BLIND ZERO
o Álbum seguinte
A banda
portuguesa Blind Zero comemora 18 anos de existência, em 2012.
Miguel Guedes, a voz do projecto, fala do mercado digital da
música; da globalização e internet; dos malefícios dos downloads
massivos; e do novo trabalho discográfico, prestes a sair. Sem
ambições numa carreira internacional; em Portugal, já se pode
escutar, com muito prazer, I See Desire, o tema de avanço do novo
álbum.
O cartão de visita do
próximo registo I See Desire já chegou às rádios. Trata-se de uma
imagem imperfeita daquilo que pretendem ter no próximo registo de
originais?
É uma das imagens. Mas, não
pretende ser um resumo do disco. Aliás, estamos ainda a fazê-lo.
Estamos ainda a viver esse disco como uma construção. É uma das
facetas do disco, uma faceta mais leve. Embora o tema da canção até
seja um tema fracturante, de emigração, um tema mais político.
Acabamos por estar a dizer coisas mais difíceis com uma roupagem
mais leve e uma sonoridade mais Pop. Mas, não tem de ser
propriamente o resumo do disco.
No anterior registo, Luna Park, houve um problema com a
criatividade. Nesta altura, a banda está empenhada a cem por cento
no novo disco...
O que aconteceu com o Luna Park é
que demorou cinco anos a ser feito. Do Night Before and a New Day
até ao Luna Park houve uma distância de cinco anos. Foi um
manifesto exagero, que se deveu a muitas coisas. Fundamentalmente,
não queríamos passar por outra coisa dessas: um período de impasse
criativo, ou de falta de vontade de estarmos juntos a fazer coisas.
Rapidamente, após o Luna Park , começámos a compor outras coisas. E
a prova é que, em 2012, estamos já com temas novos, apenas passados
dois anos desde o último disco.
No
início deste ano de 2012 o vosso colectivo completou o
18ºaniversário. Continuam com a mesma vontade e o mesmo empenho na
música?
Sim. É muito curioso. O nosso país
também não nos permite ter concertos com a assiduidade que, depois,
se calhar, nos permitiria cansarmo-nos deles. As bandas tocam
vinte, trinta datas por ano. Bandas do nosso género, digamos assim.
Cada vez que saímos para tocar num concerto é um momento de enorme
entrega, não é rotineiro. É um momento de júbilo e de amor
verdadeiro por aquilo que fazemos. Todos os concertos são de facto
especiais. Os Rolling Stones - com as enormes diferenças, como é
evidente - encaram cada concerto quase como uma manobra rotineira,
como quem respira. Para nós nunca é mais um concerto. Dá-nos um
enorme gozo irmos para a estrada. Continuamos a ter um enorme
prazer em fazermos discos, em fazer concertos, em falarmos com as
pessoas, enquanto acharmos que temos alguma coisa nova para dizer.
É isso que temos feito ao longo de 18 incríveis anos, que as
pessoas nos proporcionaram.
O vosso som tem sofrido
algumas alterações. A linha condutora mantém-se, mas através de
cada disco foram tentado explorar uma nova vertente, trilhando o
vosso próprio caminho. É fácil ter inspiração para tantos
discos?
É essencial que tentemos fazer
isso. Sou particularmente admirador de artistas e de bandas que
tentam fazer coisas diferentes, de disco para disco. Compete-nos
tentar arriscar sempre um bocadinho, correndo o risco de fazer
coisas piores ou melhores, que as pessoas gostem mais ou gostem
menos. Coisas que nós, depois de as fazermos, também gostemos menos
ou mais. Fazer discos iguais, concertos iguais, aí é que as coisas
se tornam ordinárias, no sentido de rotineiras. Esse é o pior
pecado que podemos cometer. Fazer música, pintar um quadro, fazer
teatro, cinema, representar, tudo isso significa reinvenção. Ao fim
de 18 anos, estamos quase sempre a falar das mesmas coisas, de
forma diferente, com personagens e histórias diferentes. Mas,
continuamos a ser nós, com 18 anos mais de vida, de experiências e
de gostos. A criatividade é algo que também tem de dar muito
trabalho. O mais fácil é repetir a fórmula. Nós tentamos fazer
sempre coisas diferentes e que esse seja sempre o motivo que nos
leva a estar, ainda que com "sangue a correr". Sentir que não nos
estamos a repetir e cada disco nosso acrescenta, ou tira algo, ao
que o precedeu.
O vosso colectivo conseguiu
consolidar uma carreira nacional. Em termos internacionais,
recentemente estiveram em Espanha. As coisas estão a correr bem,
também, nesse sentido?
