Entrevista

Entrevista
35 anos de ligação com a Música

Luís Represas e João Gil.jpgGravar um álbum é a melhor forma de comemorar os 35 anos de carreira como músico?

É um prazer muito grande estar a partilhar convosco o que está na génese, tudo o que aconteceu connosco. Foi a celebração do ano redondo de 35 anos, em que fizemos uma série de concertos de Trovante. A nossa Editora lançou-nos um desafio, a mim e ao Luís, em vez de celebrar cada um por seu lado, juntarmo-nos e fazermos um disco de originais. Foi um desafio muito bem posto, mais desafio do que uma encomenda, porque um disco de originais é sempre uma prova muito difícil. Voltamos outra vez à estaca zero, apesar de termos uma história em comum, muito bonita, os Trovante, que durou 15 anos. Já passaram 20 anos, voltarmos a trabalhar tantos anos depois é sempre uma coisa muito arriscada. Mas, ainda bem que o é, gosto desses riscos.

No que toca às actuações ao vivo com os Trovante, nos momentos em que subiram ao palco e reuniram a velha equipa, não houve muita nostalgia à mistura?

Há sempre uma situação, por um lado, estranha porque de repente estamos ali outra vez todos juntos. Mas, estes anos depois mostraram que o material que fizemos naquela altura é um material muito novo. Sentimos todos que aquelas canções e aqueles arranjos podiam ser tocados como nós os tocávamos na altura. O que aconteceu foi uma espécie de viagem ao passado, tentar reconstituir tudo exactamente ao pormenor. Tentamos reconstruir como se fosse um puzzle, com as peças espalhadas em várias caixas e juntamos tudo. Esse lado tem algo de nostálgico, porque passaram esses anos todos, mas não foi assim que nós vimos aquilo, foi mais uma celebração maravilhosa de quem está vivo ainda.

Dos 15 anos de carreira dos Trovante quais são as melhores memórias que guarda?

São tantas. Os primeiros espectáculos dos Trovante foram fantásticos. Estávamos a começar, subíamos ao palco brancos, como a cal, de medo e de pavor mas depois deu-se uma evolução e o prazer de iniciar uma profissão nova. Foi nos Trovante que nos tornamos profissionais e de certa maneira acompanhamos o evoluir do país. O país a ficar mais abastecido de meios e mais forte.

A edição do recente disco pode dizer-se que foi uma prenda perfeita para o 35º aniversário de carreira?

Prefiro pegar numa boa memória, como foi o caso. Eu e o Luís temos muita coisa a ver um com o outro, a todos os níveis. Somos velhos amigos, nunca deixamos de nos ver, aqui e acolá subir ao palco um do outro. Lembro-me perfeitamente de um espectáculo que o Luís estava a fazer no Casino do Estoril, eu estava na assistência, e lá subi ao palco e fizemos 45 minutos os dois, só com duas violas. Foi inacreditável.

Quando nos foi lançado este desafio sabíamos que havia um território muito grande onde poderíamos passar. Há um conjunto de canções na música portuguesa que na voz do Luís voa mais alto. É também uma maneira de lhe retribuir, as minhas canções, no início, se não tivessem tido aquela voz, não teriam ido tão longe. Devo isso ao Luís, e o Luís, provavelmente, também me deverá qualquer coisa (Risos). Quem ouvir este disco todo vai sentir uma cumplicidade muito grande. Vai sentir "estes dois entendem-se". Somos uma equipa que adquiriu automatismos muito fortes e já joga de olhos fechados, quando chegam bolas, já sei por onde o Luís se vai desmarcar.

Existe muita cumplicidade entre os dois...

Há uma infância musical que nos marcou bastante. Partilho aqui, com os nossos leitores, quando estávamos a fazer a 125 Azul. Estávamos na praia, na Costa da Caparica, a falar da placa, da campa do James Dean, que diz: «Deus tem os que mais ama». Lembro-me de partilhar com o Luís e dele começar a falar do ponto preto e da sensação de felicidade e de fuga para a frente e de ver o alcatrão e das ondas de calor e aquilo bateu-nos tão forte que saímos dali, e de repente estávamos no estúdio, ainda cheios de areia, a gravar 125 Azul. Quem faz isto consegue dominar o mecanismo de construir qualquer coisa a partir de uma folha em branco. Isto chama-se fazer uma parceria e este disco reflecte isso mesmo. O trabalho de dois, ainda, putos, que conseguem o talento de fazer qualquer coisa a partir do zero.

Esse talento continua activo e a prova é esse primeiro single o Sisudo Amável?

É uma canção que partilhamos, os homens, com as mulheres do país, que achamos que se devem entregar mais e deixar cair as máscaras e viverem mais intensamente. Entregarem-se do ponto de vista emocional, físico, a todos os níveis. É uma canção positiva, que põe as pessoas a sorrir. Foi essa a nossa ideia, abrir uma janelinha de alguma luz, numa altura difícil. Nesta altura não nos apetece nada ser coveiros, puxar mais para baixo e ser uma má notícia. Queremos sorrir e ser uma boa notícia para os portugueses.

Ao longo do alinhamento deste mais recente registo encontram-se vários temas com ritmos diferentes, desde o lado intimista com o piano até ao lado acústico e também um conhecido poema de Camões num ritmo surpreendente. Foi divertida aquela experiência?

Foi uma experiência muito boa O Amor é Fogo que Arde Sem se Ver, do Luís de Camões. Habituámo-nos a ver nos nossos heróis da História, que marcaram Portugal no mundo, e entre nós, como algo inatingível, que está ali numa tumba fria, num panteão, longe das pessoas, num manual escolar, uma lenda absolutamente inalcançável. Não vejo nada assim a História, não partilho dessa maneira um pouco "virtual" de ver a História. Os nossos heróis eram pessoas como nós e o Camões adoraria ver Este Amor é Fogo que Arde Sem se Ver e partilhar connosco esta maneira mais afro e lusófona. Camões é uma espécie de Padrão, de todos os ângulos de visão, de todas as latitudes, onde se fala português. É essa a perspectiva que temos da língua portuguesa e da nossa História, algo que deve sair das tumbas e deve ser partilhado, vivido, reciclado e reinventado. Não posso dizer que Camões está vivo (Risos), mas assim, desta maneira, continua vivo.

Dado que está parceria esta a resultar muito bem, tendo em conta os 35 anos de carreira, esta dupla Luís represas e João Gil poderá continuar no futuro?

Poderá continuar sempre. Nós não fizemos agora uma espécie de grupo novo, fizemos este trabalho que nos vai proporcionar algo inacreditavelmente forte, a possibilidade de fazermos música de Trovante com toda a legitimidade, somos os donos, em conjunto com os nossos colegas. Somos autores de grande parte do repertório, o Luís é o intérprete de quase todo o repertório, os dois juntos temos essa legitimidade. Depois temos as canções que o Luís fez a solo e continua a fazer, que são incontornáveis, a Feiticeira e outras, e, pelo meu lado, junto-me a esta festa também e nem sei o que hei-de escolher (Risos). Já fiz algumas viagens que marcaram a música portuguesa e tenho muita honra em poder juntar aqui alguma da minha história, desde Os Loucos de Lisboa, ao Deixa-te Ficar na minha Casa, uma canção que gostaria também de fazer neste espectáculo. E depois há este disco, estamos aqui a falar de quatro partes que formam um todo. Este espectáculo é uma grande travessia e uma viagem que acho vai surpreender as pessoas.

Entrevista: Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa
Fotos: Direitos Reservados
 
 
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