Editorial
Esta é a seiva de que se faz um professor
Ser professor é uma lenta e metódica
metamorfose. É um movimento perpétuo entre a lagarta e o casulo. É
um vai - vem contínuo entre o saber e o desaprender. É a adaptação
permanente à mudança: dos saberes, das metodologias, das culturas,
das tecnologias… Ninguém nasce professor e a sua eficácia não é uma
questão de sorte ou acaso. Aqui, como em tudo o resto na vida, a
sorte, ou acaso, dão muito, mesmo muito trabalho.
Há um clique, um momento, uma circunstância, e muitas vezes até um
imprevisto em que se escolhe ser professor. Aparentemente porque se
gosta. Há quem lhe chame um chamamento interior. Outros dizem que é
porque ninguém é atraído ao engano, porque se sabe bem o que essa
profissão significa, já que desde tenra idade todos a conhecem por
dentro.
Porém, e a partir desse singular instante, desse acordar para o
futuro, tudo está por fazer. Porque se trata duma profissão
artesanal: faz-se dos gestos das mãos e dos recados do coração, com
recurso à uma profana mistela de tradição e de inovação.
Não se nasce professor. Um professor molda-se numa educação
inicial e condiciona-se numa aprendizagem permanente, ao longo da
vida. Nunca o é, mesmo quando se atreve a julgar que controla o
quotidiano. Professor é erosão e reconstrução. É avanço e recuo. É
acusação e vítima. É conquistador e sitiado. É lugar santo e
profanado.
Ninguém nasce professor e, quem o quiser ser, é bom que saiba da
gratificante e complexa tarefa que o aguarda no virar de cada
esquina do seu percurso profissional.
Infelizmente, por culpa de muita gente, que aparece em público
numa enganadora de defesa dos professores, vivemos uma conjuntura
política, económica, social e até cultural que não motiva a escolha
da profissão docente.
Os professores entregues a si próprios, sem acompanhamento, nem
adequada e suficiente formação complementar, sentem sobre os seus
ombros o peso da enorme responsabilidade que lhes é imputada pelo
Estado e pelas famílias. Vítimas de uma angustiante solidão
profissional, cativos dentro das quatro paredes da sala de aula
onde trabalham, os docentes atingem perigosos estádios de
desencanto, de desilusão e desmotivação profissional.
Por isso urge mudar a conjuntura para que a profissão de professor
reencontre os estímulos, incentivos, e até razões para que os
docentes se envolvam num processo de motivação e evolução
qualitativa das suas capacidades pessoais e profissionais.
A ausência de um código deontológico que ajude a consolidar a
cultura profissional dos docentes também não permite que se atenuem
os resultados negativos de todas as pressões externas e motiva
mesmo o aparecimento de sensações de insegurança e de receio
permanentes.
Proclama-se uma escola inclusiva numa sociedade que não acolhe os
excluídos. Pretende-se promover uma escola para todos numa
sociedade em que o bem-estar e a cultura só estão ao alcance de
alguns; em que a escola não consegue integrar os filhos das
famílias vitimadas por uma sociedade que cultiva de incúria.
Arvora-se uma escola em que os valores transmissíveis não
encontram acolhimento em inúmeros lares, porque são constituídos
por famílias disfuncionais. Uma escola onde se exige o cumprimento
de extensos currículos obsoletos e onde a máquina burocrática da
administração escolar predomina.
Esta é a autêntica escola pública em que trabalha a maioria dos
nossos professores. A escola em que também é preciso (ainda se
lembram?) que os docentes tenham tempo para ensinar e os alunos
encontrem momentos para aprender. Aprender, aprender sempre, porque
essa é a seiva de que se faz um professor.