Entrevista

454090.jpgDeixou as redações e os ecrãs de televisão para abraçar a escrita e a consultoria de pessoas. O multifacetado Luís Osório em conversa sobre o nosso tempo.

Após uma longa carreira nos jornais, define-se agora como um «consultor de pessoas». Trocado por miúdos, o que é isto?
Uma parte do meu trabalho após ter saído do jornalismo foi fazer consultoria de empresas. E senti sempre, ao longo de 25 anos a dirigir projetos e a perceber os desejos e as ansiedades das pessoas, que faltam respostas e não estou a falar das receitas de novas abordagens como o «coach». Não acredito muito nisso. Eu acredito que cada pessoa é um caso singular e tem um mundo dentro de si. E com essa pessoa proponho-me encontrar caminhos, fazer uma viagem de auto-conhecimento, com vista a cumprir e a alcançar objetivos. Ao contrário do consultor de empresas não há propriamente um plano de negócios em cima da mesa, há sim um plano de vida. E isto é, basicamente, novo.

Esta sala onde estamos tem muitas semelhanças com um gabinete onde o psicólogo e o seu paciente se encontram…
O trabalho que faço não é terapêutico e não sou um psicólogo. O meu trabalho é muito objetivo. Existe uma fase de conhecimento prévio e de adquirir confiança com a pessoa, que é a dimensão de escutar, que pode ter alguma semelhança com a psicologia, mas o resto do processo é distinto, vai ao encontro da pessoa e ajuda-a a pensar para fora de si próprio.

Quem são as pessoas que o procuram e o que procuram?
As dimensões das solicitações são diversas, desde consultoria em projetos culturais, financiamento, parcerias, passando por questões de liderança, gestores, administradores de empresas que têm de fazer face a uma pressão de resultados, até jovens que têm dificuldades que nunca foram tão complicadas, desde a falta de perspetivas no mercado de emprego até a algo aparentemente tão simples como perceber quem são e para onde vão. E também há pessoas com problemas mais profundos, sem rumo e à deriva, em busca de encontrar a bissectriz da sua vida. Uma vez em conversa com a Pina Bausch perguntei-lhe como é que ela definia a dança ao que ela respondeu que «a dança não é mais do que um desequilíbrio». No momento em que nos desequilibramos é que a dança começa. E a vida é um pouco isso. E um percalço, seja na vida profissional ou afetiva, pode ser o início de um novo começo. O que me tenho apercebido é que as pessoas deviam ser atores principais nas suas peças, mas muitas delas não passam de atores secundários ou figurantes no seu próprio palco.

Falou há pouco na falta de perspetiva dos jovens e passo já para a questão educativa. O sistema de ensino precisa de operações de cosmética ou de reformas profundas?
A volatilidade é imensa e é muito difícil acompanhar as mudanças no sistema educativo em Portugal. Cada vez que muda um ministro, muda a política. Isso é terrível para a estabilidade. E os próprios atores do sistema sofrem com isto, com a sua vida a ficar igualmente imprevisível. Os sistemas educativos com melhores resultados no mundo sofreram profundas revoluções, mas depois mantiveram-se estáveis, com pequenas nuances. Nomeadamente os finlandeses, os coreanos, etc. É verdade que nas últimas décadas Portugal evoluiu muitíssimo em termos educativos, apesar das políticas, mas podíamos estar muito mais avançados se houvesse estabilidade.

Protagonizou trabalhos de grande fôlego e profundidade. Em 1999, editou o livro «25 portugueses», a propósito dos 25 anos da III Republica em que falou com 25 «nomes incontornáveis da história moderna do país». Recuperei o livro do meu baú e pareceu-me que faltam ali duas personalidades: Cavaco Silva e Eusébio. Recusaram ambos o seu convite?
Cavaco Silva, que era primeiro-ministro na altura, foi convidado e recusou. Não convidei Eusébio porque não preenchia o critério simples que elegi, que era ter sido incontornável nos 25 anos após o 25 de abril e o jogador do Benfica e da selecção teve o seu momento áureo antes desse período. A outra pessoa que declinou foi a pianista Maria João Pires que devia e merecia estar no livro. Depois ainda houve uma situação com Paula Rego, com a qual a entrevista estava marcada para acontecer, em Madrid, mas uma indisposição da pintora acabou por cancelar o encontro.

