António Macedo, Jornalista
Educação penaliza quem tem mérito
«O Sporting está como o País»
É uma das
mais inconfundíveis vozes das manhãs da rádio, primeiro nos míticos
anos de fundação da TSF e mais recentemente até à actualidade, na
Antena 1. António Macedo mostra-se muito pessimista em relação ao
futuro de Portugal, considerando que o Sporting, o seu clube do
coração, está como o país, nas mãos dos gananciosos e dos
capitalistas. O jornalista reconhece ainda que o ensino melhorou
substancialmente em termos de infraestruturas, mas lamenta que os
professores continuem a ser uma classe desvalorizada. Macedo
denuncia que esquecidos no meio da «guerra» de palavras entre
docentes e a tutela tenham ficado os alunos, os verdadeiros
prejudicados com as convulsões que continuam a abalar o sector.
A 29 de Fevereiro, de
1988, lança, às 7 da manhã, a notícia «paz no fisco durante três
meses». Era o início da TSF, ainda na era pirata. Como viveu este
momento histórico?
Eu estava descontente com a
rádio, por ser demasiado amadora, e a TSF correspondeu a um
ressuscitar do meio radiofónico, com uma cultura completamente nova
e profissional. Tratou-se de um fenómeno absolutamente
extraordinário, que começou por ser uma rádio local pirata e depois
progrediu, de forma imparável, por esse país fora. O dia 29 de
Fevereiro foi intensíssimo, após 2 meses a trabalhar contra a
parede, como se diz na gíria, testando diversos modelos.
Naquele momento foi meter em prática o
modelo julgado ideal e colocá-lo à consideração do
ouvinte.
A equipa fundadora da TSF Rádio
era muito jovem na altura. Hoje, a maior parte, são jornalistas ou
decisores de proa em diversos meios de comunicação. Qual é a
explicação?
De facto cerca de 95 por
cento era gente nova, entre técnicos, animadores e jornalistas,
formada integralmente pela própria TSF, no curso ministrado pela
rádio. Tirando os já veteranos de então, o director Emídio Rangel,
que "meteu a panela ao lume", David Borges, Carlos Andrade,
Francisco Sena Santos, Luís Marinho, Jerónimo Pimentel e eu
próprio, todos os outros eram miúdos de 21/22 anos formados no
primeiro curso da TSF. Conheci-os ali. Estou a lembrar-me do Miguel
Barroso e do José Fragoso, hoje ambos com cargos de direcção na
RTP, João Almeida, hoje na direcção da Antena 2, Ana Margarida
Póvoa e o José Manuel Mestre, dois repórteres de grande nível hoje
na SIC.
Emídio Rangel foi o homem
do leme de dois projectos decisivos no panorama audiovisual
português, a TSF e a SIC. Como o define?
Rangel é um visionário no
melhor sentido da expressão. Um verdadeiro sonhador e aventureiro,
com a característica acrescida de conseguir motivar como ninguém as
equipas que liderava, independentemente das discussões e polémicas
que foram alimentadas. Relativamente à TSF viu muito mais longe do
que toda a gente. Foi o seu trabalho de fundador, e a forma como a
equipa por si escolhida executou o que ele idealizou que permitiu
que a rádio de informação, 23 anos depois de ter sido criada, se
mantenha uma referência. Pode ter algumas oscilações, mas conserva
o registo e o ADN de sempre.
A TSF marcou uma época no início dos
anos 90, colocando políticos em antena às 7 da manhã, espalhando
repórteres pelo mundo onde havia a notícia e com slogans muito
chamativos. A diferença residiu aqui?
O paradigma da rádio em
Portugal foi completamente alterado com o nascimento da TSF. Na
altura existiam projectos de informação com alguma qualidade, mas
demasiado acomodados. Lembro-me da Renascença, da Comercial e
também da Antena 1, que pecava por emitir informação algo
estatizada e hierarquizada. A TSF rompeu com isso. O noticiário
tanto podia abrir com um tema de política ou de internacional.
Recorrendo a uma imagem de fácil apreensão, uma pedra solta na
calçada podia ser mais importante que uma audiência entre o
primeiro-ministro e o líder da oposição. Era a materialização do
tal slogan que saiu da cabeça do Paulo Bastos, um dos miúdos da
fornada fundadora: «Por uma boa história, vamos ao fim da rua,
vamos ao fim do mundo».
A cobertura do incêndio do
Chiado e da guerra do Golfo são dois acontecimentos de referência
na afirmação da rádio. Como recorda esses
momentos?
Na guerra do Golfo lembro-me
que quando acordei de madrugada o conflito já tinha rebentado e fui
logo para o estúdio fazer o horário da manhã. A redacção do 7.º
andar da Torre das Amoreiras fervilhava e fizemos uma emissão
non-stop durante quase 24 horas. Mas recordo, em termos do que pode
ser considerada uma emissão maratona, o buzinão na ponte 25 de
Abril, no verão de 1994. E, não menos importante, e recuando às
origens, a 2 de Março de 1988, em pleno cavaquismo, 48 horas depois
do início da TSF, cobriu-se a greve geral durante todo o dia, de
uma forma muito arrojada para a altura. Quando havia noticia que se
justificasse os directos mantinham-se em permanência, rompendo-se
com a lógica dos noticiários de hora a hora, que se resumia à
leitura de comunicados e informações à imprensa. Obviamente que o
incêndio do Chiado foi outro momento marcante. A TSF foi a primeira
a dar a alarme, durante a madrugada de 25 de Agosto de 1988,
através do repórter Nuno Roby, que passa perto do local quando
regressava a casa. O Rangel reuniu as tropas em pouco tempo e
fez-se uma emissão memorável.
