Entrevista

Paulo Morais, vice-presidente da Associação Cívica – Transparência e Integridade
Corrupção, diz ele!

IMG_2224[1] copy.jpgMatemático de formação, Paulo Morais não se cansa de apontar o dedo às «centrais de negócios» e a outras práticas obscuras que, na sua opinião, estão na raiz da crise que atravessamos. Para os mais céticos, o professor universitário e vice-presidente da Associação Cívica - Transparência e Integridade, exemplifica: «Se tivermos um estranho em casa que nos vai diariamente ao frigorífico roubar um produto, o resultado ao fim de 20 anos é catastrófico».

Devido à sua exposição mediática, já é apontado na rua como o homem que denuncia os casos de corrupção em Portugal?

Sim. Muita gente vem ter comigo na rua. Tanto pessoas de classe média, que têm a sua vida estruturada, mas que se sentem indignadas, e que me vêm felicitar pela coragem,  como ultimamente tenho sido abordado por gente mais humilde, que sente necessidade de falar dos seus dramas pessoais. São pessoas mais idosas, algumas não contêm as lágrimas, que confessam as dificuldades por que passam em casa. Eu concluo que ao salientarem a minha atitude, significa que estão com medo de uma situação social para a qual não estavam preparadas.

O outro lado da medalha é a sua presença assídua em tribunais, como testemunha e quando é visado em processos de difamação, isto para não falar das ameaças veladas e expressas que lhe dirigem. É difícil estar nesta luta?

É fundamentalmente trabalhoso, mas já sabia que o ia ser, assim que iniciei a minha atividade cívica.  Por via da participação pública tenho hoje intervenções em múltiplos processos. Tenho uma média de três dezenas entre mãos, sendo coadjuvado pelos advogados que comigo trabalham. Desde logo como testemunha em processos para o qual sou convidado e considero relevante para que seja feita justiça. Só lamento que o nível de eficiência dos tribunais em Portugal seja muito baixo e se dispense muito tempo à espera com adiamentos, etc. Sabemos que a justiça é lenta e provavelmente em 2020 estaremos a discutir um processo de 2012. Para além disso, também participo em processos internos na Ordem dos Advogados, quando existe litigância, e as partes entendem que eu posso ser uma parte qualificada, para além dos processos em que sou acusado de difamação - cerca de uma dezena. Finalmente, eu próprio sou denunciante de um conjunto de assuntos, nomeadamente de criminalidade urbanística, o que adiciona mais trabalho no sentido de apresentar e preparar processos para o Ministério Público. Estou nesta luta de alma e coração, e quero que saibam que não é pelo cansaço que me vencem.

Contudo, disse numa entrevista recente que «precisava de um sinal para não desistir» da sua luta e que tem um pacto com a sua mulher que se dentro de 3 ou 4 anos não se verificarem avanços no combate à corrupção, abandona a sua causa. Confirma?

É verdade. Se não existirem sinais consistentes de que algo está a mudar terei de sair do país e abandonar esta causa. Sabe, muitas das acusações que me fazem eu entendo-as como condecorações. Agora, eu acho que é preciso que o país se modifique e que deixe de se afundar em cada vez mais pobreza, miséria e desemprego.

No livro que escreveu «Da corrupção à crise - que fazer?» sustenta a tese de que a principal causa da  crise em que Portugal está mergulhado se deve à corrupção. Importa-se de concretizar?

A corrupção está largamente à frente de todas as outras, representando cerca de 80 por cento da causa da crise, logo seguida pelo desperdício. Os restantes factores são manifestamente residuais.

Concorda com o ex-presidente da CIP, Ferraz da Costa, que disse que Portugal «não tem dimensão para se roubar tanto»?

A crise portuguesa pode ser analisada de muitas formas. Há a dívida pública e privada, sendo que a primeira deve-se, na sua esmagadora maioria, a casos de corrupção verificados nas duas ultimas décadas. A dívida pública é, na atualidade, cerca de 130 por cento do PIB, o que é gigantesco face à dimensão do país.

Que casos de corrupção mais contribuíram para a dívida pública?

Assim de repente lembro-me de vários: a Expo 98, o Euro 2004, o BPP, o BPN, as parcerias público-privadas, etc. Só estes casos, representam milhares de milhões de euros. É claro que se de forma reiterada, durante tanto tempo, na administração pública e na política existem pessoas cujo objetivo é canalizar recursos públicos para um conjunto de grupos privados, através de um fenómeno a que se dá o nome de corrupção, o resultado não pode deixar de ser outro.