Destes 25 qual é o seu português de eleição?
Mário Soares e Álvaro Cunhal são duas figuras muito marcantes. O primeiro foi decisivo na transição para a democracia, na fundação do PS e na adesão à União Europeia, não esquecendo que inaugurou, na década de 80, um novo estilo de presidencialismo em Belém, que hoje Marcelo Rebelo de Sousa está a desenvolver à sua maneira, com base na proximidade e no afeto. Álvaro Cunhal corporiza uma ideia de resistência ao Estado Novo e é alguém que transforma o PCP num partido temível que resistiu a todos os impactos e que depois do 25 de novembro converte o partido comunista no único verdadeiramente marxista-leninista na Europa. Mas também gosto muito da personalidade do General Ramalho Eanes, que considero a grande referência moral do regime e que é visto como um homem sem telhados de vidro, o que na política é um fenómeno raro. Foi a sua coragem física e capacidade de aguentar a pressão que nos salvou de uma guerra civil.
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A atual solução de governo foi um desejo muito antigo de Soares nos seus últimos anos de vida…
Mário Soares é o precursor da «geringonça». Ele promoveu vários encontros com pessoas muito de esquerda, para afastar Seguro da liderança do PS o que forjou o caminho para a criação da «geringonça». Apesar da errância que foram os seus últimos anos na vida política, ele foi sempre fiel à máxima, «só sai derrotado, quem desiste de lutar»…

Por falar em «geringonça», pensa que está para durar?
Até ao final da legislatura, sim. Mas há dois anos este cenário era impensável e quase todos apostavam que esta solução cairia à primeira revoada de vento. Para mim a grande surpresa é a fiabilidade do Bloco de Esquerda, pela juventude dos seus elementos e alguma ansiedade de protagonismo. O PCP sempre achei que ia até ao fim, até porque é preciso dizer que eles são o partido mais conservador que existe em Portugal, tanto ideologicamente como nos costumes.

A apregoada habilidade política do Primeiro-Ministro tem apaziguado a rivalidade entre BE e PCP?
António Costa é um Maquiavel, no sentido florentino e não maquiavélico do termo, que prima pela grande habilidade e experiência política, que depois de ter estado na «Quadratura do Círculo» conseguiu a quadratura do círculo na sua vida política.

Coordenou a campanha eleitoral de Fernando Nobre para a Presidência da República. Mais tarde fracassou a eleição para presidente da Assembleia da República. O que correu mal?
Nobre cometeu um erro de avaliação e inadvertidamente desbaratou o capital político que tinha conseguido nas eleições. O país premiou alguém que não tinha qualquer enquadramento e apoio político e partidário, dando-lhe 16 por cento de votos, ou seja, mais de meio milhão de votos. Ele era mesmo um candidato independente e obteve um grande resultado que sempre achei seria um contributo para fortalecer a sociedade civil, contrabalançando o exclusivo dos partidos na participação política. O que acontece depois na eleição para o Parlamento é que acaba por aceitar um convite de Passos Coelho para liderar a lista do PSD nas legislativas para Lisboa, com o pressuposto que seria o nome proposto para liderar o Parlamento, caso os sociais-democratas vencessem as eleições. Não estive nesse processo, mas entendo que pouco tempo depois de ter atingido um resultado histórico para a cidadania portuguesa, foi incompreensível ter feito exatamente o contrário daquilo que tinha dito. Critico-o por não ter sabido esperar pela sua oportunidade. Foi apressado.

