João Paulo Peixoto já percorreu 193 países
Só sabe quem lá foi
Ao chegar a Israel João Paulo
Peixoto tornou-se o primeiro português a viajar pelos 193 países do
mundo, reconhecidos pela ONU, e a décima pessoa em todo o mundo a
conseguir essa proeza, de acordo com o MostTraveledPeople, o mais
conhecido site de viajantes do planeta. De regresso a Portugal, em
entrevista que responde por email, partilha o que tem sido esta
aventura de viajar pelo globo, que iniciou há duas décadas, e fala
do livro, ainda por editar, Só Sabe quem Lá Vai.
Aos 47 anos
é o primeiro português a viajar pelos 193 países do mundo,
reconhecidos pela ONU, e segundo o site Most Traveled People, a
décima pessoa no mundo a cumprir este objectivo. Quando é que
decidiu que conhecer outros destinos seria o seu destino?
Tratou-se de um processo que foi
crescendo aos poucos nos últimos 20 anos. Mas se tivesse que
escolher um momento que marcasse o início desta odisseia,
escolheria a viagem que fiz à Bielo Rússia, há cerca de dez anos,
com o meu primo Jorge Sequeira e uns amigos de Braga. No avião
entre a Ucrânia e a Bielo Rússia, ele perguntou-me quantos países é
que eu tinha. Nunca me tinha passado pela cabeça contar os países
que visitava. Foi a partir daí que comecei a contá-los.
Israel foi
o país que encerrou este projecto de viagens. Há algum significado
especial em ter escolhido Israel para encerrar este périplo?
Quando há 4 anos percebi que podia
"acabar o mundo", olhei para a lista de países e o que me pareceu
mais emblemático para terminar foi Israel. Não tem outro
significado especial além desse.
Dedicou
este feito ao viajante José Megre, que, quando morreu, deixou por
visitar somente um país, o Iraque. Quem é para si José Megre e
porquê esta homenagem?
José Megre deve ter sido o maior
viajante português de sempre. Apesar de não ter visitado todos os
países da ONU, viajou numa altura diferente da minha (começou
talvez uns 30 anos antes de mim), numa altura onde era muito
difícil e perigoso viajar. Além disso, viajou de forma muito mais
intensa que eu. As viagens que fez e toda a sua carreira serviram
de exemplo para uma série de viajantes (como eu), mostrando que era
possível ir a sítios que à partida pareciam inacessíveis.
O João Paulo Peixoto escreveu: «Ao
observar as famílias a conversarem na Coreia do Norte, no Irão e no
Paquistão, as mães a cuidarem dos filhos na China, em Tongo e na
Guiné Equatorial, os grupos de rapazes divertindo-se a cavalgarem
na Mongólia, a nadarem nas Ilhas Salomão ou a jogarem futebol em
Myanmar, os jogos de sedução nas discotecas de Singapura, nas
esplanadas de Sidney, ou no cais da Cidade do Cabo, conclui que
aquilo que nos une é infinitamente mais importante que aquilo e nos
separa. E a viajar descobrimos isso.». Viaja ao encontro da
humanidade?
É uma boa forma de colocar a questão, embora eu pense que viajo
"com a humanidade". O que mais procuro nas viagens é conhecer as
pessoas e as suas culturas ("o outro") e, por isso, sim, penso que
se pode dizer que "viajo ao encontro da humanidade".
Quais foram
os episódios mais arriscados das suas viagens?
Tive vários. O acidente em Marrocos
deve ter sido o mais perigoso. Numa excursão, estava com o meu
filho num autocarro (autocarro número 1). Como o autocarro ficou
cheio, mudei para o autocarro de trás (autocarro número 2). Passado
meia hora, o autocarro numero 1 teve um acidente á minha frente,
com 35 feridos e 9 mortos.
Outro episódio foi o terramoto nas Ilhas Salomão. Fui também detido
várias vezes. Tive outro acidente de carro na China. E um grande
acidente de comboio no Zimbabwe. E no Malawi tive quase um acidente
de avião (num avião de 3 lugares, apanhado no meio de uma
tempestade medonha)
Só Sabe
Quem Lá Vai é o seu livro de viagens, ainda por editar. Pode
falar-nos um pouco do livro?
Queria que o livro transmitisse
realidades dos países que normalmente não são conhecidas. A maior
parte dos livros de viagens mostra diferentes factos e realidades
mas não mostra a forma de ser das pessoas, as formas de pensar, os
costumes, etc. É essa realidade menos factual mas mais profunda e
importante que queria mostrar. Tudo isso, acompanhado por alguns
pormenores engraçados e diferentes, desconhecidos de quem não
visitou o país (sabia que no Botão, das 9h às 21h, todas as pessoas
com mais de 13 anos têm de andar vestidos com as roupas
tradicionais?).
Queria mostrar situações sobre os países que só quem vai a esses
países é que sabe. Daí o título, "Só sabe quem lá vai".
Nas suas
viagens pelo planeta houve algum acontecimento que o tenha marcado
em especial?
Vários. Talvez o mais marcante tenha
sido o do Paquistão, no ano passado. Por acaso, fui apanhado no
meio das cheias. Convivi com os problemas do país e estive em
vários campos de refugiados. Falei com eles, ouvi as suas histórias
e quis fazer algo para os ajudar. Mandei uma SMS para amigos meus
em Portugal para ver se eles não queriam associar-se a mim para os
ajudar financeiramente. Alguns deles aceitaram o repto e
depositaram dinheiro na minha conta. Depois fui distribuindo o
dinheiro por várias famílias. Nem imagina o que 100 USD podem fazer
numa família de refugiados. E a alegria sincera de quem os recebia.
Aí senti que fiz a diferença.
O que é que faz da Índia o seu
país preferido?
A cultura e forma de ser/estar do
povo indiano. E isso, para mim, é o mais importante num país.
Tem
encontrado muitos portugueses nas suas voltas pelo mundo?
Sim, a vários níveis. Desde logo,
encontrei bastantes viajantes, sobretudo em África. Nós somos um
país de viajantes, e temos uma afinidade muito grande com África.
Para além disso, encontrei muitos emigrantes e descendentes de
portugueses. E encontrei-os por todo o mundo. Em locais mais ou
menos óbvios, como diversos países de África e da América Latina,
mas também em sítios tão afastados como o Hawai, a Indonesia,
Vanuatu, Sri Lanka, China, etc. Nós em Portugal não temos a
consciência da importância que tivemos por esse mundo fora e as
marcas que deixamos ficar. Felizmente que nesses países as pessoas
conhecem a influência que tivemos no seu país e acolhem-nos com
carinho.
A aventura terminou ou vai começar
agora a aventura?
A aventura continua. É claro que é
uma marca importante: acabar os 193 países da ONU e os 205 Países
independentes. Contudo, no fundo, Israel (ultimo país), é apenas
mais um sítio. E há muitos outros sítios que eu gostava de ir e
ainda não fui. Ter visitado os países todos do mundo não significa
ter ido a todos os sítios que gostaria de ir no mundo. Por exemplo,
gostava de visitar o Estado de Sikkim na Índia, e algumas ilhas
perdidas no Pacífico, ….Gostava também de fazer algumas jornadas
míticas (como a Viagem de Marco Polo) e assistir a alguns festiveis
e eventos (como o Natal ortodoxo na Etiópia). Por isso, a aventura
continua.