Bocas do Galinheiro
Turismo sénior na Europa
De há una anos a esta parte, Woody Allen
vem-se dedicando a uma espécie de turismo cinematográfico. A coisa
remonta a 2005 quando faz o primeiro filme em Londres: "Match
Point", com Jonathan Rhys-Meyers e Scarlett Johansson, a nova musa
do realizador nova-iorquino, numa história de sucesso a todo o
custo, engano e crime, com um final digno do cinema negro. Um filme
não muito bem acolhido pela crítica, mas de que Allen se orgulha
bastante. Normal. A falta de sintonia do realizador com os
críticos, principalmente americanos, é histórica.
Em Londres há-de reincidir com
"Scoop" (2006), "O Sonho de Cassandra" (2007) e "Vais Conhecer o
Homem dos Teus Sonhos" (2010). Pelo meio foi até Barcelona onde
filmou "Vicky Cristina Barcelona" (2008), de novo com Scarlett
Johansson e Rebecca Hall, reforçados por dois pesos pesados
espanhóis: Penélope Cruz, que viria ganhar o Oscar de melhor
secundária no papel da tempestuosa Maria Elena, a ex de Javier
Bardem, um pintor com quem as duas amigas americanas se envolvem.
Confuso? Claro que não, tratando-se de um filme de Woody Allen onde
estas relações cruzadas são recorrentes. No ano seguinte voltou a
casa para filmar "Tudo Pode Dar Certo", com Larry David e Evan
Rachel Wood, o que é ao mesmo tempo o regresso ao humor cáustico e
corrosivo, mas aqui em versão frenética, muito ao estilo de Larry,
o que se confirma na série que este manteve até há pouco tempo
"Calma, Larry!".
O seguinte périplo europeu tem
lugar em Paris, e "Meia-noite em Paris", (2011) torna-se mesmo o
maior êxito comercial de Woody Allen nos Estados Unidos,
valendo-lhe mesmo o Oscar para o melhor argumento original, numa
aparente reconciliação com a crítica, mesmo a de referência, ou
será o reconhecimento do seu cinema? Pouco interessa ao caso, uma
vez que na minha opinião estamos perante um dos seus melhores
filmes de sempre.
Gil, Owen Wilson, um argumentista
de Hollywood que se quer iniciar na escrita de romances e a
namorada, Inez, Rachel McAdams, estão de férias em Paris, à boleia
de uma viagem de negócios do pai dela. As coisas, como seria de
esperar começam a correr mal entre os dois, claro que adivinharam,
com o aparecimento de outro na vida dela, mas também porque Gil se
apaixona, não por outra, mas por Paris. E é numa das suas
deambulações pela cidade que à meia-noite é convidado a entrar num
misterioso táxi e que Marion Cotillard o levará à sua época, a uma
Paris desaparecida dos anos 20, onde se cruza com Dali, Hemingway,
Scott Fitzgerald e outros vultos das letras e das artes da época.
Nestas idas e vindas ao passado o seu romance no presente vai-se
deteriorando e é por via dos livros antigos e de um velho diário
que reencontra o amor em Paris, à chuva, não nos anos 20, mas no
presente, ou será no passado? em Gabrielle (Léa Seidoux), juntos
pela devoção de ambos a Cole Porter. No começo do filme, e aquela
quase passagem de slides de Paris, faz-nos desconfiar que vamos
entrar naqueles enfadonhos relatos de viagem no regresso do
estrangeiro. Mas não. A coisa é mesmo a sério. Aliás não era a
primeira vez que Allen filmava em Paris. Em "Toda a Gente Diz Que
Te Amo" (1996), um musical, recria mesmo a dança de Gene Kelly e
Leslie Caron nas margens do Sena de "Um Americano em Paris" (1951),
de Vincente Minnelli, dançando com a sua ex, claro, Goldie Hawn,
numa homenagem aos anos de ouro do musical americano.
Coube agora a vez a Roma ser a
estrela do último filme do director. "Para Roma, com Amor", que nas
últimas semanas passou em Castelo Branco, no circuito comercial,
hélas, traz-nos um Woody Allen em grande forma, de volta ao écran e
aos seus gags dos velhos tempos, com aquela dose q.b. de neurose,
ansiedade e nervosismo, qual impressão digital dos seus
personagens, mais uma vez bem acompanhado por um casting escolhido
com maestria, o que quase sempre acontece nas suas fitas. De
Roberto Benigni, um anónimo cidadão de repente se torna uma
celebridade perseguido pelos paparazzi, que diga-se apareceram pela
primeira vez em "La Dolce Vita", de Fellini, a Penélope Cruz, no
papel de uma prostituta de luxo que por engano entra na vida do
tímido e recém-casado Alessandro Tiberi, passando por Alec Baldwin
que regressa a Roma por interposto Jesse Eisenberg, estudante de
arquitectura, que se vê envolvido com a melhor amiga da namorada,
apesar dos avisos de Baldwin, passando pelo tenor Fabio Armiliato,
que no filme só consegue cantar no chuveiro o que nos conduz a
algumas das cenas mais hilariantes através de mirabolantes
encenações levadas a cabo pelo personagem de Woody Allen, uma vez
que o homem para cantar tem que estar a tomar duche. Enfim, um
regresso em grande, com certeza não no seu melhor filme, mas com
uma genica e uma veia cómica inalteradas.
Nascido a 1 de Dezembro de 1935 em
New York, Allen Stewart Konigsberg, Woody Allen para o cinema,
iniciou-se na escrita de gags para Earl Wilson e Ed Sullivan e para
as emissões televisivas de Sid Caesar, Jack Paar e Gary Moore. Mais
tarde passa a entertainer em salas da Greenwich Village. Em 1965
começa a publicar textos em revistas tão diferentes como a New
Yorker e a Playboy. De guionista e dramaturgo a realizador foi um
passo. Da sua longa filmografia de quase um filme por ano, títulos
com "Annie Hall" (1977), Manhattan (1979), A Rosa Púrpura do Cairo
(1985) ou Poderosa Afrodite (1994), para só citar estes, uma vez
que já nos havíamos debruçado sobre a sua filmografia, seriam
suficientes para voltarmos como então (apesar de nada original) a
Bertrand Tavernier "depois de Cassavetes, a marginalização,
aparentemente definitiva de Altman e a forçada, ainda que talvez
passageira conversão à sensatez de Coppola, Allen é, agora, com
Scorcese, um dos últimos autores originais do que foi o novo cinema
norte americano depois de 1968".
Até à próxima, e bons filmes!