Editorial
Um ano mais a abrir
Com
o início de mais um ano escolar, no ensino superior recomeçam as
rotinas académicas, os desafios da aprendizagem, os roteiros da
camaradagem, a construção de percursos de vida.
Porém, as escolas e as comunidades
em que estas estão inseridas são instituições complexas que
comportam grandes sonhos, mas também muitas e profundas
desilusões.
Ao rigor e exigência que se pretende
imprimir nos ciclos de formação e ao estimulante ambiente académico
que ajuda a desenvolver, continuam a juntar-se infelizes práticas
que os currículos ocultos motivam, e que se materializam através do
apelo a irresponsáveis rituais de iniciação que, por sua vez,
tendem a transformar-se em tradições mais ou menos
institucionalizadas. Há, neste momento, por todo o lado, um
justificado e aplaudido movimento de repulsa destas iniciativas.
Mas também, em muitas situações fora das paredes das escolas, elas
persistem, ainda que por vezes encapotadas de eufemismos.
Sejamos directos: nestas matérias
não vale a pena utilizar o agastado e hipócrita argumento de
crítica ao papel e desempenho social das novas gerações, sobretudo
quando as tentam comparar com as gerações que as precederam: os
jovens só querem ter o mesmo direito à partilha de um pedaço da
felicidade que também nos coube.
O mal não são os outros, somos nós.
Partilhámos o sonho e a utopia, desejámos construir um homem novo,
uma sociedade mais justa e igualitária, até fizemos (dizem) uma
revolução. E, pelo caminho, fomos semeando, entre as nossas
contradições e desilusões, a semente da anomia, da não participação
na construção do caminho comum, do desinteresse social por uma
comunidade que, afinal, não revelou interesse e, por vezes, nem
lhes interessa.
Conhecemos o perigo das
generalizações precipitadas. Mas vale a pena o esforço de reflexão
e de diálogo que nos interrogue sobre o nosso papel de educadores e
sobre a relação e o conhecimento que temos das gerações que estamos
a formar. Sobre os valores que lhes transmitimos, mesmo quando
negamos a transmissão desses valores. Sobre as condutas que
observamos, com olhar distanciado. Sobre a barreira de afectividade
que a ciência e o ensino dessa ciência construiu entre uns e os
outros.
Se reconhecermos que, no ensino
superior, professores e alunos se encontram, enquanto adultos, numa
parceria de mútuas aprendizagens, então temos também que admitir
que talvez seja dentro das paredes dessas instituições que se devem
centrar os nossos esforços e as nossas vontades de construirmos o
tal homem novo, não na modelagem do que somos, ou do que
desejaríamos ter sido, mas antes à imagem e semelhança daqueles que
estão em condições de o poder ser.
É um esforço de renovação, mas
também um imperativo da razão que nos recoloca o problema da
formação pessoal e da formação em aptidões pedagógicas dos docentes
do ensino superior, formações que devem conduzir ao encorajamento
de uma busca constante de inovação, quer nos curricula, quer nos
métodos de ensino, quer no conhecimento e reforço dos processos de
aprendizagem.
Neste entendimento, o
desenvolvimento de um novo paradigma das instituições só terá pleno
significado se prosseguir o aumento da autonomia dos seus alunos,
na indagação de um projecto pessoal e profissional em que se
revejam, que possa ser permanentemente adaptado a novas condições,
e propiciador do conforto e estabilidade emocionais que devem
acompanhar todas as incisões e clivagens da vida.
Numa sociedade que tende a
universalizar-se, num mercado assumidamente global, seria estranho
se as nossas escolas ficassem prisioneiras de ritos e ritmos que
mais lembram os tempos do obscurantismo, do que as novas eras de
mentes abertas que procuram permanentemente o saber e a
inovação.
João Ruivo
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico