Deixou as redações e os ecrãs de televisão para
abraçar a escrita e a consultoria de pessoas. O multifacetado Luís
Osório em conversa sobre o nosso tempo.
Após uma longa carreira nos jornais, define-se agora como um
«consultor de pessoas». Trocado por miúdos, o que é
isto?
Uma parte do meu trabalho após
ter saído do jornalismo foi fazer consultoria de empresas. E senti
sempre, ao longo de 25 anos a dirigir projetos e a perceber os
desejos e as ansiedades das pessoas, que faltam respostas e não
estou a falar das receitas de novas abordagens como o «coach». Não
acredito muito nisso. Eu acredito que cada pessoa é um caso
singular e tem um mundo dentro de si. E com essa pessoa proponho-me
encontrar caminhos, fazer uma viagem de auto-conhecimento, com
vista a cumprir e a alcançar objetivos. Ao contrário do consultor
de empresas não há propriamente um plano de negócios em cima da
mesa, há sim um plano de vida. E isto é, basicamente, novo.
Esta sala onde estamos tem muitas semelhanças com um gabinete onde
o psicólogo e o seu paciente se encontram…
O trabalho que faço não é
terapêutico e não sou um psicólogo. O meu trabalho é muito
objetivo. Existe uma fase de conhecimento prévio e de adquirir
confiança com a pessoa, que é a dimensão de escutar, que pode ter
alguma semelhança com a psicologia, mas o resto do processo é
distinto, vai ao encontro da pessoa e ajuda-a a pensar para fora de
si próprio.
Quem são as pessoas que o procuram e o que
procuram?
As dimensões das solicitações são
diversas, desde consultoria em projetos culturais, financiamento,
parcerias, passando por questões de liderança, gestores,
administradores de empresas que têm de fazer face a uma pressão de
resultados, até jovens que têm dificuldades que nunca foram tão
complicadas, desde a falta de perspetivas no mercado de emprego até
a algo aparentemente tão simples como perceber quem são e para onde
vão. E também há pessoas com problemas mais profundos, sem rumo e à
deriva, em busca de encontrar a bissectriz da sua vida. Uma vez em
conversa com a Pina Bausch perguntei-lhe como é que ela definia a
dança ao que ela respondeu que «a dança não é mais do que um
desequilíbrio». No momento em que nos desequilibramos é que a dança
começa. E a vida é um pouco isso. E um percalço, seja na vida
profissional ou afetiva, pode ser o início de um novo começo. O que
me tenho apercebido é que as pessoas deviam ser atores principais
nas suas peças, mas muitas delas não passam de atores secundários
ou figurantes no seu próprio palco.
Falou há pouco na falta de perspetiva dos jovens e passo já para a
questão educativa. O sistema de ensino precisa de operações de
cosmética ou de reformas profundas?
A volatilidade é imensa e é muito
difícil acompanhar as mudanças no sistema educativo em Portugal.
Cada vez que muda um ministro, muda a política. Isso é terrível
para a estabilidade. E os próprios atores do sistema sofrem com
isto, com a sua vida a ficar igualmente imprevisível. Os sistemas
educativos com melhores resultados no mundo sofreram profundas
revoluções, mas depois mantiveram-se estáveis, com pequenas
nuances. Nomeadamente os finlandeses, os coreanos, etc. É verdade
que nas últimas décadas Portugal evoluiu muitíssimo em termos
educativos, apesar das políticas, mas podíamos estar muito mais
avançados se houvesse estabilidade.
Protagonizou trabalhos de grande fôlego e profundidade. Em 1999,
editou o livro «25 portugueses», a propósito dos 25 anos da III
Republica em que falou com 25 «nomes incontornáveis da história
moderna do país». Recuperei o livro do meu baú e pareceu-me que
faltam ali duas personalidades: Cavaco Silva e Eusébio. Recusaram
ambos o seu convite?