O «resultado» é o aumento da dívida pública e a escassez de recursos…

Vou dar um exemplo doméstico que todos percebem. Se tivermos um estranho em casa que nos vai diariamente ao frigorífico roubar um produto, o resultado ao fim de 20 anos é catastrófico. Por isso é que a dívida pública se deve essencialmente à corrupção. No que diz respeito à dívida privada, ela não existe porque os portugueses andaram a gastar acima das suas possibilidades. Isso é outra mentira que importa desmistificar. A 1 de janeiro de 2009, no início da crise, 68 por cento da dívida privada era de natureza imobiliária. Alicerçada em compra de casas adquiridas em regime de propriedade horizontal, é verdade, mas fundamentalmente em fenómenos de especulação imobiliária, eles próprios sedimentados em corrupção feita na administração local.

De que  modo é que se processa essa corrupção?

O esquema é sempre o mesmo. Envolve promotores imobiliários ligados aos partidos políticos, que compram terrenos agrícolas ou em reserva agrícola, conseguindo através de uma licença de construção ou alvará de loteamento, transformando uma qualquer parcela de território em parcela urbanizada e assim obtendo mais valias urbanísticas gigantescas. Muitas delas acabam por se destinar ao financiamento partidário ou a outros mecanismos mafiosos.

Resumindo e concluindo, a dívida privada, à semelhança da dívida pública, é resultado da corrupção. A primeira deriva de uma fortíssima, reiterada e continuada corrupção na administração local, enquanto a dívida pública resulta de uma fortíssima corrupção na administração central. Perante isto, a corrupção é a primeira das causas da crise.

A corrupção nas suas mais diversas modalidades é uma das faces do «pântano» em que diz que vivemos?

Absolutamente. Atente que o caso concreto do domínio exercido pelos grandes promotores imobiliários junto das câmaras municipais faz com que o poder local fique refém e depois os próprios agentes das autarquias só têm que ter a preocupação única de arranjar negócios para os promotores imobiliários e, simultaneamente, arranjar empregos para os apaniguados do partido para garantirem a próxima eleição. Como? Com o financiamento que resulta dos negócios com os promotores imobiliários e com os negócios que resultam a nível intra-partidário de estarem a dar emprego a toda a gente que é dos partidos. Neste momento, a estrutura de recursos humanos das câmaras e das empresas municipais é praticamente coincidente com a estrutura dos partidos a nível local. Assim, compram votos dentro dos partidos e compram financiamento através de negócios imobiliários.

Chama a «central de negócios» ao Parlamento, a casa da democracia, que é entendida por outros como o «bloco central dos interesses», pela sucessiva conivência entre PS e PSD, os dois partidos que se vão revezando no poder. O bem comum está a ser ultrapassado pelos interesses particulares?

O Parlamento tornou-se o símbolo máximo desta conivência e promiscuidade entre os negócios e a política. Mas especialmente relevante tornou-se o facto de ser na casa da democracia que vão sendo construídos os mecanismos legislativos e de articulação política que permitem que os grandes negócios se façam com a conivência de PS e PSD.  Veja o que acontece em várias comissões parlamentares em que a promiscuidade atinge o seu cúmulo. As comissões de maior relevância económica são constituídas por deputados afetos aos grandes grupos económicos. Cerca de 60 deputados, ou seja, quase um terço do Parlamento, são ao mesmo tempo deputados e administradores, consultores, diretores ou delegados de grandes empresas ou grupos que mantêm negócios com o Estado.

A situação que aborda configura um conflito de interesses?

DSC_5854 copy.jpgNaturalmente. Eles estão no Parlamento não propriamente para resolver os problemas de quem os elegeu, mas antes para tratar dos negócios das empresas que lhes pagam. As grandes empresas estão representadas em S. Bento com deputados que no fundo, são seus lacaios. Estou-me a lembrar da EDP, a PT, os maiores bancos, etc. Todos têm os seus representantes no hemiciclo. O nível de ligação de certos deputados é mais forte às empresas do PSI-20 do que ao partido ou ao distrito onde foram eleitos.

A exclusividade de funções seria uma condição obrigatória para o exercício de funções parlamentares?

Nesta fase, absolutamente. Chegámos a um tal ponto de pouca vergonha que a única solução seria a exclusividade total dos deputados.

É para perpetuar esta escassa transparência que a luta anticorrupção continua arredada da prioridades dos partidos políticos que passam pelo governo?

Não são apenas os partidos que exercem funções governativas. Os próprios partidos da oposição tradicional têm sido coniventes e não vislumbro uma vontade séria. O PCP e o BE não têm manifestado qualquer vontade genuína de combate à corrupção.

Encontra alguma explicação?