Ficou célebre a dupla que
fez em antena com o jornalista Francisco Sena Santos, agora
retirado do meio radiofónico. Como foi trabalhar com ele na
coordenação das manhãs informativas?
Costuma-se dizer que não há
insubstituíveis, mas o Sena Santos é insubstituível. Tem qualidades
e uma maneira única de comunicar, aliado a um espírito vivíssimo e
culto, sempre atento aos detalhes. Ele conseguia a partir do nada
construir uma noticia com interesse e fundamento. Em termos de
comunhão em antena, não tenho dúvidas em afirmar que foi o grande
companheiro que eu tive.
O advento das televisões privadas mudou
muito o panorama mediático. As rádios perderam alguma da influência
e das audiências que tinham. Concorda que se perdeu alguma da magia
do éter?
A magia e o mistério da rádio
foram perdidos há muito tempo. A ideia do artista da rádio e da
caixinha mágica que tem lá dentro os senhores a cantarem e a
falarem morreu há muito. A rádio hoje tem outra função e utilidade,
tem outras exigências e responsabilidades. Se quiser deixou de ser
um mero meio de puro entretenimento, mas foi-se refinando em termos
de importância e responsabilidade social. Dou-lhe o exemplo da
tragédia da Madeira, a 20 de Fevereiro de 2010, onde foi a
informação útil e preciosa difundida pela rádio que salvou vidas,
uniu pessoas e minorou razoavelmente o impacto dos fatais
acontecimentos. A rádio ainda tem meios, alcance e uma genuinidade
que outros órgãos de comunicação social não dispõem.
A rádio já não se ouve
apenas no rádio de pilhas, também é possível aceder através da
internet. Como vê este novidade?
A rádio não tem que temer o
poder da internet, deve vê-la como uma oportunidade. Só tem a
lucrar com isso, pois é possível chegar com mais facilidade às
pessoas, em directo ou em diferido, mantendo as suas
características essenciais e adaptando-se à especificidade da net.
Hoje é seguramente mais fácil sintonizar a Antena 1 em Washington
do que há seis anos atrás.
O serviço público de rádio completou
recentemente 75 anos. Cumpre-se na prática o que está no papel?
O conceito de serviço público é
muito vago. O que é claro é o contrato de concessão estabelecido
entre o Estado e a empresa RDP, existindo nesse vínculo, direitos e
deveres. Neste particular devo dizer que é escrupulosamente
respeitado e, em muitos casos, largamente superado, nomeadamente em
termos informativos e na vertente cultural. Dou o exemplo da
obrigatoriedade de emitir música portuguesa cumprindo as quotas
mínimas estabelecidas.
O director da RDP, Rui
Pêgo, chamou-lhe recentemente uma «lenda viva» da rádio. Fica
embaraçado ou orgulhoso?
Já cá estou há muitos anos
(risos). Não quero estar com falsas hipocrisias, mas depois da
morte do António Sérgio sou provavelmente o último radialista no
activo e a tempo inteiro de uma geração de ouro. Para se conseguir
algum nome no meio rádio são precisos muitos anos, repetir,
insistir, etc. É a repetição sistemática e sucessiva de pessoas e
acontecimentos que acaba por fidelizar públicos.
O FMI aterrou em Portugal
e parece que veio para ficar. Como vê o País neste
momento?
É uma crise existente, mas é
uma falsa crise, porque foi provocada pela ganância e pelo
capitalismo desenfreado. Admito que foram acumulados erros na
gestão do país, mas o cerne do que estamos a sofrer resulta da
forma como a Europa dos 27 e o mundo estão organizados. E da enorme
especulação. Há um ano atrás seriam muito poucos os portugueses que
sabiam o que eram as agências de rating, Fitch, Moddy's e Standard
& Poor's. A primeira coisa que eu perguntei na redacção foi:
«Quem é esta gente», «quem manda nisto»?
Está a dizer que estamos a
ser vítimas fáceis dos especuladores?
Eu recomendo vivamente
que quem perdeu a exibição no cinema, veja o filme «Inside
Job», onde se retratam os verdadeiros contornos dos bastidores da
crise que atravessamos. 48 horas antes do colapso do Lehman
Brothers, que foi o primeiro dominó a cair e que arrastou outros, o
rating deste banco era A-A-A, o máximo. Então são estas agências
que monitorizam a dívida pública portuguesa e aferem a
credibilidade das nossas contas públicas?
Mas todo o mal que nos
assola resulta do exterior? Onde ficam as culpas
próprias?
A crise não é de agora.