Posteriormente, Nobre foi alvo de uma espécie de linchamento político e evaporou-se da vida pública…
Sou o primeiro a criticá-lo, mas ao mesmo tempo defendo-o porque foi vítima de uma tendência que se acentua de apedrejamento na via pública de quem comete erros, que são de natureza política, mas não tão graves quanto isso. É assim que se trata uma pessoa que fundou a AMI, dedicou uma causa aos outros, colocando a sua vida em risco em cenários de guerra e em campos de refugiados? Infelizmente, o cheiro a sangue e o negativismo mobilizam mais do que tudo o resto.

Falando agora da televisão, protagonizou diversos programas juvenis como o «Portugalmente», o «Zapping» e o «Lentes de Contacto», criações que o tornaram um dos jornalistas mais premiados da sua geração. Hoje em dia faltam soluções e programas inovadores como estes?
No canal público e noutros falta risco na forma como se programa, mas também é verdade que há cada vez menos dinheiro. Há 20 anos existia, paradoxalmente, mais oportunidade para pessoas que tentavam procurar novas linguagens televisivas, pudessem fazê-lo. Um canal de serviço público como a RTP deve criar condições para ter momentos de vanguarda, porque caso contrário é apenas um instrumento do presente e de conquista de audiência rápida. O «Portugalmente» e o «Zapping» foram programas muito novos, este último creio que avançado em relação ao tempo, com um certo lado megalómano, em que se procurava concentrar todos os programas de televisão num único, rompendo com a linguagem televisiva.

Em 1998, no «Portugalmente», entrevistou o seu pai, José Manuel Osório, sobre a sua experiência como doente com Sida. Foi o trabalho mais delicado e desafiante pessoal e profissionalmente da sua carreira?
É um momento marcante. Não era nada linear. Não existiam exemplos passados que eu pudesse comparar, com este risco de exposição e intimidade. Na altura, a Sida era diabolizada e numa altura em que eu estava em ascensão profissional, tinha acabado de ganhar o Prémio Gazeta Revelação, quis dar esse testemunho de que aquela pessoa diante de mim era meu pai, era homossexual e seropositivo. E a esta distância acho que ele foi  um importante farol para outros doentes em condição semelhante. O facto de eu não ter uma relação de intimidade com ele teve a força e o impacto da surpresa. Grande parte da nossa vida profissional é feita não em função do que nós queremos fazer, mas sim do que os outros possam pensar. Eu sempre procurei fazer aquilo que achava que era certo em determinado momento. Ser o mais incatalogável possível sempre foi algo que me atraiu.

Foi diretor de vários títulos da imprensa portuguesa, «A Capital», o «Sol», o «i», e o Rádio Clube Português. A crise da comunicação social deve-se à conjuntura em que a internet tudo domina ou a erros de estratégia e de modelo de negócio?
É um misto de problemas. O jornalismo hoje não tem nada a ver com o jornalismo que me fez entrar na profissão. Não é um juízo de valor, é uma constatação de facto. A utopia, a paixão e o romantismo, valores associados ao longo dos anos ao jornalismo, foram perdidos. Hoje não há projetos interessantes em Portugal. Os jornais são iguais uns aos outros. O «Correio da Manhã» é diferente de todos os outros e cumpre aquilo que são os seus objetivos e replica a fórmula do jornal na televisão, igualmente com sucesso. Quanto aos jornais de referência, de periodicidade diária, perderam rasgo e a capacidade de nos surpreender. Se virmos o telejornal do dia anterior, os jornais da manhã do dia seguinte pouco ou nada acrescentam de novidade ou de novos ângulos.

O online está a matar lentamente o papel?
É algo esquizofrénico essa ânsia de dar a notícia mais rápido que os concorrentes no online, mas os tempos assim o impõem. Para o papel poder sobreviver, terá que se reinventar e ser decididamente outra coisa e ter uma outra visão da realidade, que complemente aquilo que as pessoas já sabem e conhecem.