É um caminho muito difícil e
diferente. Em Portugal, somos uma banda reconhecida, temos esta
longevidade de 18 anos, admirável para nós, até algo estranha e
incaracterística. Não há muitas bandas que consigam estar juntas
tanto tempo.
No plano internacional, as coisas
passam-se de forma diferente, Vamos tocando em Espanha, vamos
tocando em Itália, aqui ou ali, mas não há uma carreira
internacional, com "pés e cabeça", porque também nunca investimos
verdadeiramente para que isso acontecesse. Tivemos produtores
internacionais. Vamos tocando lá fora, de quando em vez, mas não é
isso que procurámos. Somos uma banda, que embora cante em Inglês e
é sempre uma surpresa muito grande quando tocámos lá fora, -
tocamos agora em Barcelona e foi fantástico - não fazemos da
internacionalização um objectivo, nem olhamos para isso com nenhum
grau de desespero. Queremos tocar muito, em Portugal.
Trabalha
na área da protecção da propriedade intelectual dos artistas. Em
entrevista, Kalaf, dos Buraka Som Sistema, dizia-me, que se não
fosse a pirataria o seu projecto não era conhecido em a lugares da
América Latina, como a Colômbia e o Brasil. Há os prós e os contras
dos downloads ilegais?
É um vasto assunto que dava um tema
de conversa muito grande. Toda a gente reconhece virtudes na
globalização, como eu também reconheço. A Internet, os sistemas de
partilha de conhecimento são absolutamente vantajosos para todos.
Agora, continuo a ter o primórdio do trabalho. Este é o nosso
trabalho e nós somos livres de o oferecer às pessoas. Mas, também
somos livres de não querer oferecer e achar que isso tem um preço.
É o nosso trabalho e, em rigor, é a nossa sobrevivência. Os
downloads ilegais são um problema. A música tornou-se uma espécie
de bem cultural de "segunda apanha". Toda a gente ouve cada vez
mais música, mas, tenho muitas dúvidas que as pessoas gostem
verdadeiramente da música que ouvem. Porque não a ouvem, muitas
vezes têm-na, possuem-na. Estamos a transformar-nos numa espécie de
"arquivadores de música", que nunca vamos ouvir. Isso não é bom
para a música, não é bom para a arte, sobretudo quando põe em causa
a existência, a sobrevivência e sobretudo a identidade e a
independência artística das pessoas. A partir do momento em que a
música é paga e associada a marcas, - porque já não se vendem
discos, não há concertos, - a independência foi-se. No que respeita
à pirataria, em ambos os lados, tanto nos que combatem, como nos
que defendem, estamos muito longe do equilíbrio e do bom senso.
Nos últimos anos, a venda
de Cd`s tem sofrido uma enorme queda; a venda digital, por outro
lado, tem aumentado muito. O futuro da música passará apenas pela
vertente digital?
O mercado digital é uma realidade e
está impor-se. Não tenho rigorosamente nada contra o digital. Seria
de um conservadorismo atroz achar que o digital é um mal, não, é um
bem. É um bocadinho como as rádios piratas, quando apareceram. Há
uma necessidade de regulação, como em tudo. Quando os cogumelos
ocupam toda a floresta, deixa de haver lugar para as árvores. As
árvores ainda são o mais importante da floresta. E as árvores somos
nós. Temos de ter uma noção de equilíbrio. Os formatos podem mudar,
o vinil, a cassete, o disco, o cd, a música em Mp3, o que seja,
cada vez mais se vai desmaterializando a obra. Mas, é importante
que haja a noção que a obra tem por trás criadores.
Independentemente do formato, há pessoas que dedicaram tempo,
esforço, que foram capazes, mal ou bem, de fazer aquilo que as
pessoas querem ouvir. Enquanto estavam a fazer isso, não estavam a
fazer outras coisas.
É preciso defender o
trabalho artístico...
Se queremos continuar a ouvir
música dessas pessoas, tem de haver uma forma de retribuir
financeiramente. Independentemente do formato, o que eu não suporto
é a ideia de morte artística e de falta de independência artística.
A fruição da cultura é de todos, mas a ideia que a música é livre e
grátis porque se consegue chegar a ela, é uma ideia profundamente
anti-democrática, pouco justa e até um bocadinho cínica. Piratear e
fazer downloads, atrás de downloads, torna-se uma espécie de
coleccionismo bárbaro. As pessoas tem o direito de ouvir coisas sem
as comprarem, para depois decidirem se devem ou não comprar. Mas,
atingiu-se quase um estado pornográfico, de coleccionismo de
músicas que as pessoas nunca vão ouvir. Não acho que esse mundo
tenha interesse.