Buraka Som Sistema
Dos Subúrbios para o Mundo
No alinhamento das
próximas actuações vão estar em destaque os temas do mais recente
registo do vosso colectivo, Komba?
Exacto. Foi um disco que nos deu
muito prazer gravar e criar. Estávamos numa altura em que já era
possível ter mais certezas daquilo que éramos, enquanto banda. O
disco veio solidificar essa identidade do grupo. Hoje, estamos
muito mais preocupados em nos mantermos fiéis ao som de Buraka, não
sermos tão influenciados por géneros externos àquele que já
desenvolvemos desde From Buraka To The World e Black Diamond.
Estamos muito mais felizes com o que conquistamos e conseguimos
realizar em termos sonoros. O disco veio separar as águas, ou seja,
daqui para a frente as coisas vão estar mais nesses moldes:
ultrapassamos as modas, a necessidade de estar sempre a inovar. A
inovação solta-se, essencialmente, em depurarmos cada vez mais
aquilo que nos define, enquanto banda.
O mais recente registo conta com um
interessante naipe de convidados nacionais, como Sara Tavares e uma
mão cheia de interessantes artistas internacionais. Como foi feita
a escolha destas colaborações?
As colaborações são feitas de uma
forma bastante orgânica. Primeiro criamos a canção, a base.
Pensamos em conjunto, todos os membros da banda tem um contributo
bastante importante, naquilo que é o produto final. À medida que a
canção vai sendo desenvolvida, sentimos a necessidade de ter um ou
outro convidado que venha acrescentar algo que não temos à mão, que
não conseguimos encontrar dentro do seio grupo. Então, recorremos a
outra pessoa que vem dar aquilo que a canção precisa. Os nossos
convidados não estão aqui pelo currículo, o nome que têm, ou a
posição que ocupam dentro da música. Mais famosos, menos famosos,
isso não nos interessa. No caso da Sara Tavares, precisávamos de
alguém que estivesse familiarizado com as sonoridades africanas.
Embora a canção não tenha de forma óbvia aquela sonoridade que ela
explora. Mas, é uma cantora que tem aquele registo perfeito, tem
uma musicalidade interessantíssima em termos melódicos.
Precisávamos alguém com essas características. Desafiamos o artista
a dar o seu melhor, dentro de um universo que não lhe é
familiar.
O mais
recente disco do vosso colectivo, Komba, vai a caminho de um ano de
edição. Estão satisfeitos com o sucesso alcançado em termos de
vendas e de Singles?
Nós nunca medimos o sucesso pelo número de vendas. Somos uma
geração de músicos que acredita que o sucesso são pessoas a
ouvirem, não necessariamente a comprar os discos. Por essa razão
estamos satisfeitos, estão a ouvir os discos. Vamos aos canais do
Youtube e as pessoas deixam notas positivas nas nossas músicas. O
facto de termos chegado às pessoas e de elas terem absorvido mais
esse trabalho, para nós é sucesso. As vendas são um detalhe
importante, somos ambiciosos. ir para estúdio, e, por vezes,
algumas soluções técnicas, têm custos. O acto artístico tem custos.
As vendas fazem falta para colmatar isso, não necessariamente para
nos encher o ego. Isso conseguimos encontrar junto das pessoas e de
forma "gratuita", entre aspas. Estamos satisfeitos com o que o
disco alcançou. Não só conseguimos chegar às pessoas de forma
directa e imediata, há também o lado das vendas. Não representou um
prejuízo, embora tenha sido o disco mais caro que fizemos até
agora. Levou bastante tempo produzir e envolveu casas no Algarve,
estúdios em Lisboa, estúdios em Londres.
A Internet tem uma fase positiva e
outra negativa: a fase positiva da promoção, por outro lado; a
pirataria, os downloads ilegais, por outro. Qual é a vossa visão
sobre os prós e os contras da Internet?
