá ao de cima e ultrapassando esta fase o futebol
português sairá mais forte e dignificado. Como estava, não podia
continuar. O presidente do Sporting teve grande coragem e mesmo não
sendo politicamente correto ousou dar a pedrada no charco, mexendo
com todo o sistema.
Dentro de campo acredita que o seu clube será campeão esta
temporada?
Temos um bom treinador, bons jogadores e boa organização
administrativa e desportiva. Se houver verdade desportiva e rigor,
estou convicto que o Sporting com naturalidade será o próximo
campeão nacional.