A corrupção não tem partido político. Neste momento é transversal. E tomou conta do regime. A maior parte das medidas que têm sido tomadas pelo Parlamento, para além de escassas, são tíbias. Não adiantam quase nada. Excetuando eventualmente a medida, aprovada na anterior legislatura, que possibilita o acesso às contas bancárias através de uma base de dados do Banco de Portugal.

Num dos seus artigos recentes publicados na imprensa chamou de «bandos» os políticos que transformaram a «política numa porca em que todos querem mamar». Esta visão imortalizada por Bordalo Pinheiro é o estado a que chegámos?

Absolutamente. Neste  momento, a política transformou-se numa grande central de negócios. A política existe e funciona para que uma série dos seus agentes na administração pública transfiram recursos para os grupos económicos a que estão ligados, que por sua vez os recompensam com salários  principescos. Aliás, em Portugal, consagrou-se o princípio de Maquiavel, que dizia, algo semelhante a isto: se tivermos os 200 atores que dominam o sistema político devidamente subornados, então conseguiremos dominar o regime.

Está a dizer que o regime está amarrado de pés e mãos?

Há quatro ou cinco grupos económicos que têm 200 ou 300 lacaios que lhes garantem toda a rentabilidade. No fundo, os grupos económicos mais poderosos têm, por esta via, um acesso ao Orçamento do Estado, do qual devem todos os anos 6 a 7 por cento do seu valor, diretamente.

Não chegam aos dedos de uma mão os presos por corrupção em Portugal. Defende uma criminalização de quem pratica uma gestão danosa no erário público?

Essa prática já se encontra criminalizada, só que o histórico de acusações e condenações não tem uma dimensão relevante. Longe disso. Neste momento encontram-se dois políticos conhecidos em Portugal que estão presos por via da corrupção e que são Duarte Lima e Isaltino Morais.

O que acontece é que em Portugal verificam-se muitos crimes conexos com a corrupção, quer a nível público ou privado, e que estão contemplados no ordenamento jurídico português. Vão desde a corrupção propriamente dita, ao peculato de uso, ao tráfico de influências, à prevaricação, à gestão danosa, etc. A propósito, deixe-me dizer-lhe que eu entendo que o enriquecimento ilícito devia ser criminalizado, até porque daria mais eficácia às intervenções do Ministério Público.

Mas se o problema não é de falta de lei, voltamos mais uma vez ao mesmo. Falta vontade para combater quem prevarica?

Creio que para haver mudanças substanciais no curto prazo será necessário criar tribunais especializados na área da corrupção. Isso obrigava a que esses tribunais fossem obrigados a apresentar num prazo diminuto, trimestral ou semestralmente, resultados concretos, o que neste momento não acontece. Por outro lado, era necessário que houvessem intervenções dos tribunais no sentido da recuperação de ativos que são furtados à sociedade por via da corrupção.

Quer dar exemplos práticos dessas intervenções?

Vou dar-lhe dois exemplos: prédios construídos e que não cumprem normas de planeamento devem ser demolidos ou expropriados por valor zero.  Em situações como o BPN, em que foram roubados a todos os portugueses 6 a 7 mil milhões de euros, devia haver uma tentativa firme de recuperar parte desses ativos junto das fortunas pessoais daqueles que em 2008, à data da nacionalização do banco, eram acionistas e os administradores da Sociedade Lusa de Negócios. Estou em crer que se houvesse uma verdadeira vontade política para combater a corrupção, o Parlamento legislava, em 48 horas, para criar tribunais especializados e recuperar ativos furtados.

Oliveira Salazar dizia que os portugueses tinham uma certa «propensão falcatrueira». Enveredar por caminhos menos claros é algo que nos está na massa do sangue?

Não. Veja que os portugueses não são apenas os 10 milhões que vivem no «retângulo» e nas ilhas. Temos 5 milhões de emigrantes que andam por esse mundo fora e que dão cartas e provas diárias. Bastará lembrar que 25 por cento da população ativa do Luxemburgo, que é o país mais rico da Europa, é constituída por portugueses. Isto é apenas um exemplo, mas é revelador da boa integração dos portugueses e da sua capacidade de trabalho. O que acontece é que os portugueses funcionam bem em bons sistemas e funcionam mal quando o esquema e o regime estão  mal arquitetados.

Qual é a corrupção mais destrutiva: a pequena ou a de grande dimensão?

