Na Voz de Kalú
O baterista da banda rock mais
emblemática do país, lançou-se numa aventura a solo como vocalista.
O trabalho discográfico chama-se Comunicação. Kalú fala
da produção do disco, apoios, concertos e da família musical,
há mais de 30 anos, os Xutos e Pontapés.
O título deste novíssimo registo
é Comunicação. No nosso país, a comunicação é um problema, as
pessoas falham nessa vertente?
Nos tempos que vivemos, apesar de
termos muitos meios de comunicação, cada vez nos isolamos mais.
Comunicamos uns com os outros, dentro das nossas casas, através de
redes sociais. Eu vejo pelos meus filhos, tenho exemplos vivos ao
pé de mim. Antigamente, para sabermos as novidades era preciso sair
à rua e não havia nada melhor do que uma boa conversa de café. Daí
o título, mas não é só esse motivo. O outro motivo é a proximidade
que agora estou a ter com as pessoas, ao tocar em clubes
pequenos.
Este disco de estreia era uma ideia que estava há muito na
gaveta?
Nunca foi uma prioridade na minha
vida. As coisas aconteceram agora porque os discos dos Xutos são
mais espaçados no tempo. Estamos a fazer discos de quatro em quatro
anos, o que me deixa mais tempo para fazer alguma coisa para mim.
Os Xutos estão na fase de começar a fazer um novo álbum, mas
durante o ano e meio que passou não estávamos com muito trabalho.
Daí ter avançado.
Reuniu uma equipa interessante para este disco. O produtor
é o Ramón Galarza, na composição há um elemento muito especial que
deu também um bom contributo…
O meu filho Vasco. Tive de me
reunir de pessoas muito chegadas a mim, mesmo o Ramón considero
família. Temos as nossas inseguranças, nunca se sabe se as coisas
estão boas ou más. Com estas pessoas muito chegadas a mim sabia que
ia ter opiniões sinceras e que me iriam ajudar muito na
concretização do trabalho. O Ramón Galarza foi o primeiro a ser
contactado. É um amigo de longa data, desde o tempo do disco 88 dos
Xutos. Depois, foi o meu sobrinho Marco Nunes, que é o guitarrista
do Pedro Abrunhosa. É um excelente músico que me ajudou muito na
organização das músicas; e o meu filho Vasco que se predispôs
imediatamente a fazer as letras, que eram a minha grande
preocupação.
As
músicas são inspiradas com a veia do som dos Xutos e Pontapés, o
que constitui concerteza uma mais valia?
É inevitável. Os Xutos são a minha
outra família. Trabalho com eles há 34 anos, aprendi tudo o que sei
com o Tim, o Zé, o João e o Gui. As pessoas não estranhem ouvir uma
música do meu disco e dizerem "isto podia ser perfeitamente música
dos Xutos". É absolutamente normal. É uma mais-valia.
Ao
longo do processo criativo os outros elementos dos Xutos e Pontapés
acompanharam o crescimento das canções e emitiram a sua
opinião?
Não fui mostrando muito, só quando
as coisas estavam mais concluídas. Um bocadinho por vergonha. O Tim
deu-me uma ajuda muito grande, por exemplo, no tema Comunicação.
Quando mostrei o trabalho, o Tim virou-se para mim e disse "Tu
cantas muito melhor do que isto, tens de ir ao estúdio cantar outra
vez". Voltei atrás e consegui fazer uma interpretação muito melhor,
do que a que tinha.
Este trabalho representa uma mudança de posição, passa da
bateria para o microfone. Foi fácil essa transição ou um desafio
tremendo?
Foi um desafio tremendo. Apesar de
nos Xutos, de vez em quando, fazer uma aventura à frente. É um
número esporádico. Vou à frente, venho para trás, resolvo
rapidamente esse problema. Agora não, tenho de estar lá à frente,
com as pessoas a olhar para mim, completamente exposto, sem saber o
que hei-de fazer às mãos, porque estou com o micro. Mas arranjei
soluções: as pandeiretas e a harmónica. Até toco guitarra, em duas
músicas, coisa quase impensável. Há um desafio enorme, mas penso
que estou a conseguir superar.
Os
dois singles deste registo já são conhecidos, há algum tempo. Um
dos temas tem claramente uma componente de intervenção. Em
Portugal, essa componente está adormecida?
Sim. Os nossos cantores que tinham
esse cunho de músicos de intervenção estão um bocado parados.
Qualquer de nós, artistas, tem o dever de expôr o que se passa.
Somos como as outras pessoas, andamos aqui no meio, vemos as
coisas, mas temos uma vantagem sobre toda a gente, temos tempo de
antena. Por isso, é bom falarmos nas coisas, pôr no ar aquilo que
talvez toda a gente queira dizer, e não tem hipótese. Cada um tem o
seu cunho, sobre o que gosta de falar. Eu sou muito da componente
de intervenção, também pela minha vivência, trabalhei em fábricas,
em câmaras frigoríficas. Sempre tive isto da justiça social.
O
rock é dominante neste disco. Este estilo de música continua com
grande força em Portugal?
A música em Portugal está super
viva. Só quem não está atento é que não vê. Temos bandas, de norte
a sul do país, sempre a produzirem em áreas muito da pop e do rock
e, também numa área muito crescente, o hip hop. Posso dizer nomes:
Capitão Fausto, Julie & the Carjackers, Bisonte, Frankie
Chavez, um homem dos Blues, que também participa no disco. Há
muita produção. O rock sempre fez parte e fará do panorama musical.
Por vezes, não será o mais propício para tocar aqui ou ali, e, são
bandas como os Xutos e Pontapés que conseguem fazer chegar o rock a
toda a gente.
Com
a actual situação de crise em Portugal, é um cidadão preocupado com
o estado do nosso país?
Completamente. Isto não anda nada
bem para ninguém. E o que mais me chateia, no meio disto tudo, é a
impunidade com que as coisas se passam em Portugal. Ninguém é
"chamado à pedra".
Este cenário também prejudica os músicos em
geral….
Sim, o trabalho tem diminuído.
Felizmente, os Xutos têm mantido mais ou menos o mesmo número de
concertos. Mas há colegas nossos que sofrem imenso com esta
crise.