Noiserv, o novo álbum
O solitário herói no mundo da música
David Santos, voz e alma do projeto Noiserv, tem um
novo álbum, Almost Visible Orchestra. Autêntico One Man`s Band, não
recusa novos desafios. Para além dos concertos em palcos nacionais
e internacionais, o teatro, as curtas-metragens e as bandas sonoras
são experiências gratificantes que o inspiram na composição das
músicas.
Quem já
teve oportunidade de ouvir os anteriores registos, e agora este,
fica com a noção de uma sonoridade diferente e particularmente
interessante. De onde é que o David retira a inspiração para o
processo criativo das músicas?
As músicas surgem normalmente do
nada sem haver uma inspiração concreta para a música em questão, e,
de uma maneira geral, para todas elas. O que me inspira,
certamente, é o meu dia-a-dia. Todas as vivências que vou tendo,
todas as coisas que vou vendo, as pessoas com quem vou falando e
com quem vou fazendo certo e determinado número de coisas. A minha
própria vida é a minha inspiração. As músicas acabam por ser o
reflexo daquilo que vivo, mas de uma forma musical.
Através da
conhecida rede social, Facebook, tem divulgado ao máximo as suas
músicas. Na internet, colocou os dez passos para fazer um disco.
Uma iniciativa bem interessante…
Sim. Eu acho que é sempre
importante um músico conseguir que as pessoas estejam um bocadinho
dentro do processo que é fazer um disco e não apenas ouvirem as
músicas no final. Claro que a parte mais importante é ouvirem o
disco, e ficarem, ou não, satisfeitas com as músicas. Mas se houver
uma forma de mostrar um bocadinho mais do que é o processo, do que
é a cabeça do músico enquanto está a fazer a música, e todos os
conceitos que envolvem o disco é uma mais valia.
Não resisto
a pegar também na capa do álbum, com um puzzle duplo. Como é que
surgiu essa ideia?
A ideia do puzzle é a ideia do
conceito do que foram estas músicas e da forma como este disco foi
feito. Há dois anos atrás, quando apenas tinha alguns rascunhos
para estas músicas, aquilo não era mais do que um puzzle, (não de
nove peças mas de cinco mil peças), que não estava minimamente
construído. Eu olhava para aquilo e não me parecia ser um disco que
pudesse ter uma união. Com o passar do tempo, com o afinar de cada
uma das músicas, com a procura do arranjo correto (algumas dessas
músicas têm cerca de 70 melodias), toda essa busca por esses sons é
como se o puzzle tivesse ficado todo bem construído. Quando
coloquei o puzzle na capa foi para, conceptualmente, as pessoas
terem uma ideia do disco, mesmo sem o ouvirem. O pegar em diversos
bocadinhos de músicas que tinham sido feitas em diversos momentos
da minha vida, nos últimos anos, e fazer disso algo que parecesse
coeso. No fundo, um puzzle bem construído.
Este
projeto vai a caminho de uma década de existência, começou em 2005,
desde essa altura foram várias as internacionalizações e já visitou
palcos em diversos pontos do planeta. Essas vivências ajudaram-no
de alguma forma a construir as novas músicas?
Tudo aquilo que tenho feito, quer os
concertos, as experiências em cinemas, em teatro, para além das
minhas próprias músicas e dos concertos em Portugal, influenciam
sempre a pessoa que sou e consequentemente as músicas que faço. Uma
ou duas músicas deste disco foram feitas numa tournée de concertos
pela Alemanha. Todas essas vivências, os muitos sítios em que se
conhecem muitas pessoas, se fala com pessoas de países diferentes,
acabam por ser experiências de tal forma gratificantes e que
preenchem tanto, que mesmo inconscientemente acabam por ter uma
contribuição muito forte para as músicas.
Para um
músico é gratificante participar em bandas sonoras e em peças de
teatro, enquanto desafios diferentes?
Claramente, são desafios
diferentes. Em relação ao cinema e curtas metragens tenho vindo a
fazer algumas coisas. Em teatro, o ano que passou e este ano, fiz
três peças maiores e foram as minhas primeiras experiências. Foi
claramente um desafio que eu não sabia se ia conseguir superar ou
se tinha capacidades para o conseguir fazer. Felizmente, correu
tudo bem. Da parte do público e da crítica toda a gente gostou
muito da minha contribuição. Foram desafios que me fizeram evoluir
enquanto músico e enquanto imaginação de criação. É um ambiente
totalmente diferente, não é a mesma coisa de me sentar com a
guitarra. São dez autores à minha frente a dizer um texto e eu
tenho de fazer uma camada de música, ou um ambiente sonoro. É uma
dinâmica diferente de escrever uma canção. É quase um ponto a mais
que aprendi.
Na criação
dos instrumentais utiliza diversos instrumentos ou é algo
conseguido através de software?
Nunca uso software para fazer as
músicas. Todos os ambientes e aquilo que faço é com base em
instrumentos verdadeiros. Quando se entra pelo mundo do computador
e se usa software como instrumentos de música, acaba por haver um
infinito número de possibilidades. Isso a mim assusta-me um
bocadinho, não saber com o que se pode contar. Ao usar instrumentos
verdadeiros sei quais é que tenho e qual é a minha base de dados de
sons. Enquanto se usar um computador, acabo por ter uma panóplia
tão grande de instrumentos que me vou perder com o objetivo de ir
buscar o som que quero. Eu sei os sons que tenho, o que os meus
instrumentos fazem, a partir daqui vou construir os sons que
consigo imaginar.
Ao usar
apenas os instrumentos conhecidos é ainda mais gratificante chegar
ao resultado final?
Para qualquer músico conseguir dar
um bom uso aos instrumentos que vai comprando ao longo dos anos é
sempre gratificante. Para mim, que sou quase um colecionador de
instrumentos, sempre que consigo usar um desses instrumentos, ou
justifico uma compra numa música, é sempre muito bom.
No
dia-a-dia costuma cruzar instrumentos que por norma não são
utilizados no processo criativo de músicas?
Tudo o que tenho no estúdio (que é
um espaço pequeno lá em casa) vejo como sendo instrumentos.
Por exemplo, numa das minhas
músicas como percussão uso o som de uma máquina fotográfica; numa
outra canção usava o som de um tiro de uma pistola. São sons que, à
partida, não são de instrumentos musicais. Mas tudo o que tem som
pode ser visto como instrumento musical. Hoje em dia, acabo por não
distinguir muito bem o que são os instrumentos musicais. O
instrumento que domino menos é a bateria, porque é dos poucos que
não tenho em casa. Acabo por usar os fechos de malas e portas para
fazer as percussões. Não são instrumentos ditos normais, mas como
fazem som ganham essa designação.
O tema "I
Was trying to Sleep When everybody Woke Up" apresenta um
interessante naipe de convidados especiais, nomeadamente: Rita
Redshoes, Luísa Sobral, Francisca Cortesão, entre outros. Foi
interessante ter estas colaborações extra?
Estas colaborações acabaram por se
juntar todas nesta música, o segundo single. É um single que fala
da importância das pessoas na nossa vida, sabermos que temos
pessoas à nossa volta com as quais podemos contar. Quando percebi
que essa era a temática que a música estava a tomar (ao contrário
das outras em que é tudo mais solitário), achei que faria sentido,
num determinado momento, a minha casa ser "invadida" por um grupo
de amigos, que cantam comigo o resto da música. Foi muito bom e deu
um cunho especial a essa música.
Entrevista: Hugo Rafael (Rádio Condestável)
Texto: Eugénia Sousa
Fotos: Direitos Reservados