Entrevista

The Legendary Tigerman
«As canções são organismos vivos»

interior.jpgUma viagem ao mítico deserto americano de Joshua Tree serviu de inspiração para o novo álbum de Legendary Tigerman, alterego de Paulo Furtado. Em entrevista, o músico português conta como aprofundou a relação com o rock'n'roll e porque, pela primeira vez, surge acompanhado em disco e em palco.

«Misfit» é o teu novo trabalho discográfico. O que podes dizer sobre ele?
Não é apenas um disco. É um projeto multidisciplinar com um conceito que vai além de um álbum. Começou com um filme que foi filmado no deserto de Joshua Tree [intitulado «Fade Into Nothing»]. O disco é de certa forma escrito pelos olhos do personagem principal desse filme, a quem eu dou corpo e que se chama Misfit. Há muitas coisas que têm a ver com a minha vida, mas também há muitas referências ao cinema e à viagem aos Estados Unidos. É, de certa forma, um disco de viragem para mim. É o primeiro disco que gravo fora do formato de homem-orquestra. Até aqui, quer em estúdio quer ao vivo, gravava apenas todos os instrumentos que pudesse tocar ao mesmo tempo - essa era, em parte, a prerrogativa do projeto. Isso foi-se alterando no último disco ao vivo de uma maneira muito orgânica, quando comecei a tocar com o Paulo Segadães (bateria) e o João Cabrita (saxofone barítono). Senti que estávamos a criar uma sonoridade nova, a qual eu queria desenvolver. É a primeira vez que as pessoas vão ouvir Legendary Tigerman fora do formato 'one-man-band'. É um disco gravado a três, sendo que ao vivo tocamos em quarteto porque sentimos a necessidade de ter baixo.

Como foi abandonar o formato de 'one-man-band'?
Foi uma coisa bastante espontânea. Como já tocava naquele formato desde 1999, foi um processo de saturação e cansaço. Sempre gostei de criar algumas limitações que pudessem levar-me a forçar os limites do ponto de vista criativo, mas creio que com o passar do tempo comecei a achar que o conceito de 'one-man-band' era demasiado solitário, sobretudo ao vivo. Com a entrada dos novos músicos, conseguimos criar uma sonoridade diferente de tudo o que eu fiz antes.

E que outras novidades traz o disco?
São muitas. É fundamental ouvir o disco para as perceber. Ao longo do tempo tenho feito um caminho que tem muita a ver com o blues, o rock'n'roll e de certa forma o punk-rock. É um caminho que tento reinventar a cada disco. Procuro reinventar-me não só a mim, mas também à música e ao projeto. Ao mesmo tempo há uma linha condutora bem definida e que é muito minha.

Se tivesses de definir numa ou duas palavras este trabalho quais seriam?
Rock'n'roll. E chega (risos).

O álbum tem 11 temas que foram dados a conhecer de forma pouco usual: com filmes, textos, fotografia. Como foi pensada a promoção do álbum?
O que há de bom nos tempos que correm é que já não há uma maneira certa ou errada de fazer as coisas. Por exemplo, começámos a tocar o disco na íntegra em julho do ano passado, no Super Bock Super Rock, o que é algo impensável. Mesmo assim o concerto correu muito bem e foi interessante ver a adesão do público. Ao mesmo tempo, tal como disseste, houve pequenos extratos no Spotify, com textos explicativos das canções. Interessante é também o modo como as canções crescem ao vivo, porque já as tocávamos mesmo antes do disco estar cá fora. Isso fê-las crescer. Não sou daqueles que toca sempre as canções da mesma maneira. Para mim, as canções são organismos vivos: gosto de as ver crescer e até de forçar esse crescimento. Com isso, o espetáculo ao vivo já vem bem rodado, constituído por músicas deste disco e músicas de outros discos, revisitadas enquanto quarteto.

Portanto, esta é também uma outra forma de apresentar as músicas mais conhecidas.
Sim. No fundo é um processo que está sempre a acontecer. Neste momento as músicas estão a crescer muito ao vivo. Acho que esta turné é o melhor espetáculo que alguma vez fiz. E estou muito feliz com o modo como têm corrido os concertos.

Nesses concertos, pelo menos em alguns deles, há uma particularidade interessante: na compra de um bilhete oferece-se o CD do novo álbum. Qual é o objetivo?
É uma coisa que tenho feito desde há alguns discos. É um modo de presentear as pessoas com esse objeto para elas poderem levar a música para casa. Eu continuo a ser um homem de objetos, apesar de considerar que o streaming também é fundamental. Continuo a acreditar que os objetos valem a pena. A decisão de editar os discos em formato físico é um esforço grande que fazemos, mas para mim é importante.

Entrevista: Ricardo Coelho (Rádio Castelo Branco)
Texto: Tiago Carvalho
Fotos: Facebook Oficial
 
 
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