Normalmente, há uma forte correlação entre ambas. Saber qual é que é a causa e qual é o efeito, é o mesmo que saber a história do ovo e da galinha. Mas na minha opinião, a pequena corrupção resulta do facto de as pessoas testemunharem que existe grande corrupção. Há um provérbio português que exemplifica bem isto: «ou há moralidade, ou comem todos». Quando se entra nesta lógica, assiste-se a uma estruturação deficitária do regime. Estou firmemente convencido que Portugal com um regime sério, com os diversos sistemas de governação, seja ao nível político e da organização geral do país a funcionar decentemente, os portugueses comportar-se-iam melhor do que os suíços ou os finlandeses.

Num país como o nosso, com uma boa posição geográfica, bom clima, bom mar, uma história riquíssima e um espólio cultural fantástico, se o resultado final é tão mau o que está errado é o esquema de organização e a gestão. Perante isto, só se pode concluir que o que está a falhar em Portugal é a política e não os portugueses.

Entrando nas perguntas sobre educação. No artigo a que deu o nome de «desastre educativo», traça as gestões dos sucessivos titulares da pasta da educação. Sintetiza que «à era da despesa sem critério, sucedem-se os cortes sem critério». Tem sido esta a linha de rumo dos gestores da educação?

Tem faltado em Portugal, ao nível da educação, do governo e do Parlamento uma definição estratégica adequada. E o que é triste é que mesmo que pessoas que refletem muito sobre educação, como aconteceu com Guilherme d'Oliveira Martins e o próprio Nuno Crato, quando chegam a lugares com poder para implementar as políticas que andaram a defender parece que se esqueceram do que disseram.

Está a acusar o atual ministro da Educação de falta de coerência?

O professor Nuno Crato devia ler os livros que ele próprio escreveu. Se o atual ministro da Educação ler com atenção aquilo que ele foi escrevendo ao longo da vida tem aí as maiores críticas ao que ele próprio está a fazer. Admito que esta experiência política, pelos motivos que aduzi, esteja a ser particularmente penosa para Nuno Crato.

Crato está a fazer o contrário do que escreveu?

Não digo isso. Acho que não está, como se esperaria que fizesse, a  implementar aquilo que andou a defender toda uma vida. No fundo, vai ao encontro do que tem falhado de essencial no ensino: a falta de uma estratégia. No ensino básico e secundário devia existir uma preocupação de uma formação integrada, que ministrasse uma formação científica aos seus alunos, garantindo a sua formação psico-motora, através de uma atividade física permanente, como aliás acontece na maior parte dos países da Europa. Isto já para não falar na formação psico-afetiva, com a promoção de atividades como a música e o teatro. Isto seria um sistema de ensino completo à disposição dos nossos jovens.

O ensino superior é uma realidade à margem?

O ensino superior tem uma estabilidade e características muito próprias que não se encaixam no que eu referi para o ensino básico e secundário. Nos anos 80, quando a democracia estava consolidada e quando se deu a integração europeia era o timing perfeito para se começar a construir um sistema de ensino completo. Um ensino completo fracassou e os  jovens ressentiram-se de não ter uma mente sã e um corpo são para assimilar a formação científica.

Com a falta de estratégia e planeamento quem paga é o desempenho escolar de alunos e professores?

Sem dúvida. Os professores não têm gabinetes decentes nas escolas para receber os seus alunos. Perante isto, não acho que tenhamos um sistema de ensino, o que temos é um sistema de armazenamento de crianças e jovens em que nalguns intervalos se dá alguma formação científica. O que a mim me impressiona é o dinheiro que foi gasto no sistema educativo e os múltiplos estudos que foram encomendados. No fundo, o que andaram a fazer foi negociar com os sindicatos e, nem tudo é mau, a operar algumas melhorias e remendos no sistema. Mas nunca no sentido de operar uma intervenção de fundo.

Os «remendos» e as «melhorias» são, por exemplo, os computadores Magalhães e a requalificação da Parque Escolar?

Algumas dessas intervenções são boas, outras são disparatadas, mas a maior parte são casuísticas, não resolvendo qualquer problema de fundo.  Melhorar as escolas através da realização de obras públicas é uma ideia positiva, o que acontece é que a maior preocupação não foi tanto de melhorar as escolas, mas de fomentar negócios que poucas mais valias trouxeram ao sistema.

Quer concretizar?

Há heranças catastróficas e danosas por muito tempo em termos orçamentais, não tanto pelas obras, mas pelos custos incomportáveis. Estou-me a lembrar dos candeeiros de autor e de arquitetos famosos na Parque Escolar, que podem revelar um apurado gosto estético, mas que estão distanciados daquilo que se pretende para uma rede escolar. No âmbito da Parque Escolar, temos rendas de parcerias público-privadas caríssimas que vão comprometer os orçamentos da educação nos próximos anos e os custos de funcionamento elevadíssimos, etc.  O essencial, como por exemplo a criação de gabinetes para os professores atenderem os alunos e os encarregados de educação, ficou por fazer. Pior, é hoje em dia, não termos claramente definido qual é a função de um professor. Um docente na Finlândia ou na Suécia tem a sua atividade previamente estruturada, sistematizada e prevista.

