O penoso regresso de Ben-Hur
O grande flop deste Verão,
é garantidamente a nova versão de Ben-Hur, uma adaptação moderna da
obra de Lewis Wallace, um general sulista que depois da Guerra da
Secessão decidiu escrever esta história situada na época em que
Jesus andava pela Terra, pela mão do realizador cazaque Timur
Bekmambetov, radicado nos Estados Unidos. Uma história sobre Judah
Ben-Hur e Messala Severus, agora irmãos adoptivos, e o acabar de
uma amizade que vai empurrar o primeiro para as galeras, como
escravo, e o regresso para a vingança, consumada na já célebre
corrida de quadrigas. Para além do parentesco que une os dois
protagonistas e o destaque dado à figura de Jesus, o que não
acontecia nas adaptações anteriores, a corrida no circo romano,
igualmente filmada na Cinecittá, e a batalha naval, serão os
momentos comuns às anteriores versões, principalmente a de William
Wyler, de 1959, a que conheço, porque a anterior, de Fred Niblo
(1925), ainda no tempo do cinema mudo, nunca tive oportunidade de
ver.
Vencedor do 11 Oscares da Academia,
o remake de Wyler, foi um marco na época em que os grandes estúdios
apostavam em obras monumentais, aproveitando o cinemascope, muitas
delas sobre temática histórico-religiosa e com cenas inolvidáveis,
como a da corrida de quadrigas, com três meses de rodagem, milhares
de figurantes, tudo na Cinecittá em Roma, curiosamente com a
participação de Sergio Leone em algumas cenas, filmadas pelas
segundas unidades.
Nascido em Mulhouse, agora França,
em 1902, educado em Lausanne, William Wyler foi para a América em
1922 a convite de Carl Laemmle, seu parente, fundador e um dos
patrões da Universal, major onde o jovem Wyler se inicia no cinema.
Primeiro como assistente de produção na versão de "Ben-Hur", de
1925. Depois, a partir de 1926, na realização de várias
curtas-metragens, a que se seguem vários westerns e outros filmes
sem grande história, até que tem dois encontros que se revelariam
fundamentais na sua carreira: Bette Davis e Gregg Toland. Com a
primeira, faz alguns dos seus melhores filmes. Com o operador de
câmara, entre 1936 e 1946, compõe o seu melhor período, com dois
dos seus três Oscar para o melhor filme, "Mr. Miniver" e "The Best
Years of Our Lives". Depois da prematura morte de Toland, em 1948,
com apenas 44 anos, foi um Wyler mais "soft" que conhecemos, apesar
de ainda nos ter dado alguns bons filmes, que culminaram nesta
super oscarizada versão de "Ben-Hur" de 1959, altura em que a sua
carreira começa a decair, tendo terminado a sua actividade em 69
com "The Liberation of L. B. Jones", um ano depois de "Funny Girl",
o seu último grande êxito.
Porém, um dos esquecidos, e talvez
dos melhores filmes de William Wyler, é sem dúvida "Wuthering
Heights" (O Monte dos Vendavais, 1939), adaptação do romance de
Emily Broontë, onde sobressai desde logo a atmosfera vitoriana, de
extrema rigidez e rigor, que a fotografia a preto e branco de
Toland, a par das interpretações de Merle Oberon, a australiana tem
aqui o seu primeiro grande papel, e do irrepreensível Lawrence
Olivier. Dois grandes actores, mas também um grande director de
actores. Wyler sempre soube pôr os seus actores a viverem as suas
histórias, levando-os à transfiguração.
Outra das áreas por onde Wyler se
aventurou foi a do filme negro. E, neste campo três filmes se
destacam: "Dead End" (Ruas de Nova Iorque,1937), "Detective Story"
(História de Um Detective, 1951) e "Desperate Hours" (Horas de
Desespero, 1955), curiosamente todos baseados em obras teatrais, o
que de certa forma se reflecte nos cenários, de uma economia
espacial extrema, mas que ajudam a criar um ambiente
claustrofóbico, muito comum neste cinema, a que Wyler, mestre do
melodrama, associa um discurso social. Na "História de Um
Detective" destaque para a interpretação de Kirk Douglas no papel
do "violento" detective James McLeod, enquanto nos outros dois o
gangster de serviço é Humphrey Bogart, com vinte anos de distância.
Aliás "Horas de Desespero" seria a penúltima interpretação do actor
antes de morrer.
No melodrama teremos que destacar o
incontornável 'The Best Years of Our Lives' (Os Melhores Anos da
Nossa Vida, 1946), produto da associação de Wyler com Samuel
Goldwyn, talvez o melhor das suas carreiras. Galardoado com o Oscar
para o melhor filme e para o melhor realizador, entre os oito que
conquistou, é baseado na novela "Glory For Me", de Mackinlay
Kantor, sobre a problemática da readaptação dos ex-combatentes à
vida civil, escrito para o cinema por Robert E. Sherwood, outro dos
Oscar, que constrói com mestria o regresso de três desmobilizados.
Uma inteligente incursão na vida da América do pós-guerra. Numa
cuidada realização, mais uma vez com a fotografia de Gregg Toland,
Wyler tem aqui o seu melhor filme, ao qual emprestou grande emoção
e humanidade, que fazem dele uma obra de referência, mais uma, na
história do cinema.
Não sendo uma estrela de primeira
grandeza, William Wyler assinou notáveis filmes nos vários géneros
que abordou. Podíamos ainda falar de "Jezebel" (1938), de "The
Letter" (1940), de "Little Foxes" (1941) ou de "The Heiress"
(1949), todos com Bette Davis, para a justeza de lembrar um dos
(muitos) realizadores injustamente esquecidos. Mas para a
posteridade ficará esse "Ben-Hur", durante anos o recordista do
estatuetas douradas arrecadadas, igualado por "Titanic" e "O Senhor
dos Anéis". Sintomático!
Até à próxima e bons filmes!