Jurista e comentador televisivo
André Ventura de «pé em riste»
Defende com unhas e dentes no espaço público o clube que diz
«amar», mas rejeita, para já, qualquer protagonismo na sucessão do
atual presidente dos encarnados.
Tornou-se conhecido do grande público no programa de
comentário futebolístico, «Pé em Riste», na CMTV. Faço-lhe duas
perguntas numa só: como explica a popularidade destes programas e
se acha que estes programas não potenciam o clima de guerrilha
dentro e fora de campo?
O futebol é um fenómeno de massas, gera e despoleta emoções que os
próprios às vezes nem sabiam que seriam capazes de desenvolver. Os
programas de comentário desportivo evidenciam isso mesmo, esse
confronto de emoções, expressando o sentir de uma grande parte da
população portuguesa, que se revê nesses palcos de debate intenso
(e às vezes agressivo). Talvez seja essa a chave de sucesso de
programas como o «Pé em Riste» (CMTV) ou o «Prolongamento» (TVI
24)… são a expressão dos grandes debates de rua e de café em
Portugal.
Foi apontado como um dos elementos afetos ao Benfica que
recebiam a «cartilha» ou as diretrizes dos dirigentes do clube da
Luz, para veicular durante os seus comentários. Existe manipulação
por parte dos clubes para fazerem passar a sua estratégia
desportiva?
Isso é conversa fiada daqueles que perdem os debates ou não os
conseguem acompanhar. É mais fácil acusar os outros comentadores de
ter tido uma «ajuda extra» ou de estarem ligados a algum sistema de
satélite que transmite informações em tempo real. Todos os clubes
dão informações aos seus dirigentes e comentadores - todos! - e
isso beneficia até o serviço público de informação. Mais: beneficia
os telespectadores em termos de veracidade e autenticidade da
informação transmitida. Chamar a isso manipulação parece-me
despropositado…
O Benfica, após ter falhado por um triz o
tetracampeonato, foi envolvido, direta e indiretamente, numa série
de suspeições que estão a ser alvo da Justiça. Como reage, como
benfiquista, a esta vaga de suspeição?
É triste e mancha o nome daquela que é provavelmente a
instituição portuguesa mais divulgada a nível planetário e uma das
marcas mais fortes da nossa economia. Entristece-me muito ver a
Benfica SAD arguida num processo de corrupção (mais do que qualquer
dirigente ou ex-dirigente), por isso espero que esta questão fique
resolvida rapidamente já na fase de instrução. Estou a referir-me
evidentemente ao processo e-toupeira, mas espero também que não
haja desenvolvimentos negativos no processo dos e-mails (onde, deve
dizer-se, o Benfica foi absolvido em todas as instâncias
desportivas, nacionais e internacionais).
Algumas das conquistas do Benfica poderão ser retiradas
e, em caso de prova de culpabilidade, o clube pode ser penalizado
desportivamente?
A lei 50/2007 de 31 de agosto estabelece sanções criminais e
desportivas (por exemplo suspensão das competições de futebol
profissional) para os agentes desportivos (pessoas singulares ou
coletivas) cujos comportamentos configurem crimes de corrupção,
tráfico de influência ou mesmo (após a alteração de 2017)
recebimento ou oferta indevida de vantagem. Os regulamentos
desportivos estabelecem depois sanções, a jusante, que podem ir,
nestes casos, desde perda de pontos a descida de divisão, conforme
os casos.
Honestamente, neste caso específico do processo e-toupeira, a
conexão entre os crimes imputados à Benfica SAD e a competição
desportiva (ou a verdade desportiva) parece-me muito ténue e
difícil de estabelecer. Tal como já disse na TV, não me parece que
os crimes em causa tenham afetado a autenticidade das competições
desportivas, nem a verdade dos seus resultados, condição
fundamental para a aplicação dessas mesmas sanções desportivas.