Retrocedo a 1999, quando o "bondoso" engenheiro Guterres, então
primeiro-ministro, numa longa entrevista à revista «Visão», disse
não estar nada preocupado com o endividamento das famílias
portuguesas. Antes pelo contrário. Cito de memória as suas
declarações, em que o endividamento era um «sinal positivo» da
afirmação saudável da economia. É verdade que os portugueses
viveram este anos todos acima das suas posses, mas será só culpa
deles? E o papel dos bancos que facilitaram o acesso indiscriminado
ao crédito fácil? Disso ninguém fala…
Está pessimista com o
futuro do país?
Eu com a minha idade não vou
ver o país recuperar, nos próximos 15/20 anos. O meu objectivo
principal é colocar a minha filha de 18 anos fora de Portugal.
Desisti completamente do meu país. Mas acredito que há países do
mundo onde o mérito é valorizado. Aqui vive-se um dia de cada vez.
Por vezes, nem isso.
Um sector fulcral como a
educação tem vivido sob grande turbulência. Que radiografia faz do
actual sistema educativo?
Digam o que disserem,
nomeadamente em termos de infraestruturas, o ensino melhorou muito.
A minha ex-mulher é professora de ensino secundário e talvez por
ter lidado de perto com a classe considero que, no essencial,
desempenha de forma competente a sua função. Só que até há poucos
anos nunca tiveram grandes meios para trabalhar. Relembro que as
escolas eram locais absolutamente odiosos para estudar e leccionar.
Um verdadeiro crime. Na «guerra» de argumentos que se tem
vindo a travar estou do lado da Fenprof, mas só lamento nunca
ter ouvido as estruturas sindicais tecer uma palavra relativamente
aos estudantes. Nunca. O professor é desvalorizado em
Portugal, mas a acção concreta das entidades que defendem os
docentes nunca projecta a sua reivindicação para o lado do
estudante e, no fundo, para a valorização dos que estão a
aprender.
Há quem diga que é
impossível implantar uma reforma em Portugal.
Subscreve?
Os professores nunca
recusaram ser avaliados, não queriam era o modelo que lhes estava a
ser imposto por uma tutela desastrosa liderada por Maria de Lurdes
Rodrigues - Entretanto substituída, devido à proximidade de
eleições. Creio que o principal problema é não se saber o que se
quer reformar por não se ter avaliado ainda o que é preciso mudar
no ensino. Há programas curriculares completamente desadequados às
necessidades de aprendizagem de alunos. Para além disso, não se
pode continuar a premiar os maus alunos e a prejudicar os que têm
mérito. Vou dizer algo profundamente reaccionário: no ensino
secundário recuava no tempo até meados dos anos 70 e começa tudo da
estaca zero.
Foi criado um grupo no
Facebook que apoiou a sua candidatura a presidente do Sporting.
Queria mesmo lutar pela cadeira do poder de
Alvalade?
Essa iniciativa teve um misto
de brincadeira e seriedade. O objectivo foi criar algo que levasse
a prender a atenção da comunicação social e me desse a palavra para
me pronunciar sobre este momento tão difícil do clube do meu
coração. O Sporting vai continuar a afundar-se e o único problema
está longe de ser os maus resultados do futebol. O clube está
como o país, refém da ganância e do dinheiro e nas mãos de uma
entidade bancária. O drama é este: o Sporting endividou-se para
construir um património imobiliário e hoje não é dono desse
património. Ao clube pertence uma bancada e o relvado do
estádio. Já para não falar da ruinosa política de transferências da
"geração de Alcochete" que foi completamente desbaratada.
Apoio este
presidente?
O meu voto foi em Bruno
Carvalho, acho que corporizava um novo paradigma. Dependendo dos
resultados da equipa de futebol acho que a direcção de Godinho
Lopes resistirá, pelo menos, um ano. Se correr mal, vamos para
eleições e o projecto de ruptura acabará vitorioso nas
urnas.
A CARA DA NOTÍCIA
António Macedo nasceu em Lisboa, no dia 4 de
Novembro de 1950. Nas ondas do éter passou pela Rádio Universidade
e Rádio Clube Português, antes de voar para Angola onde no início
dos anos 70 torna-se profissional. Regressa a Portugal em 1975 para
integrar a equipa da Rádio Comercial, onde fica até 1987. Após um
ano de paragem, ingressa na equipa fundadora da TSF. Sai mais tarde
para fundar o efémero projecto da Central FM. Regressa à TSF e
volta a sair para os corredores da Sampaio e Pina para animação na
Rádio Nostalgia. Em 2003, entra na Antena 1, onde ainda se
mantém nas manhãs da rádio, entre as 7 e as 11. No jornalismo
escrito foi fundador dos jornais «Sete» e «Jornal de Notícias
da Tarde» e da revista «Mais». Foi chefe de redacção do jornal do
«Sporting» e colaborou nas revistas «Flama» e no semanário «O
Jornal», dirigido por Joaquim Letria. Na televisão, fica na memória
de todos a locução no concurso «1,2,3», em parceria com Carlos
Cruz. Em termos académicos, tem um bacharelato em jornalismo na
Universidade Livre de Bruxelas.
Nuno Dias da Silva
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