O cemitério de títulos da imprensa está a aumentar. Arriscamo-nos a ter, dentro de alguns anos, o «Correio da Manhã» e o «Expresso», como as únicas edições em papel?
Dentro de dois ou três anos esse cenário pode acontecer. Se não houver um esforço de arriscar e de imaginar o que ainda não existe, os outros títulos vão morrer. E depois há outra questão que considero importante: bem sei que me apontavam o dedo por ter chegado a diretor de «A Capital» com trinta e poucos anos, mas hoje em dia há muitos responsáveis máximos de vários títulos com responsabilidade e história a quem lhes falta solidez. Num jornal de referência os diretores devem corporizar uma ideia de influência e de respeito.

Estou a lembrar-me de dois antigos diretores, já falecidos, Cáceres Monteiro e Bettencourt Resendes, personalidades altamente respeitadas…
Os exemplos que dá são felizes e lembramos ambos com saudade. É nós estarmos na mesa com o Primeiro-Ministro e não existirem dúvidas que estamos ao mesmo nível dele, mas em posições e responsabilidades diferentes, necessariamente. Um diretor, que é jornalista de um título de referência, tem de ter a noção do lugar que ocupa. Caso contrário, os leitores de referência não acreditam e vão procurar outras fontes. Um diretor de um jornal tem de ser um referencial de credibilidade e confiança e, em vários casos, não é isso que vejo.

Defende menos exposição para esses jornalistas?
Há uma ilusão que as vendas dos jornais estão relacionadas com a sua aparição nas televisões. É exatamente o contrário. Devido ao número de vezes que são instados a comentar temas da atualidade, ficamos confundidos sobre o que é que os diretores do «DN» e do «Público», por exemplo, têm a dizer sobre tudo ou sobre nada, desde o SIRESP, os atentados terroristas ou o FC Porto. Há um recato que os diretores de jornais de referência devem ter.

No final de setembro vai editar o seu primeiro romance que se chamará «A queda de um homem». O que é que o inspira para escrever?
A escrita é muito estruturante em mim e no meu percurso. Desde sempre o que quis fazer foi ser escritor. O momento da rutura com o jornalismo foi a oportunidade para eu me tentar cumprir com uma incursão na escrita, procurando encontrar várias plataformas que me consigam garantir uma ideia de liberdade, que não me faça depender de ninguém. O caminho para a ficção é difícil, porque existem muitas dúvidas e muitos medos. Até porque temos um meio literário cheio de jornalistas sem talento que tentam escrever  ficção. Este é um jogo novo, porque não é um livro de pensamentos, não é um livro de entrevistas, não é uma biografia, mas eu estou disposto a jogá-lo, num mundo rodeado de obstáculos que eu não conheço. Após um processo de maturação, decidi correr esse risco. Espero que seja o primeiro de vários romances.
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Cara da notícia
Luís Osório nasceu a 15 de setembro de 1971. No jornalismo dirigiu «A Capital» - o que o tornou o mais jovem diretor de sempre de um órgão de comunicação social em Portugal -, o «i» e o «Sol», para além de ter sido o diretor de informação das rádios do Grupo Media Capital, entre as quais o renovado Rádio Clube Português. Passou ainda por «O Jornal», «Visão», «Diário de Notícias», «DNA». Foi um dos jornalistas mais premiados da sua geração, tendo ganho o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas, um Sete de Ouro, o Prémio da Casa da Imprensa, o Prémio de Inovação Manuel Pinto de Azevedo Júnior, tendo sido nomeado quatro vezes para os Globos de Ouro. À margem do jornalismo, tem cinco livros editados, entre os quais, «Amor», «Só entre nós» e «Quanto tempo, uma criança no olhar», o resultado de uma conversa com o seu pai, José Manuel Osório. Escreveu a biografia autorizada do banqueiro Jorge Jardim Gonçalves, «O poder do silêncio». Para além da escrita, atualmente desenvolve trabalho como «consultor de pessoas», como se auto-define.
 
 
 
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