Bocas do Galinheiro
A cada um a sua canção
Há músicas cuja ligação ao
cinema, ou melhor, a um filme, é absoluta. Quase diria que não
viveriam sem ele, quando algumas delas existiam muito antes de as
ouvirmos no grande écran. O certo é que foram de tal forma
marcantes que separados não têm razão de ser. Não falo, claro está
daquelas associações óbvias, quando a canção é o título do filme,
como seja A Hard Day's Night, ou Help, dois temas mais conhecidos
dos Beatles e que deram título a dois filmes dos fabulous four,
realizados por Richard Lester, já para não falar de Singin' In The
Rain uma das canções do musical com o mesmo nome e que em Portugal
se traduziu por "Serenata à Chuva", essa obra prima de Gene Kelly e
Stanley Donen, ou Hello Dolly!, também de Kelly.
Mas, se a canção for As Time Goes
By, quem não se lembra de "Casablanca" e do affair parisiense de
Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, apesar de a canção ser anterior
ao filme? E já agora, Moon River, sinónimo de "Breakfast at
Tiffany's", e de outro famoso par, Audrey Hepburn e George Peppard.
E, se quisermos andar menos para trás, ao ouvir I Will Always Love
You, cantada por Whitney Houston, toda a gente se lembra de "O
Guarda Costas" e, porque não, de Kevin Costner. Mais uma envolta em
romance. She, cantada por Elvis Costello, apesar de ter sido êxito
na voz de Charles Aznavour, ficará ligada ao par Julia Roberts/Hugh
Grant em "Notting Hill", num moderno conto de fadas do avesso: o
plebeu no final fica com a princesa, que é como quem diz a
estrela.
Podemos também abordar a coisa por
outro ângulo. Quando se ouve o tema de James Bond, composto por
Jonh Barry, não interessa qual, nem que seja o que está para vir,
todos nos identificamos com os filmes do espião com licença para
matar, apesar de cada um deles ter uma canção que o individualiza:
quem não se recorda de Diamonds Are Forever, cantada por Shirley
Bassey, Goldeneye, por Tina Turner, Live and Let Die, por Paul
McCartney e os Wings ou a mais recente, Skyfall, por Adele? Se
ouvirmos as bandas sonoras de John Williams, rapidamente as
associamos à saga "Star Wars", a "Salteadores da Arca Perdida" e
aos "Superman", bem como, se quisermos relembrar Hitchcock, a
música de Bernard Herrmann é indissociável da atmosfera dos seus
filmes. E por aí adiante.
Outros grandes êxitos da música
foram-se apropriando de alguns filmes em que fizeram parte da banda
sonora. Cá em casa quando passa na televisão "O Casamente do Meu
Melhor Amigo", é ritual esperar pela cena em que Rupert Everett
conta a história do seu pretenso namoro com Julia Roberts cantando
I Say a Little Prayer, imortalizada por Dionne Warwick, sendo que
todos os comensais se juntam à canção, bem como o resto do
restaurante, a fazer lembrar a cena de "Ferris Bueller's Day Off"
(O Rei dos Gazeteiros), em que Matthew Broderick canta Twist and
Shout, numa parada, até aí apenas nos trazia à cabeça os Beatles, e
que a pouco a pouco envolve toda a gente num dos primeiros flash
mob do cinema. Memorável cena deste filme de John Hughes. Memorável
também é a cena da bicicleta de "Butch Cassidy and The Sundance
Kid" (Dois Homens e Um Destino), com Paul Newman e Katherine Ross
ao som de Raindrops Keep Fallin' on my Head, de Burt Bacharach,
Oscar para melhor canção.
Depois, bem, depois temos uma
inesgotável lista daqueles grandes êxitos, que já o eram com ou sem
filme mas que estão lá: como Mrs. Robinson, de Simon and Garfunkel
dá cor a "The Graduate" (A Primeira Noite), Born To Be Wild, dos
Steppenwolf, da banda sonora de "Easy Rider", esse incontornável
road movie dos anos de 1960, música adoptada como hino pelos
motards; I Will Survive, de Gloria Gaynor, um dos êxitos,
associados a drag queens, que passa por "Priscilla, Rainha do
Deserto", My Girl, interpretada pelos The Temptations em "O Meu
Primeiro Beijo" (My Girl) com o então, garantidamente, promissor
Macaulay Culkin, What a Wonderful Worl, esse hino de Louis
Armstrong, mais que inesperado êxito no não menos improvável "Good
Morning Vietnam" ou Johnny B. Good, de Chuck Berry, em "Regresso ao
Futuro", com direito a precuela dela própria, com um primo do autor
a "pô-lo" a ouvir aquele novo som, que era o seu, ou Unchained
Melody, interpretada pelos The Righteous Brothers em "Ghost
Há ainda aquelas canções cujo êxito
ao filme o devem, como Over the Rainbow, interpretada por Judy
Garland no "Feiticeiro de Oz", New York, New York, do filme do
mesmo nome de Martin Scorcese, cantada por Liza Minnelli, My Heart
Will Go On, na voz de Céline Dion em "Titanic", também ela Oscar
para a melhor canção ou Take My Breath Away, interpretada pelos
Berlin, que pouco valeria se não fizesse parte da banda sonora de
"Top Gun".
Haveria mais? Uf!, se havia. Desde
logo algumas portuguesas como O Fado do Estudante de "A Canção de
Lisboa", do inesquecível Vasquinho da Anatomia, Vasco Santana.
Se voltarmos ao tema, temos que
começar por aqui.
Até lá e bons filmes!