Os Dias de Raiva
Os Dias de
Raiva, banda de Pacman, ex-vocalista dos Da Weasel, vão lançar o
álbum Parece que Vai Chover. O tema de avanço do trabalho
discográfico chama-se Sanguessuga e já passa na internet. A
apostar no rock cantado em português, afirmam que o país precisa de
uma "raiva" mais assumida e de proteccionismo na cultura. Mas tem o
privilégio de fazer o que gostam, música sem "truques",
genuína.
Os Dias de Raiva é composto por vários
músicos credenciados, de grupos bem conhecidos. O Knowhow
adquirido, por todos os elementos, foi muito importante para o
resultado final do vosso som?
Sim. O som d`Os Dias de Raiva
é o resultado de tudo isso. As experiências que todos nós tivemos
estão aqui reproduzidas. Já tocamos há muito tempo, temos muitas
referências, conhecemo-nos rapidamente e isso simplificou muito o
processo. Todos nós fazemos aquilo que gostamos, temos esse
privilégio. Mantemos esse lugar intocável, que hoje em dia é muito
difícil manter, que é fazer aquilo que gostamos, a nível musical e
criativo.
Os vossos primeiros temas foram
divulgados através dos Optimus Discos. Aquela iniciativa da Optimus
é importante para divulgar as
bandas?
É uma montra de novas bandas
portuguesas, para pessoas desconhecidas, e não desconhecidas, da
música, que têm um projecto que querem lançar. É uma promoção e uma
alavanca para se poder mostrar um EP. A partir daí, cada um
"segue o seu caminho". Mas há outras maneiras de promover a música,
sem ser com uma editora. Para o disco que vamos lançar agora, o
mais provável é usarmos outro meio sem ser o tradicional, com uma
editora. Quando temos as músicas, o interesse é chegar ao público,
de uma forma ou de outra, e a Internet é um mundo cada vez maior.
Conseguimos mostrar a nossa música através das redes sociais. É
rápido, é directo e não há intermediários. Facilita muito a
vida.
O futuro da música passa muito pela
oferta dos trabalhos pela
Internet?
Actualmente, está a
ser feito desse modo. Talvez por não apostarmos muito numa
indústria, em que podíamos tirar alguns dividendos. Portugal podia
apostar um pouco mais na indústria da música e inclusive ajudarmos
no PIB nacional. A indústria musical, cultural, merecia maior
atenção. Por exemplo, no Brasil os discos são a sete, oito euros,
existem discos americanos, europeus, mas os preços são
completamente diferentes. Não me importava de ter acesso a todos os
discos, mas dar hipótese às bandas do país de terem preços mais
acessíveis. Se o disco dos Cold Play é mais barato do que o teu, as
pessoas não vão comprar o teu. Tiram-no da net. Às vezes não tem
mal ser proteccionista, os outros também o são.
Têm consciência que estão a dar uma nova
imagem e dinâmica a um som, na linha mais alternativa, e a cativar
mais público para este tipo de
som?
Fazemos a
sonoridade que gostamos. Não estamos a tentar inventar nada de
novo, dentro dessa sonoridade, a única diferença é que é cantada em
português. Ainda estamos no início, mas o que pretendemos fazer é
algo que nos dê prazer e dê prazer a outros. Tentar puxar o rock,
sair um pouco da toada Pop, que nos caracteriza muito em Portugal.
Atrair mais fãs para este tipo de música, usando a língua
portuguesa, numa sonoridade onde à partida seria usada a língua
anglo-saxónica.
Houve um grande cuidado na construção dos
temas, sobretudo nos acordes, para que o som fosse forte e
conquistasse as pessoas?
Tentamos simplificar as
coisas, ser objectivos. Quando somos objectivos, é mais fácil
marcar "golo". Tentamos chegar ao cerne da questão. Usar a nossa
experiência, de forma a apurar ao máximo a nossa criatividade.
Estamos de consciência tranquila com este trabalho.
Não resisto a pegar no nome do vosso
projecto. O cidadão comum atravessa, actualmente, dias de
raiva?
Sem dúvida. Atravessamos uma
fase sócio-económica muito difícil para Portugal. Estou a
desenvolver um espectáculo de comunidade para a capital da Cultura,
em Guimarães. Foi aí que um senhor, dos seus 80 anos, me
disse «eu nasci em crise e vou morrer em crise». Isto, para certas
pessoas, não é nada de novo, sempre houve crise, e é o que
tendemos a menosprezar. É claro que esta altura é muito complicada.
Os Dia de Raiva não apareceram com este intuito, mas acabam por
bater certo com o inconformismo, com o descontentamento social que
existe. Veiculamos o nosso desconforto através da música, das
guitarras pesadas, da bateria forte, das letras. É a maneira que
temos de comunicar com o mundo.
É de "raiva" que Portugal está a
necessitar?
O que
faz falta a Portugal, neste momento, é uma "raiva" mais assumida.
Orgulhamo-nos de ser um país de "brandos costumes", mas às vezes os
"brandos costumes" ficam curtos. Vemos o que se está a passar na
Grécia, na Irlanda. Estão a passar pelas privações que nos passamos
e o povo português, muitas vezes, deixa-se ficar conformado. Os
Dias de Raiva é uma pedrada no charco, o "Vamos fazer alguma coisa,
cada um à sua maneira". Se cada um fizer um esforço, tratar de si,
do seu bairro, da sua casa, as coisas podem mudar, a um nível
global.
Para os músicos não há por vezes raiva,
vontade de passar para as músicas aquilo que as pessoas pensam e
sentam na pele?
O José Mário Branco, que é um
tipo sério e muito conservador naquilo que pensa, - não o sendo
politicamente, pois é de "esquerda"- , diz que não há música de
intervenção, porque toda a música deve ser uma expressão de algo
teu. Há é música boa e música má. Para ele, toda a música é de
intervenção, é a expressão do sentimento através da arte. Os Dias
de Raiva também apontam nessa direcção. Nem toda a música tem de
ser política, apesar da política estar em tudo. Se fores de férias
com os teus filhos, para um certo país, isso há-de ter ramificações
políticas. Mas, uma música de amor também é arte e não a quero
desdenhar. É algo que tem haver, com o ser humano, com as coisas
mais primárias e instintivas. De certa forma, estamos a
distrair-nos com as luzes, com muita "maquilhagem", com os vídeos,
e Os Dias de Raiva querem ser algo muito puro. Fazer alguma coisa
sem "truques", pura, genuína.
O cartão de visita do próximo registo já
é conhecido, chama-se "Sanguessuga". É também um espelho da
situação de Portugal?
Cada um é
que sabe. Temos a nossa própria sanguessuga, às vezes, culpamos
outras pessoas por serem a nossa própria sanguessuga. É o nosso
primeiro avanço, era a música menos votada para ser o single, mas
acabou por ser. Isto também é uma forma de mostrar como estamos em
campo. Vamos jogar ao ataque.
Há uma química perfeita entre todos
os elementos do vosso projecto?
Há uma química e há-de haver
cada vez mais. É uma banda relativamente recente, demos o
primeiro concerto no dia 26 de Abril, de 2010. Já nos conhecíamos
de outros projectos, todos tocávamos há muito tempo, e foi fácil o
pessoal dar-se todo bem, musicalmente. Era a felicidade de sabermos
exactamente o que queríamos fazer e darmo-nos bem.
Eugénia Sousa/Hugo Rafael