Solidificamos a nossa posição no
mundo, por causa da Internet. Desde a altura do MySpace temos vindo
a utilizar e a reciclar a Internet, a encontrar novas formas de
estar, digitalmente. Não é tudo. Continuamos a ser uma banda que
gosta de estrada, de tocar ao vivo, de estar perto das pessoas.
Mas, quando falamos de territórios como a América Latina, onde os
nossos discos são editados de forma bastante inconsistente, sem uma
editora por trás a investir e a fazer com que haja uma distribuição
mais extensiva por todo o território, que é um continente enorme, o
facto de estarmos na Internet e os discos estarem disponíveis de
forma ilegal, faz com que a pessoas, quando vamos tocar, por
"exemplo" à Colômbia, ao Brasil, estejam nos nossos concertos,
saibam como são as canções. Não é ideal a forma como a Internet
está, como lidamos com a Internet. Principalmente, no que toca aos
músicos que dependem da sua música para sobreviver. Temos de
encontrar o equilíbrio. Pretender proibir a pirataria acho que é
quase impossível.
Buraka Som
Sistema, com o Kuduro progressivo, trouxe algo de novo para o
cenário da World Music. O factor surpresa e que diferencia o som
pode estar na base do sucesso?
Todos os que chegam têm de trazer
algo de novo para apresentar. Não nos considerámos uma banda de
Kuduro progressivo, essa não é a nossa bandeira. Abraçamos as
músicas criadas nos subúrbios desse mundo fora. Olhamos para o que
se faz em Baltimore, em Joanesburgo, no Rio de Janeiro, e Caracas
ou Luanda esse é o nosso mote, a nossa filosofia. Se quisermos
entender o que Buraka é, é simplesmente uma recolha de músicas
feitas nos subúrbios do mundo, dadas de forma que nos parece lógica
e não pura. Em 2006, quando aparecemos com o projecto kuduro, este
era o género mais inexplorado no subúrbio. Para nós, sendo
lisboetas, vivendo em Lisboa, sendo um género de música muito
presente na cidade era quase natural começarmos por aí, já que era
o género que não estava exposto. Não era conhecido no seu esplendor
pelos portugueses. Era uma música para entreter, da forma mais
lúdica e parva, possível. Sem nunca encontrar o seu valor enquanto
inovação musical. Mas, olhamos para ele e descobrimos esse público
que torna o Kuduro único e interessante, enquanto música.
Colocamo-lo na mesma posição de outros géneros que vem do mesmo
quadrante, dos subúrbios, dos guetos ou das favelas, ao mesmo nível
das Dance Music consagradas, como o Techno ou o House. Algo mais
mainstream, que chega dos circuitos normais: Nova Iorque, Chicago,
Berlim, Londres. Tornar isso um povo só.
O vosso
colectivo preencheu um vazio que havia na produção de Dance Music
em Portugal e conseguiu impulsionar outros projectos que apostam na
Dance Music…
Portugal tem uma produção de Dance
Music bastante grande e à escala do país. Nós temos 11 milhões de
habitantes. Só Paris têm mais habitantes que Portugal. Olhando para
o número de discotecas, de norte a Sul, há consumo de música de
dança. Temos por exemplo o DJ Vibe. Eu cresci a ouvir DJ Vibe no
Alcântra Mar. Para mim era um rito, era importante consumir aquela
música. Só que a Dance Music sempre foi um nicho, nunca se tornou
mainstream, ou ganhou um Globo de Ouro, por exemplo. O que nós
fizemos, enquanto banda, foi sair da tenda de música de dança, do
clube e passamos para o palco principal. Tornamo-nos mainstream.
Pegamos nesse género que estava relegado para clubes muito
pequenos, mais pequenos até do que aqueles onde nos habituaram a
consumir House ou Techno e expusemos a públicos maiores. Já
aconteceu tocarmos depois de Bob Dylan. Colocamos a nossa música a
pessoas que nunca iriam para uma tenda de música de dança, nem um
clube. O que demonstramos é que também existe música de dança feita
em Portugal. Ela acontece, está saudável.