Cavaco Silva, que era
primeiro-ministro na altura, foi convidado e recusou. Não convidei
Eusébio porque não preenchia o critério simples que elegi, que era
ter sido incontornável nos 25 anos após o 25 de abril e o jogador
do Benfica e da selecção teve o seu momento áureo antes desse
período. A outra pessoa que declinou foi a pianista Maria João
Pires que devia e merecia estar no livro. Depois ainda houve uma
situação com Paula Rego, com a qual a entrevista estava marcada
para acontecer, em Madrid, mas uma indisposição da pintora acabou
por cancelar o encontro.
Destes 25 qual é o seu português de eleição?
Mário Soares e Álvaro Cunhal são
duas figuras muito marcantes. O primeiro foi decisivo na transição
para a democracia, na fundação do PS e na adesão à União Europeia,
não esquecendo que inaugurou, na década de 80, um novo estilo de
presidencialismo em Belém, que hoje Marcelo Rebelo de Sousa está a
desenvolver à sua maneira, com base na proximidade e no afeto.
Álvaro Cunhal corporiza uma ideia de resistência ao Estado Novo e é
alguém que transforma o PCP num partido temível que resistiu a
todos os impactos e que depois do 25 de novembro converte o partido
comunista no único verdadeiramente marxista-leninista na Europa.
Mas também gosto muito da personalidade do General Ramalho Eanes,
que considero a grande referência moral do regime e que é visto
como um homem sem telhados de vidro, o que na política é um
fenómeno raro. Foi a sua coragem física e capacidade de aguentar a
pressão que nos salvou de uma guerra civil.
A atual solução de governo foi um desejo muito antigo de Soares
nos seus últimos anos de vida…
Mário Soares é o precursor da
«geringonça». Ele promoveu vários encontros com pessoas muito de
esquerda, para afastar Seguro da liderança do PS o que forjou o
caminho para a criação da «geringonça». Apesar da errância que
foram os seus últimos anos na vida política, ele foi sempre fiel à
máxima, «só sai derrotado, quem desiste de lutar»…
Por falar em «geringonça», pensa que está para
durar?
Até ao final da legislatura, sim.
Mas há dois anos este cenário era impensável e quase todos
apostavam que esta solução cairia à primeira revoada de vento. Para
mim a grande surpresa é a fiabilidade do Bloco de Esquerda, pela
juventude dos seus elementos e alguma ansiedade de protagonismo. O
PCP sempre achei que ia até ao fim, até porque é preciso dizer que
eles são o partido mais conservador que existe em Portugal, tanto
ideologicamente como nos costumes.
A apregoada habilidade política do Primeiro-Ministro tem
apaziguado a rivalidade entre BE e PCP?
António Costa é um Maquiavel, no
sentido florentino e não maquiavélico do termo, que prima pela
grande habilidade e experiência política, que depois de ter estado
na «Quadratura do Círculo» conseguiu a quadratura do círculo na sua
vida política.
Coordenou a campanha eleitoral de Fernando Nobre para a
Presidência da República. Mais tarde fracassou a eleição para
presidente da Assembleia da República. O que correu
mal?
Nobre cometeu um erro de
avaliação e inadvertidamente desbaratou o capital político que
tinha conseguido nas eleições. O país premiou alguém que não tinha
qualquer enquadramento e apoio político e partidário, dando-lhe 16
por cento de votos, ou seja, mais de meio milhão de votos. Ele era
mesmo um candidato independente e obteve um grande resultado que
sempre achei seria um contributo para fortalecer a sociedade civil,
contrabalançando o exclusivo dos partidos na participação política.
O que acontece depois na eleição para o Parlamento é que acaba por
aceitar um convite de Passos Coelho para liderar a lista do PSD nas
legislativas para Lisboa, com o pressuposto que seria o nome
proposto para liderar o Parlamento, caso os sociais-democratas
vencessem as eleições. Não estive nesse processo, mas entendo que
pouco tempo depois de ter atingido um resultado histórico para a
cidadania portuguesa, foi incompreensível ter feito exatamente o
contrário daquilo que tinha dito. Critico-o por não ter sabido
esperar pela sua oportunidade. Foi apressado.