Recentemente o seu nome foi apontado como um dos
apoiantes da mais que provável candidatura de Rui Gomes da Silva à
presidência do Benfica. Quais são as suas reais
ambições?
Amo o Benfica e gosto de futebol. Não tenho quaisquer ambições no
clube que não seja defendê-lo e apoiá-lo, como qualquer adepto. O
Rui Gomes da Silva é meu amigo e meu padrinho de casamento, mas uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ele é que decidirá
que convites fará e a quem os fará. O meu foco neste momento está
na política portuguesa, onde é urgente responder ao anseio das
pessoas por medidas corajosas e inovadoras.
Luís Filipe Vieira pretende, qual Pinto da Costa,
eternizar-se na liderança do clube da Luz?
Luís Filipe Vieira é muito diferente de Pinto da Costa e estou
convencido que apenas fará mais um mandato à frente do Benfica,
quando sinta concluído o projeto de modernização que iniciou no
clube. Teve uma função importantíssima na recuperação da
credibilidade do Benfica e todos os sócios reconhecem isso. Penso e
espero que, ao contrário de Pinto da Costa, saiba o momento de
sair.
Atualmente é vereador da Câmara de Loures, cargo para o
qual foi eleito em representação do PSD e do CDS. Como tem sido
essa sua experiência?
Muito boa e gratificante. Como sabe estou de saída da Câmara de
Loures para formar uma nova força política - o CHEGA - mas foram
meses de trabalho extraordinariamente gratificantes: colocámos, nas
sucessivas reuniões de Câmara, o dedo na ferida em questões
fundamentais como a habitação social, a dívida social, a
insegurança, a deficiente mobilidade, os espaços verdes, etc. Senti
que trabalhei para a população que me elegeu e, nesse sentido,
tenho pena de sair. Mas a vida é assim mesmo e a política
imprevisível: faço o que me manda a consciência e os valores que
transporto. Faz falta uma nova voz política em Portugal e espero
representar essa frescura e essa esperança por que tantos dos
nossos concidadãos anseiam.
Sobre a comunidade cigana disse que «viviam quase
exclusivamente de subsídios do Estado» e «acha que estão acima das
regras do Estado de Direito.» Essas palavras caíram mal na
sociedade. Disse o que muitos pensam e não têm coragem de
exprimir?
Evidente…e os dados demonstram isso mesmo. Há um problema de
integração, de subsidiodependência e de perceção social. Mas muitos
políticos e organizações sociais (e pelos vistos algumas entidades
internacionais também) preferem assobiar para o lado. Fica o aviso:
o problema não se resolve por si próprio nem por magia! Vou
continuar a trazer o assunto das minorias para o espaço
público.
Ainda recentemente elogiou Jair Bolsonaro pela «frescura
de pensamento», acrescentando que «os liberais ocidentais podiam
aprender com ele». Como reage quando o acusam de ser
populista?
Hoje em dia parece que só se pode elogiar o Presidente da Venezuela
ou de Cuba, que estão a lançar os seus povos para a miséria mais
abjeta. Não me condicionam o pensamento nem me limitam a
intervenção política. O que disse é que, apesar de muita coisa
abjeta e incompreensível que Bolsonaro defende (por exemplo, em
relação às mulheres ou sobre ter um filho homossexual), há aspetos
de frescura ideológica que estão a atrair a classe média
brasileira, como a política de desburocratização (no Brasil, abrir
uma empresa, por exemplo, é um inferno burocrático) e de justiça
penal, que muitos brasileiros vêm como mole ou ineficaz para o grau
de violência que existe no país. Isso é ser populista?
Poupem-me!
O atual líder do PSD, Rui Rio, recusou recebê-lo, após
ter iniciado um processo de recolha de assinaturas para convocar um
congresso extraordinário. Veria com bons olhos o regresso de Passos
Coelho à liderança dos social-democratas?
