Entrevista
O Fado de Cuca
Foi gratificante ver um trabalho que
demorou cerca de um ano a preparar chegar este mês de Maio às
lojas?
É muito gratificante. Nós fazemos
"coisinha a coisinha" e todos juntos tentamos dar o nosso melhor.
Especialmente neste trabalho, procurei fazer fados de raiz.
Mantendo a origem e o respeito pelo fado, este estilo de música que
tanto amo. Trabalhei para que chegue às pessoas a minha mensagem: a
importância que o fado tem para o nosso país; a beleza e a emoção
que passa.
Neste disco
há de certa forma o fugir do chamado "lugar de conforto". É uma
interessante aventura este risco calculado?
Eu nunca lhe chamo "risco", aquilo
que os outros chamam "risco", eu chamo experiência. Mesmo que erre,
ou falhe alguma coisa, isso dá-me experiência para depois fazer
melhor. Quando alguém diz " risco" ficamos com medo de seguir o
nosso instinto, de partilhar alguma coisa que queremos partilhar.
Sou um pouco aventureira, nesse sentido, e firme. Tinha uma
mensagem a passar em relação ao fado e aventurei-me a fazer os meus
próprios fados e letras. Os fadistas deviam aventurar-se mais. Há
muitos fadistas a escolherem compositores novos e letristas, para
criar fados originais. Porque não serem eles próprios a criá-los e
haver um bocadinho mais do próprio artista no fado? Esta é uma
música que vai ao fundo da alma. É completamente pura, crua e
verdadeira. É preciso tentar que exista uma entrega ainda maior,
para além da interpretação. Nesse sentido, fui levada pelo destino
a fazer "Raiz".
O título
seleccionado para este registo chama-se Raiz. É essa profundidade
que tentou explorar no Fado?
Sim. É a minha raiz, mas é também o
respeito pela raiz do fado, em algo novo. E raiz de Portugal, no
estrangeiro, porque este disco será internacional. Já tenho tours
agendados, para 2013 e 2014. Gosto muito de levar a nossa música, o
nosso país e a nossa cultura, para o estrangeiro. Raiz é um título
que encaixou perfeito na minha personalidade e na mensagem que
queria passar. É a pureza e a verdade de um género musical que não
tem maquilhagem, nem produção nenhuma. Vejo esta personalidade do
fado, pura e crua, também ligada à natureza, que é a essência das
coisas. Raiz é a metáfora perfeita para título deste disco.
Há
diferenças entre este trabalho e o disco de estreia, nomeadamente
na aventura de criar a letra e a música, da maioria dos temas. Há
também algumas participações especiais, o Tozé Brito, por exemplo,
e, uma surpresa, o André Sardet…
Gosto muito do André e da sua
música e achei que os dois juntos íamos conseguir criar um fado. O
André é de Coimbra e eu gosto muito do som da guitarra e do fado de
Coimbra. O tema não é um fado de Coimbra, é um encontro entre a
guitarra de Coimbra e o fado de Lisboa; e o encontro entre uma
música do André e uma letra minha. É o fado do Perdão, ficou muito
bonito. Têm de ouvir, o André fez um fado maravilhoso.
O primeiro
avanço deste disco já é conhecido há algum tempo. Tem recebido
críticas positivas sobre esse single?
Tenho recebido críticas muito
positivas e inesperadas, (não que estivesse à espera de más
críticas). Eu vivo um bocadinho o momento e realizo o meu sonho
todos os dias, quando sinto que posso dedicar-me ao máximo à
música. Enquanto estamos a trabalhar diariamente, nas músicas e nos
concertos, não vemos as coisas que estão a acontecer, ao mesmo
tempo. A música está a passar em muitos sítios, e de repente
recebemos mensagens maravilhosas, por exemplo, na página do
Facebook. É uma alegria imensa. Este disco tem tido uma aceitação
muito bonita por parte da imprensa, dos fadistas e das pessoas que
gostam do fado.
Os fadistas
portugueses arriscam pouco? Têm algum receio de inovar?
Não existe medo de inovar. Os
fadistas estão próximos uns dos outros e somos todos amigos. O meio
é pequeno e acompanho quais são as novas ideias que surgem nos
discos dos meus colegas. Aqueles que gostam e podem escrever,
escrevem. Por exemplo, a Aldina Duarte escreve maravilhosamente
bem, e canta os seus próprios fados; a Mafalda Arnaut já compôs
fados bastante ouvidos; a Carminho também escreveu letras próprias.
Vão surgindo a pouco e pouco. Em vez de irem buscar poemas mais
antigos, encontram essas histórias dentro de si próprios, para que
os jovens também se identifiquem mais com o fado. Para mim, também
foi uma surpresa, mas espero que possa influenciar os meus colegas
a seguirem esse caminho. Todos os fadistas procuram cantar a
verdade. É muito "giro" quando estamos a cantar a verdade, vinda
quase da nossa pele, em que as histórias surgem de "nós".
Já estão
definidos os países onde vai ser editado o álbum Raiz?
O primeiro país onde vai ser
editado é a Holanda. Depois, penso que será a Bélgica, o Luxemburgo
e a Polónia. Os Holandeses admiram muito o fado. É muito
gratificante, lá fora as pessoas admirarem uma cultura e um país,
que alguns fazem parecer frágil e fraco, mas que não é. Temos
coisas fantásticas. Podemos estar a passar uma fase mais triste e
difícil para todos, mas temos outras coisas que são únicas.
Isso dá uma
vontade redobrada para mostrar as novas composições, ao vivo, no
estrangeiro?
Sim. Eu sou muito patriota. Gosto
muito de Portugal e de ir lá para fora com algo que é nosso. É
quase como cumprir uma missão. Nós os fadistas, como o fado é muito
requisitado no estrangeiro, somos obrigados a cumprir essa missão.
Levar este género musical que é só nosso a milhões de pessoas. É
como se não houvesse fronteiras no mundo, como se a nossa língua
fosse uma "língua da alma". Seja qual for a cultura, a mensagem
passa. Isso é incrível.
A recente
"prenda" dada ao fado, pela Unesco, veio de alguma forma contribuir
para a internacionalização dos fadistas portugueses? Há um maior
interesse no estrangeiro pelo fado?
O Fado já era património da
Humanidade, só faltava ser reconhecido. As pessoas conhecem o fado
fora de Portugal, já o procuram e ouvem, quase como uma música que
têm em casa. Levam já este país e esta cultura com eles. Mas também
chegou a muitas pessoas, que ainda não o conheciam, com esse
reconhecimento e esse respeito. As pessoas ouvem o fado pela
primeira vez e dizem-nos que percebem porque é património da
Humanidade. Existe esse reconhecimento que o Fado tanto merece.
Hugo Rafael (Rádio Condestável)
Texto: Eugénia Sousa
J. Vasco