Posteriormente, Nobre foi alvo de uma espécie de linchamento
político e evaporou-se da vida pública…
Sou o primeiro a criticá-lo, mas
ao mesmo tempo defendo-o porque foi vítima de uma tendência que se
acentua de apedrejamento na via pública de quem comete erros, que
são de natureza política, mas não tão graves quanto isso. É assim
que se trata uma pessoa que fundou a AMI, dedicou uma causa aos
outros, colocando a sua vida em risco em cenários de guerra e em
campos de refugiados? Infelizmente, o cheiro a sangue e o
negativismo mobilizam mais do que tudo o resto.
Falando agora da televisão, protagonizou diversos programas
juvenis como o «Portugalmente», o «Zapping» e o «Lentes de
Contacto», criações que o tornaram um dos jornalistas mais
premiados da sua geração. Hoje em dia faltam soluções e programas
inovadores como estes?
No canal público e noutros falta
risco na forma como se programa, mas também é verdade que há cada
vez menos dinheiro. Há 20 anos existia, paradoxalmente, mais
oportunidade para pessoas que tentavam procurar novas linguagens
televisivas, pudessem fazê-lo. Um canal de serviço público como a
RTP deve criar condições para ter momentos de vanguarda, porque
caso contrário é apenas um instrumento do presente e de conquista
de audiência rápida. O «Portugalmente» e o «Zapping» foram
programas muito novos, este último creio que avançado em relação ao
tempo, com um certo lado megalómano, em que se procurava concentrar
todos os programas de televisão num único, rompendo com a linguagem
televisiva.
Em 1998, no «Portugalmente», entrevistou o seu pai, José Manuel
Osório, sobre a sua experiência como doente com Sida. Foi o
trabalho mais delicado e desafiante pessoal e profissionalmente da
sua carreira?
É um momento marcante. Não era
nada linear. Não existiam exemplos passados que eu pudesse
comparar, com este risco de exposição e intimidade. Na altura, a
Sida era diabolizada e numa altura em que eu estava em ascensão
profissional, tinha acabado de ganhar o Prémio Gazeta Revelação,
quis dar esse testemunho de que aquela pessoa diante de mim era meu
pai, era homossexual e seropositivo. E a esta distância acho que
ele foi um importante farol para outros doentes em condição
semelhante. O facto de eu não ter uma relação de intimidade com ele
teve a força e o impacto da surpresa. Grande parte da nossa vida
profissional é feita não em função do que nós queremos fazer, mas
sim do que os outros possam pensar. Eu sempre procurei fazer aquilo
que achava que era certo em determinado momento. Ser o mais
incatalogável possível sempre foi algo que me atraiu.
Foi diretor de vários títulos da imprensa portuguesa, «A Capital»,
o «Sol», o «i», e o Rádio Clube Português. A crise da comunicação
social deve-se à conjuntura em que a internet tudo domina ou a
erros de estratégia e de modelo de negócio?
É um misto de problemas. O
jornalismo hoje não tem nada a ver com o jornalismo que me fez
entrar na profissão. Não é um juízo de valor, é uma constatação de
facto. A utopia, a paixão e o romantismo, valores associados ao
longo dos anos ao jornalismo, foram perdidos. Hoje não há projetos
interessantes em Portugal. Os jornais são iguais uns aos outros. O
«Correio da Manhã» é diferente de todos os outros e cumpre aquilo
que são os seus objetivos e replica a fórmula do jornal na
televisão, igualmente com sucesso. Quanto aos jornais de
referência, de periodicidade diária, perderam rasgo e a capacidade
de nos surpreender. Se virmos o telejornal do dia anterior, os
jornais da manhã do dia seguinte pouco ou nada acrescentam de
novidade ou de novos ângulos.
O online está a matar lentamente o papel?
É algo esquizofrénico essa ânsia
de dar a notícia mais rápido que os concorrentes no online, mas os
tempos assim o impõem. Para o papel poder sobreviver, terá que se
reinventar e ser decididamente outra coisa e ter uma outra visão da
realidade, que complemente aquilo que as pessoas já sabem e
conhecem.