É especialmente crítico do relacionamento da tutela com os sindicatos. Os ministros têm sido pouco hábeis no diálogo com as estruturas sindicais?

Eu dou o exemplo da negociação sindical no tempo de Manuela Ferreira Leite e as suas consequências orçamentais danosas. Explico: Chegámos a uma situação em que os docentes no início da carreira ganham muitíssimo pouco, miseravelmente até, e no final das carreiras apanham-se a ganhar ordenados elevadíssimos, isto porque foi uma estratégia do Ministério da Educação de empurrar o problema do pagamento destas pessoas para a Segurança Social, por via das reformas.

As estatísticas mostram que os países com melhores índices educativos sofreram menos recessão. Isto significa que uma educação com pobres resultados é terreno fértil para as crianças de hoje e os adultos do amanhã estarem mais suscetíveis e permeáveis a práticas de corrupção?

O grau de desenvolvimento medido pelos índices das Nações Unidas está fortemente relacionado com a transparência dos países. Ou seja, quanto maior for a transparência dos países, ou menor for a corrupção, se quiser, maior serão os índices de desenvolvimento. É por isso que o combate à corrupção é estruturante e fundamental. O investimento em educação é o mais rentável, só do ponto de vista das finanças públicas, ou seja, numa vertente estritamente contabilística. Quanto mais formação uma pessoa tem, até do ponto de vista económico e de gestão de finanças publicas, irá ter mais habilitações, irá auferir maior salário, irá gastar mais, irá ter mais património e irá pagar mais impostos. Perante estes argumentos, querer poupar em educação é um erro.

Uma pessoa mais preparada e formada é necessariamente mais impositiva e exigente…

Os sistemas em que as pessoas são pouco formadas apenas favorecem os regimes totalitários e que pretendem que as pessoas sejam pouco esclarecidas. Não é por acaso que temos regimes mais corruptos em Angola do que na Dinamarca, basta comparar o grau de formação existente nestes países. Uma das principais razões para a queda do Muro de Berlim e da "cortina de ferro" foi a formação. As ditaduras que ministraram muita formação aos seus povos invariavelmente ao fim de duas gerações acabaram por determinar a queda desses regimes ditatoriais.

Fazendo apelo à sua formação em ciências exatas, gostaria que falasse um pouco sobre o fracasso dos alunos portugueses em Matemática. Como é que se desmistifica esse "papão"?

Dois motivos específicos podem explicar o insucesso: O ensino da Matemática só se obtém pela via da escola. Não se aprende como o Inglês, a História ou a Filosofia. Para além disso, o ensino da Matemática é sequencial, implica um encadeamento lógico e natural de conhecimento, com especial importância para as chamadas bases da disciplina. Se não se perceber as bases, dificilmente se vai entender o que virá a seguir.

Ou seja, o trabalho terá de começar pelos jovens de tenra idade e os resultados não serão rápidos?

As consequências de retardar este esforço serão gravíssimas. Os alunos continuarão a fugir para as áreas das humanidades, não por vocação, mas simplesmente para escapar à Matemática. São recursos humanos necessariamente mais frustrados e menos produtivos. Isto tem efeitos económicos terríveis para a sociedade e para a economia.

O país em termos gerais fica carente em termos de recursos humanos nas áreas das engenharias e da Matemática, com reflexos óbvios em termos da descompensação da estrutura de emprego e de recursos humanos. Estou certo que muitos dos desempregados formados em humanidades, de certo estariam hoje em dia empregados se tivessem ido cumprir a sua vocação no campo das engenharias, Economia ou Matemática.

Que soluções advoga?

O nível de controlo de qualidade teria de ser muito maior na Matemática. Isso pressupunha uma maior formação a começar pelos próprios professores da disciplina. Os sistemas de avaliação têm uma componente muito pequena relativamente à formação científica e pedagógica dos docentes. Chegámos a este contra senso que é o facto de termos muitos professores de Matemática, que sabem pouco de Matemática…

Nuno Dias da Silva
Direitos reservados
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
Unesco.jpg LogoIPCB.png

logo_ipl.jpg

IPG_B.jpg logo_ipportalegre.jpg logo_ubi_vprincipal.jpg evora-final.jpg ipseutubal IPC-PRETO