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Bocas do galinheiro
Às voltas com Christopher Nolan

bocas.jpgComo já foi repetido até à exaustão, este ano não tem comparação com os que vivemos. A pandemia, claro. Não admira pois que em matéria de cinema o panorama também seja para esquecer. Salas fechadas meses a fio, uma reabertura a medo e acima de tudo, sem grandes estreias, porque muitos filmes suspenderam a rodagem. A excepção foi "Tenet", de Chistopher Nolan, uma fita em que o mundo depositou a sua esperança para a retoma. Pesado fardo digo eu. Afinal é apenas mais um filme, por muito caro que tenha sido (225 milhões de dólares).
Tivemos ocasião de ver o filme porque graças à Cinebox (um abraço ao João Fernandes), as salas de cinema em Castelo Branco reabriram, devagarinho, como não poderia deixar de ser, e "Tenet" aí está.
Um thriller de espionagem, ao bom estilo OO7, o realizador não o esconde, a que não falta uma magnífica abertura, cheia de acção, um ataque a uma sala de concertos em Kiev, onde de repente estão dois grupos de atacantes, não sabemos quem são, o que procuram ou pretendem, e à boa maneira das fitas do agente de Sua Majestade, entra o genérico e deixamo-nos levar. Já temos o nosso herói, The Protagonist, interpretado John David Washington e o vilão, um exuberante Kenneth Branagh com sotaque eslavo (Nolan não resistiu à última moda de situar os maus da fita para as bandas da antiga URSS). A acompanhá-los a mulher deste, vítima da sua paranóia, a altíssima Elizabeth Debicki, que mantém presa porque não deixa que fique com o filho de ambos, e Robert Pattinson um oportuno aliado do nosso herói. Por último, e não menos importante, a ameaça: o mau da fita ameaça com o fim do planeta e isso o protagonista tem que evitar. Como? Andando para a frente e para trás no tempo, em simultâneo. Sim. Tenet é um palíndromo, ou seja, uma palavra que se lê da mesma maneira da direita para a esquerda quer da esquerda para a direita. Assim, no filme há movimentos simultâneos nos dois sentidos. Difícil? Não. Nada como ir buscar velhas técnicas de rewind e ralenti e está feito. Presente é futuro e passado. É tudo uma questão de tempo, elemento transversal à filmografia de Nolan. Se se misturar tudo com cenas de acção a ritmos impossíveis, temos cinema. E é isso que nos leva às salas.
Nascido em Londres em 1970, depois de dirigir umas curtas-metragens, Chistopher Nolan realiza o seu primeiro filme em 1998, "Following", uma fita quase artesanal, um filme noir, a preto e branco, sobre um escritor que observa estranhos para compilar material para a sua escrita. Mas é a partir de "Memento", que se torna conhecido, já era a questão do tempo, aqui os tempos narrativos, um a preto e branco que avança no tempo e outro a cores que nos leva ao passado, uma vez que o protagonista perdera a memória de curto prazo, não consegue memorizar nada (tira fotografias de pessoas para saber quem são, escreve lembretes em papéis) enquanto tenta encontrar o assassino da sua mulher que é a última coisa de que se lembra.
Porém o grande salto, nomeadamente em termos de bilheteira acontece com sua a trilogia Batman, com Christian Bale no papel do homem morcego. "Batman - O Início", de 2005, claramente influenciado por "Blade Runner", de Ridley Scott, criando atmosferas até então ausentes de Batman, mas superado pela segunda entrega "O Cavaleiro das Trevas" (2008), aqui com o adicional da histriónica interpretação de Heath Ledger como Joker que reinventou a personagem, tal como Nolan o fez com o cinema das super-heróis, que fecha com "O Cavaleiro das Trevas Renasce", de 2012.
Mas será "Origem", de 2012 e "Interstellar", de 2014 que Nolan nos transporta para tempos narrativos diametralmente opostos mas coerentes com o seu cinema. No primeiro, um thriller de espionagem industrial em que Cobb (Leonard DiCaprio) um ladrão de segredos entrando nos sonhos, tenta agora dar uma ideia a um CEO de uma importante empresa penetrando nos seus sonhos; no segundo, uma homenagem a outros dos seus modelos, Stanley Kubrick e ao seu filme "2001, Odisseia no Espaço", na procura de um planeta que acolha a humanidade, noutro sistema solar através de um "salto" através de um buraco negro, que é também um salto no espaço e no tempo, a que podemos juntar "Dunkirk" (Dunquerque), de 2017, um muito conseguido relato da evacuação de milhares de soldados britânicos encurralados nas praias de Dunquerque, acontecimento em que o tempo é deveras importante, face às ameaças que vinham de terra e do ar e, por fim do mar, aquando da travessia.
Em conclusão, um cineasta que se vem impondo com uma filmografia em que ressalta uma crescente trajectória criativa de que "Tenet" é o último acto e que aconselho vivamente.

Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
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