1ª Coluna

1ª Coluna
Chumbos na cartola

João CarregaO Governo pretende "criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades". Mas deve ou não um aluno passar de ano sem ter os conhecimentos mínimos exigidos? À pergunta, certamente que a maioria dos portugueses responderia que não. Mas o que se vive na escola pública demonstra que há "pressões" para que as retenções sejam residuais. E, ainda assim, o número daqueles que ficam retidos é elevado.
Esta não é uma questão nova. Mas o seu debate está a sê-lo, pela abrangência e pela facilidade com que a comunidade académica é convidada a informar-se, ou desinformar-se, sobre o assunto. E naquilo que essa informação ou desinformação resulta para as escolas. De um lado, os alunos que olham para a medida como um instrumento indutor de facilitismo, de falta de exigência, de passar o ónus do insucesso para os professores, e, como já se verifica, de falta de respeito dentro da sala de aula (desde que foram criados os mega agrupamentos a situação tem vindo a piorar).
Do outro, os professores, que acossados com um trabalho burocrático exagerado, são chamados a jogo sem saber muito bem ao que vão, tendo todos o objetivo de ensinar e de ter sucesso com os seus alunos, mas também de verem cumpridas as regras básicas do respeito, da igualdade e da justiça entre pares.
A única certeza que têm é que será neles, nos professores, que estará o foco mediático e institucional, que são poucos para aquilo que é necessário fazer e às vezes sentem-se impotentes para cumprirem currículos extensos para o tempo letivo disponível.
O assunto não deve ser apenas visto na perspetiva daqueles alunos que têm dificuldades ou dos que, por esta ou aquela razão, vão para a escola desmotivados e sem vontade de lá estar, mas também daqueles que têm sucesso e trabalham para o ter, que se esforçam às vezes para ter o 3, mas que depois verificam que o colega do lado, que durante o ano só teve negativas nos testes e que até provocou colegas e professores, tem também o mesmo 3 na pauta. Ou para os outros que, tendo objetivos bem definidos do que querem fazer com o seu futuro, são injustiçados nas notas finais, porque como são bons alunos ninguém luta por eles.
A situação é complexa. Já em 2017, nesta mesma coluna, e após terem sido divulgados dados de um relatório da OCDE, debatidos pelos ex-ministros da Educação num encontro promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o tema mereceu atenção. Isabel Alçada, ex-ministra da Educação, defendia então que os cerca de 380 milhões de euros que o Estado português gasta devido às retenções de alunos, poderiam ser investidos para se criar "um modelo de prevenção para apoiar os alunos e as famílias". No seu entender, "as retenções deveriam ser uma exceção e não uma regra". O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, chegou a referir que "em Portugal mais de 30% dos jovens com 15 anos já apresentam uma retenção no seu percurso escolar e ainda demasiados deles, apresentam mais do que uma retenção".
O plano anti-chumbo que o Governo quer implementar deve ser explicado e apresentado, com clareza, divulgando as medidas que vão ser implementadas, associando os meios humanos e financeiros que lhes estão afetos (os que estão no terreno não são suficientes), e com as metas bem definidas.
A escola pública cumprirá (não tem outra alternativa) aquilo que lhe for imposto pela tutela. Se o Ministério publicar legislação no sentido de acabar com os chumbos, será feita a sua vontade. Mas é do futuro do país que estamos a falar, daqueles que um dia vão ter que assumir as suas responsabilidades, daqueles que não tendo exigência no começo das suas vidas, vão sempre olhar para as situações adversas, como se de um jogo se tratasse, em que alguém há-de resolver.
Como seria bom acabar-se com as retenções. Não de forma administrativa (o risco é grande que assim aconteça), mas porque todos obtiveram os conhecimentos mínimos para transitar de ano letivo, porque a escola foi reforçada e passou a ter recursos humanos para fazer face a planos de recuperação, de tutorias, de apoio psicológico, de mediação, de manutenção dos espaços, de segurança… Se assim assim for e todos aprenderem, ninguém terá chumbos na cartola…

 
 
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