O cemitério de títulos da imprensa está a aumentar. Arriscamo-nos
a ter, dentro de alguns anos, o «Correio da Manhã» e o «Expresso»,
como as únicas edições em papel?
Dentro de dois ou três anos esse
cenário pode acontecer. Se não houver um esforço de arriscar e de
imaginar o que ainda não existe, os outros títulos vão morrer. E
depois há outra questão que considero importante: bem sei que me
apontavam o dedo por ter chegado a diretor de «A Capital» com
trinta e poucos anos, mas hoje em dia há muitos responsáveis
máximos de vários títulos com responsabilidade e história a quem
lhes falta solidez. Num jornal de referência os diretores devem
corporizar uma ideia de influência e de respeito.
Estou a lembrar-me de dois antigos diretores, já falecidos,
Cáceres Monteiro e Bettencourt Resendes, personalidades altamente
respeitadas…
Os exemplos que dá são felizes e
lembramos ambos com saudade. É nós estarmos na mesa com o
Primeiro-Ministro e não existirem dúvidas que estamos ao mesmo
nível dele, mas em posições e responsabilidades diferentes,
necessariamente. Um diretor, que é jornalista de um título de
referência, tem de ter a noção do lugar que ocupa. Caso contrário,
os leitores de referência não acreditam e vão procurar outras
fontes. Um diretor de um jornal tem de ser um referencial de
credibilidade e confiança e, em vários casos, não é isso que
vejo.
Defende menos exposição para esses jornalistas?
Há uma ilusão que as vendas dos
jornais estão relacionadas com a sua aparição nas televisões. É
exatamente o contrário. Devido ao número de vezes que são instados
a comentar temas da atualidade, ficamos confundidos sobre o que é
que os diretores do «DN» e do «Público», por exemplo, têm a dizer
sobre tudo ou sobre nada, desde o SIRESP, os atentados terroristas
ou o FC Porto. Há um recato que os diretores de jornais de
referência devem ter.
No final de setembro vai editar o seu primeiro romance que se
chamará «A queda de um homem». O que é que o inspira para
escrever?
A escrita é muito estruturante em
mim e no meu percurso. Desde sempre o que quis fazer foi ser
escritor. O momento da rutura com o jornalismo foi a oportunidade
para eu me tentar cumprir com uma incursão na escrita, procurando
encontrar várias plataformas que me consigam garantir uma ideia de
liberdade, que não me faça depender de ninguém. O caminho para a
ficção é difícil, porque existem muitas dúvidas e muitos medos. Até
porque temos um meio literário cheio de jornalistas sem talento que
tentam escrever ficção. Este é um jogo novo, porque não é um
livro de pensamentos, não é um livro de entrevistas, não é uma
biografia, mas eu estou disposto a jogá-lo, num mundo rodeado de
obstáculos que eu não conheço. Após um processo de maturação,
decidi correr esse risco. Espero que seja o primeiro de vários
romances.
Cara da notícia
Luís Osório nasceu a 15 de
setembro de 1971. No jornalismo dirigiu «A Capital» - o que o
tornou o mais jovem diretor de sempre de um órgão de comunicação
social em Portugal -, o «i» e o «Sol», para além de ter sido o
diretor de informação das rádios do Grupo Media Capital, entre as
quais o renovado Rádio Clube Português. Passou ainda por «O
Jornal», «Visão», «Diário de Notícias», «DNA». Foi um dos
jornalistas mais premiados da sua geração, tendo ganho o Prémio
Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas, um Sete de Ouro, o Prémio
da Casa da Imprensa, o Prémio de Inovação Manuel Pinto de Azevedo
Júnior, tendo sido nomeado quatro vezes para os Globos de Ouro. À
margem do jornalismo, tem cinco livros editados, entre os quais,
«Amor», «Só entre nós» e «Quanto tempo, uma criança no olhar», o
resultado de uma conversa com o seu pai, José Manuel Osório.
Escreveu a biografia autorizada do banqueiro Jorge Jardim
Gonçalves, «O poder do silêncio». Para além da escrita, atualmente
desenvolve trabalho como «consultor de pessoas», como se
auto-define.