Cristina Esteves, jornalista da RTP
«Quem tem ética não passa vergonha»
O seu nome e o seu rosto são sinónimos de notícias
nos canais do serviço público de televisão. Cristina Esteves em
discurso direto.
Estudou Direito, mas acabou por abraçar a carreira
jornalística, na RTP, onde entrou por concurso público, em resposta
a um anúncio numa revista. Que memórias guarda de 23 anos no canal
público?
Mais de metade da minha vida
passei-a na RTP, por isso mesmo acabei por crescer nesta empresa,
aprendendo a lidar com a sua diversidade, com a exposição
mediática, para bem e para mal, com a exigência que nos impõem e
nos obrigamos a nós próprios, com a persecução de um serviço
público e ao público relevante.
São 23 anos com muitas e boas
recordações. Outras, menos, nem tanto. É uma experiência de vida em
que todas as estreias de programas são momentos únicos.
Depois de muitos anos como repórter, especialmente na área da
justiça, passou mais recentemente para pivô, cargo com uma
indiscutível maior visibilidade. Sente que o seu mérito foi
reconhecido tardiamente?
A minha primeira experiência
como pivô (após 6 anos na apresentação de recreativos) surgiu na
Expo '98 num programa de informação transmitido em directo para a
RTP Internacional e RTP África.
Em 2003 passei a pivô da
RTPN, agora RTP informação. O Telejornal da RTP1 aconteceu em
2011.
Não sei se fui pivô tarde ou
não, foi uma opção das diferentes direções de informação. O que é
certo é que tantos anos em reportagem (muitas vezes a par de pivô)
deram-me mais experiência, outra visão.
As
audiências são o cutelo que todas as noites pende sobre quem faz
informação? Admite que mesmo no serviço público a tentação para o
sensacionalismo e o apelo à emoção seja indisfarçável?
O serviço público só existe
se tiver expressão, logo audiência, mas não deve ceder ao
facilitismo ou conquistá-la a qualquer preço.
Obviamente que tem de ter uma
grelha que seja sinónimo de diversidade, e complementaridade dos
vários segmentos e nichos com uma programação também inclusiva do
grande público, até como regulador de qualidade no
mercado.
Teresa Guilherme disse um dia, a propósito do "Big Brother",
que «quem tem ética, passa fome». O serviço público deve saber
resistir a isso?
A ética deve estar presente
em tudo. Quem tem ética não passa vergonha.
Portugal tem país com assunto suficiente para preencher três
canais de informação contínua 24 horas por dia, 365 dias por
ano?
São mais de três. Mas se não houver
espaço para todos, o mercado, o público, encarregar-se-á de fazer a
seleção natural. De qualquer forma é preferível pecar por excesso
que por defeito, até porque a qualidade também se promove através
da diversidade e alternativa.
Define a câmara como um «monstro». Como é a adaptação e a
evolução a essa relação e de que forma é que a exposição mediática
condiciona a sua vida pessoal e familiar?
Este é um meio fascinante mas
temos de estar cientes que tudo é efémero e que também devido à
exposição inerente à profissão qualquer lapso pode deixar
sequelas.
A exposição mediática não
condiciona a minha vida pessoal e familiar. Continuamos a fazer o
que sempre fizemos, optamos pela auto-regulação.
Eugenio Scalfari, fundador do jornal italiano «La Republica»,
disse perante uma plateia de estudantes que «jornalismo é a pessoa
que diz às pessoas o que se passa com as pessoas». Revê-se? Qual é
a sua definição?
O jornalista é o veículo de
determinada mensagem. É realmente a pessoa que diz às outras com a
maior imparcialidade e objetividade o que se passa.
O jornalismo deve ser o
transmissor dos cinco sentidos do mundo que o rodeia, quando não
mesmo o sexto sentido.
O
jornalismo é cada vez mais uma profissão com um forte pendor
feminino. Encontra explicação para esta tendência?
Não, apenas há no jornalismo
à semelhança de todas as profissões maior igualdade de género, no
entanto, ainda não se repercute ao nível das posições de chefia e
liderança. É uma contradição no tempo que o mesmo terá de
corrigir.
A
integração em grupos económicos mudou muito a face dos jornais, em
particular, e dos órgãos de comunicação social, em geral. Muitos
projetos encerraram, o desemprego atinge centenas de profissionais
e a maior dependência da publicidade é uma realidade. Sente que a
comunicação social é hoje menos independente do que era há meia
dúzia de anos?
Isso é um eufemismo que se
renova e propaga de geração em geração. Há projetos que findam e
outros que nascem ou se reestruturam face às novas realidades
sociais, políticas, económicas e tecnológicas. Assim como os
poderes societários também se regeneram.
Apenas os princípios pelos
quais a comunicação social deve pautar-se devem e têm de permanecer
imutáveis: a independência, isenção, imparcialidade , objetividade
e ética.
Em
que medida é que esta fragilidade do jornalismo, por natureza
rigoroso, fiável e necessariamente independente, pode fazê-lo
perder terreno para as notícias veiculadas pelas redes sociais,
muitas delas anónimas e difundidas por partes
interessadas?
Na essência nada mudou, nada
muda, apenas o modus operandi. Sempre houve e continuará a haver
contra-informação e desinformação, legitima ou não, e a
democratização no acesso exponencia, mas também expõe,
desmascara.
O que
está em crise é o jornalismo ou a indústria
jornalística?
É a sociedade per si. É um
facto que há uma crise que afeta todas as áreas e a comunicação
social no sentido lato sensu não é exceção.
As
saídas profissionais para o exercício do jornalismo são cada vez
mais estreitas. Que conselho daria a um estudante que acalenta o
sonho de ser jornalista?
Não desistir do sonho se o
mesmo for realista e não uma ilusão ou amalgama de perceções e
ambições infundadas, mas não esquecendo que quanto mais formação se
tiver maiores possibilidades terá. Esta é uma profissão cativante
mas simultaneamente exigente. Raramente há horários certos e
verdadeiras folgas ou férias. É difícil afastarmo-nos das
notícias.
Tem
três filhos. Vislumbra que algum lhe siga as pisadas? Se os puder
aconselhar no seu rumo de vida profissional dará preferência, em
primeiro lugar, à sua vocação ou aos níveis de empregabilidade do
curso?
Não sei se algum dos meus
filhos quererá ser jornalista embora sejam muito atentos às
notícias. Ainda é cedo para aferir qualquer vocação específica, mas
devem fazer aquilo que gostam e lutar realisticamente por
isso.
Ao
nível da educação, quer partilhar com os nossos leitores a receita
que segue para educar os seus filhos da melhor maneira possível e
prepará-los para uma vida em sociedade cada vez mais competitiva e
desafiante?
Não há uma receita
pré-cozinhada. Um discurso díspar da realidade do meio é
infrutífero. O exemplo vem de cima - dos pais, dos avós, da escola
que escolhemos - no dia a dia e em todos os momentos.
A nossa forma de ser e de
estar é o melhor ou pior exemplo, as crianças aprendem e
compreendem facilmente e nem nos apercebemos quanto e quando, o
resto vem por acrescento.
Nuno Dias da Silva
Carlos Ramos e Direitos Reservados