Sempre disse que o fundamental não era tanto o nome mas o rumo
fundamental do partido. Não podemos ter uma organização política
que não é carne nem é peixe, dá a mão a todos e tem como grande
mais-valia ser ideologicamente neutral. Um partido não é uma
empresa de contabilidade. São fundamentais valores e um rumo no
qual as portuguesas e os portugueses se revejam. Por isso é que
decidi sair: quero um partido de valores e de causas, mesmo que
fraturantes.
Começa a fazer-se luz sobre o roubo das armas em Tancos.
O cenário que se desenha está ao nível de uma ampla conspiração
institucional. Pode ser o próprio regime democrático que está em
causa?
Evidentemente que pode. Quando um crime dessa gravidade revela
envolvimento e encobrimento institucional, as pessoas perguntam-se
o que mais poderá estar em causa. Fazem-se perguntas: já houve mais
casos destes «encobertos»? Para quem seriam as armas e que
finalidade teriam? Haverá tráfico de armas com cobertura
institucional?
É muito importante, diria fundamental, que estas questões fiquem
esclarecidas, judicial e extra-judicialmente, tão depressa quanto
possível. É o regime democrático que está em causa!
Os mega-processos têm dado visibilidade à Justiça, mas
teimam em prolongar-se no tempo. A «Operação Marquês»,
provavelmente o mais importante processo em 43 anos de democracia,
pode ser mais um de «uma justiça que tarda é justiça que
falha»?
Sem dúvida, e isso melindra a confiança dos cidadãos nas
instituições e no funcionamento da justiça. É um enorme dilema: por
um lado há que cumprir procedimentos e respeitar direitos
fundamentais; por outro há o objetivo constitucional de realização
da justiça de forma célere e atempada. Temos um longo caminho a
percorrer: Espanha conseguiu acusar e julgar os autores dos
atentados de 11 de março em pouco mais de um ano, nós demorámos
vários anos até concluir o processo Casa Pia, por exemplo. Estou em
crer que temos de simplificar procedimentos e limitar alguns
recursos, caso contrário corremos o sério risco de se gerar e
instalar na sociedade uma perceção de impunidade geral. E esse é um
risco social e político muito perigoso…
A sua rubrica semanal no «Correio da Manhã» chama-se «O
povo e a Lei», aludindo ao artigo 3.º da Constituição portuguesa
que diz: «A soberania, una e indivisível, reside no povo.» Com os
partidos políticos a tudo decidirem e os eleitores a não se reverem
nos representantes eleitos, a soberania popular pode estar
ameaçada?
Sem dúvida, é urgente reformar o sistema político e aproximar
eleitos e eleitores. Os círculos uninominais podem ser uma boa
aposta. É fundamental que os eleitores conheçam quem estão a
eleger, mais do que o líder que poderá vir a assumir o lugar de
primeiro-ministro. Hoje temos a soberania ameaçada de várias
formas: na crescente desconfiança dos cidadãos face aos partidos
políticos, na abstenção galopante, na amplificação de notícias
falsas nas redes sociais, na burocratização da justiça e na
especulação económica. Acredite-se nisto: está definido o contexto
para o surgimento de tempos muito, muito sombrios!
CARA DA NOTÍCIA
Comentários de «pé em riste»
André Ventura é licenciado em Direito pela Universidade de
Lisboa e doutorado em Direito Público pela University College Cork,
da Irlanda. Atualmente é professor auxiliar na Universidade
Autónoma de Lisboa e professor convidado na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, onde exerce as funções de subdiretor
do mestrado em Direito e Segurança. É comentador televisivo da CM
TV (comentador residente, afeto ao Benfica, no programa «Pé em
riste», emitido todas as segundas-feiras) e tem uma coluna de
opinião semanal no «Correio da Manhã». Na sua primeira incursão
política foi eleito, pelo PSD/CDS, vereador da Câmara Municipal de
Loures.
Nuno Dias da Silva
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