Editorial
Educação e ética
A
relação entre a ética e a educação é tão estreita e profunda, como
o é a relação entre a concepção do sentido humano e a sua
realização. Qualquer educador constata que é fundamentalmente ao
nível da acção moral que a educação se projecta, pelo que a maioria
dos actos humanos, sejam eles dos educadores, sejam dos educandos,
colocam a ética no coração do pedagógico. E é precisamente pela
importância atribuída à impregnação valorativa de todos os actos de
ensino e de aprendizagem que conviria chamar a atenção para uma
obra de Maria do Rosário Gambôa, publicada pelas Edições Asa, e que
a aborda as relações entre "Educação, Ética e
Democracia".
A autora, com currículo profissional e académico ligado à
formação de professores, é das que entende a educação como um
espaço crítico onde o ético e o moral se entrecruzam, num jogo de
complementaridades difíceis. É das que não esconde que, por trás de
cada modelo pedagógico, existe sempre uma missão disciplinadora e
moralizadora, por vezes levada ao limite. Por isso nos convida a
revisitar esses caminhos que estabelecem as ligações entre a ética
e a moral e sobre os quais agem as estratégias e as finalidades das
políticas educativas.
Depois da década de setenta do passado século ter esgotado
o discurso romântico de alguns projectos educativos, depois da
crise de desenvolvimento que atravessaram os sistemas educativos
ocidentais, tornou-se demasiado evidente que a educação e a escola
não irão realizar as repetidas promessas de emancipação e de
felicidade de cidadãos mais produtivos e inquestionavelmente mais
participativos. Daí que se lance o aviso de que, mais do que uma
crise de produção teórica sobre a educação, assistimos a uma crise
sobre o próprio sentido, que fere a consciência dos que vivem,
sofrem e pensam de forma particular as questões de natureza
educativa.
Por isso interroga: Qual a possibilidade de abertura que
resta à educação e à escola no horizonte actual? Como evitar, no
actual terreno das sociedades de consumo, a subordinação da
escolarização aos princípios de mercado e controlo social? Como é
possível, numa sociedade que se quer pluralista, adoptar, formar e
desenvolver valores que não sejam totalitários, ou seja, os valores
de uns impostos aos de outros, evitando aberrações ideológicas e a
colonização escancarada que o termo civismo por vezes oculta? Como
conjugar a exigência de liberdade pessoal, com a ideia de
socialização normalizadora?
São estas, a título de exemplo, algumas das interrogações
que esta obra inquieta e de profunda reflexão nos levanta. Convicta
de que a formação moral constitui um requisito básico da
democracia, a autora acredita que o grande fim da vida política e
social se traduz no desenvolvimento moral pela auto - criação dos
indivíduos, face à qual se perspectiva a auto - regulação das
instituições democráticas. Por isso não lhe é indiferente o
pensamento de Dewey.
Se o fim da educação é o desenvolvimento harmonioso de
todas as potencialidades do indivíduo, estas só adquirem
significado quando socialmente interpretadas. Só o conhecimento
compreensivo das situações sociais, nas quais cada indivíduo tem de
usar determinadas faculdades, fornece os critérios de relevância
educativa ou de significado pedagógico. Será então
legítimo perguntar se a escola terá outros objectivos ou fins
morais para lá de motivar os indivíduos à participação activa na
vida social.
Eis como esta investigadora nos empurra a questionar a
pedagogia e os pedagogos, na tentativa de reconstruir uma nova
modernidade do pensamento e da acção da comunidade educativa a que
de uma ou de outra forma todos nós pertencemos.
João Ruivo
Diretor Fundador