1ª Coluna
Chumbos na cartola
O Governo pretende "criar um plano de não retenção
no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com
os alunos que revelam mais dificuldades". Mas deve ou não um aluno
passar de ano sem ter os conhecimentos mínimos exigidos? À
pergunta, certamente que a maioria dos portugueses responderia que
não. Mas o que se vive na escola pública demonstra que há
"pressões" para que as retenções sejam residuais. E, ainda assim, o
número daqueles que ficam retidos é elevado.
Esta não é uma questão nova. Mas o seu debate está a sê-lo, pela
abrangência e pela facilidade com que a comunidade académica é
convidada a informar-se, ou desinformar-se, sobre o assunto. E
naquilo que essa informação ou desinformação resulta para as
escolas. De um lado, os alunos que olham para a medida como um
instrumento indutor de facilitismo, de falta de exigência, de
passar o ónus do insucesso para os professores, e, como já se
verifica, de falta de respeito dentro da sala de aula (desde que
foram criados os mega agrupamentos a situação tem vindo a
piorar).
Do outro, os professores, que acossados com um trabalho
burocrático exagerado, são chamados a jogo sem saber muito bem ao
que vão, tendo todos o objetivo de ensinar e de ter sucesso com os
seus alunos, mas também de verem cumpridas as regras básicas do
respeito, da igualdade e da justiça entre pares.
A única certeza que têm é que será neles, nos professores, que
estará o foco mediático e institucional, que são poucos para aquilo
que é necessário fazer e às vezes sentem-se impotentes para
cumprirem currículos extensos para o tempo letivo disponível.
O assunto não deve ser apenas visto na perspetiva daqueles alunos
que têm dificuldades ou dos que, por esta ou aquela razão, vão para
a escola desmotivados e sem vontade de lá estar, mas também
daqueles que têm sucesso e trabalham para o ter, que se esforçam às
vezes para ter o 3, mas que depois verificam que o colega do lado,
que durante o ano só teve negativas nos testes e que até provocou
colegas e professores, tem também o mesmo 3 na pauta. Ou para os
outros que, tendo objetivos bem definidos do que querem fazer com o
seu futuro, são injustiçados nas notas finais, porque como são bons
alunos ninguém luta por eles.
A situação é complexa. Já em 2017, nesta mesma coluna, e após
terem sido divulgados dados de um relatório da OCDE, debatidos
pelos ex-ministros da Educação num encontro promovido pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos, o tema mereceu atenção. Isabel Alçada,
ex-ministra da Educação, defendia então que os cerca de 380 milhões
de euros que o Estado português gasta devido às retenções de
alunos, poderiam ser investidos para se criar "um modelo de
prevenção para apoiar os alunos e as famílias". No seu entender,
"as retenções deveriam ser uma exceção e não uma regra". O ministro
da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, chegou a referir que "em
Portugal mais de 30% dos jovens com 15 anos já apresentam uma
retenção no seu percurso escolar e ainda demasiados deles,
apresentam mais do que uma retenção".
O plano anti-chumbo que o Governo quer implementar deve ser
explicado e apresentado, com clareza, divulgando as medidas que vão
ser implementadas, associando os meios humanos e financeiros que
lhes estão afetos (os que estão no terreno não são suficientes), e
com as metas bem definidas.
A escola pública cumprirá (não tem outra alternativa) aquilo que
lhe for imposto pela tutela. Se o Ministério publicar legislação no
sentido de acabar com os chumbos, será feita a sua vontade. Mas é
do futuro do país que estamos a falar, daqueles que um dia vão ter
que assumir as suas responsabilidades, daqueles que não tendo
exigência no começo das suas vidas, vão sempre olhar para as
situações adversas, como se de um jogo se tratasse, em que alguém
há-de resolver.
Como seria bom acabar-se com as retenções. Não de forma
administrativa (o risco é grande que assim aconteça), mas porque
todos obtiveram os conhecimentos mínimos para transitar de ano
letivo, porque a escola foi reforçada e passou a ter recursos
humanos para fazer face a planos de recuperação, de tutorias, de
apoio psicológico, de mediação, de manutenção dos espaços, de
segurança… Se assim assim for e todos aprenderem, ninguém terá
chumbos na cartola…