Entrevista a David Fonseca
A primavera segundo David
Acumula 14 anos de carreira e é uma
das vozes mais respeitadas do panorama musical nacional. David
Fonseca faz da música um «hobby permanente» e o mais recente álbum
é a primeira parte do seu diário musical, que no Outono terá
continuidade. Em entrevista ao "Ensino Magazine", o ex-vocalista
dos "Silence 4" fala da violação dos direitos de autor, da
nostalgia do vinil, do desemprego jovem e da escolaridade como arma
política.
"Seasons:
Rising", o seu quinto álbum de originais, foi editado no primeiro
dia de Primavera e vai ter sequela no Outono, com "Falling".
Partilha da opinião da crítica que este é o seu trabalho de maior
maturidade criativa e artística?
Por princípio não costumo ligar
muito à crítica, mas para começar é algo perigoso empregar a
expressão «maturidade», porque normalmente está associada ao fim da
carreira de um músico (risos). Bem, falando mais a sério, a minha
vontade principal é criar música, realizar-me pessoalmente em cada
trabalho e no fim fazer um balanço positivo. Depois de um disco
lançado não o consigo avaliar. Prefiro deixar isso ao critério do
público.
Está há 14
anos no activo, primeiro com os "Silence 4" e de há uns anos a esta
parte numa carreira a solo. É mais difícil atingir o topo ou manter
de forma regular um bom nível de empatia com o público?
O caso dos "Silence 4" foi a todos
os títulos inédito. Chegou-se ao topo logo na estreia, de forma
inesperada. E toda a gente tem a noção que é impossível estar a um
nível alto sistematicamente. Mas o que é mesmo difícil, sendo para
mim a maior exigência, prende-se com a necessidade de manter a
seriedade e a coerência artística ao longo do tempo. Isso são
valores muito mais importantes do que o sucesso e a fama rápidos.
Nunca pensei fazer da música a minha vida, mas agora ela é uma
espécie de hobby permanente.
Este disco
é pouco convencional, em forma de diário, e muito electrónico e
conceptual, recorrendo a sonoridades muito apelativas. Com que tons
pintou a sua Primavera do ano passado?
Este disco é o meu diário musical de
2011, tendo composto a maior parte das canções durante a
digressão. Como começo o projecto pela Primavera é natural que este
disco tenha uma dose de energia e motivação redobrada. As músicas
de "Falling", a editar no outono, já estão feitas, falta apenas
gravar. Posso garantir, desde já, que é natural que seja um
trabalho discográfico mais reflexivo, contemplativo, numa toada
mais dura.
O seu disco
também foi editado em vinil. Pode-se falar que em plena idade
digital, estamos a assistir a uma onda revivalista que
conquista adeptos?
Espero que seja uma tendência que
volte a afirmar-se e a ser bem sucedida. Só compro vinil de
há 3 anos a esta parte, mas desde então praticamente nunca
mais adquiri CD's.
Nos últimos tempos assistiu-se, por assim dizer, à banalização do
CD, que é tocado quase exclusivamente pelo MP3 ou pelo computador.
As aparelhagens praticamente deixaram de tocar música. Penso que as
pessoas se saturaram desta desmaterialização e querem tocar no
disco. O vinil é visto como um objeto de culto, algo que diz muito
aos verdadeiros amantes da música. E vejo com agrado que se
regresse à afeição por ter um LP na estante do quarto ou da sala. É
uma espécie de ideia nostálgica da música que triunfa.
Nota-se que
a produção deste disco nas mais diversas plataformas foi muito
cuidada. Descobriu uma atleta de salto à vara na internet e
convidou-a para entrar nas filmagens de "What life is for". Qual
foi a ideia que presidiu à concepção do vídeo que já tem mais de
100 mil visualizações só no You Tube?
Não foi nada fácil conceber este
vídeo. Pensei numa modalidade desportiva que significasse uma
ideia de superação, ir mais longe, mais alto. No fundo, fazer algo
de sobre humano. O salto à vara pareceu-me a escolha mais
consentânea. A Marta Onofre é campeã de sub-23 e vice-campeã
nacional de seniores e personificou na perfeição o que se pretendia
dela. É uma campeã que demonstrou a concentração que um desportista
tem nos momentos de alta competição.
Este disco
foi lançado em Espanha, a 27 de Março, à semelhança do que
acontecera com os seus anteriores trabalhos, "Dreams in colour" e
"Between waves". Neste passo mais que dá rumo à internacionalização
da sua carreira qual o motivo que esteve na aposta no país
vizinho?
Pela proximidade e por ser mais
fácil fazer digressões e promoções. Sou um defensor da ideia
ibérica, acho que o mercado dos países da península devia ser
ibérico. Para já ainda não estão agendados concertos, mas está tudo
em aberto.
Já o
criticam menos por só cantar em inglês?
Isso nunca acalma, apesar de ter
tido uma experiência em português com os «Humanos». Mas adorava
gravar um disco integralmente na minha língua. É um desafio, até
porque foi um "território" que ainda mal pisei.
Tem
participado activamente em representação da Associação Fonográfica
Portuguesa em reuniões sobre questões relacionadas com os direitos
de autor e a pirataria. O que é possível fazer para travar a
multiplicação de ilegalidades e atropelos?
Tem faltado, sobretudo, vontade
política para atacar o problema. Estou frontalmente contra a ideia
feita que a música não tem valor e não é preciso pagar para ouvir
canções. Não concordo com esta forma de consumir música, ainda para
mais quando, para além dos cantores e compositores, há centenas de
pessoas que dependem desta indústria, desde a área comercial,
produção, etc. O Estado tem que intervir de forma determinada nesta
matéria. A questão dos direitos de autor é inalienável e deve ser
defendida cada vez com mais veemência.
Eu sou autor, compositor e cantor e entendo que se não se
recompensar os autores pelo seu trabalho, mais tarde ou mais cedo
eles vão desaparecer, mesmo que tenham a consolação que 10 milhões
de pessoas conheçam as suas músicas. Só que não chega.
Que apelo
gostaria de deixar aos actores políticos?
Que façam rapidamente uma lei que
proteja os autores e a propriedade dos autores.
Defende a
criminalização exemplar?
Não creio. Há actos que acontecem
na sociedade que foram interiorizados que podem ser socialmente
aceitáveis. Veja o que acontece e aconteceu na TV e no cinema. Mais
um motivo para entender que a criminalização seria desajustada, mas
é urgente legislação para que se perceba com clareza o que é a
pirataria, como funciona, quem lucra e quem sai lesado. Sei que
será uma luta longa, mas com força de vontade e pedagogia vamos lá
chegar.
A crise
está ai e para durar. De que forma é que o meio artístico se
ressente da austeridade?
Ela é transversal e vai obrigar a uma
grande ginástica por parte de todos os que vivem, directa ou
indirectamente, deste sector. No meio artístico reflecte-se no
número de concertos, no volume de discos vendidos, etc. A música,
como não é um bem de primeira necessidade, é relegada para um plano
secundário. Contudo, a crise ainda não condiciona a composição
musical. Pelo contrário.
A juventude
tem estado na berlinda, a sofrer na pele uma tremenda taxa de
desemprego. Pode dizer-se que esta é uma "geração traída" por ser
das mais bem apetrechadas cultural e tecnicamente, mas que menos
oportunidades tem tido?
Não, essa é uma expressão demasiado
forte. Antes de traída, esta geração deve ; sentir-se revoltada.
Criou-se uma expectativa desmesurada de que a um curso superior
correspondia uma saída profissional para todos. E não foi assim.
Assumiu-se algo que não se podia prometer, foi um erro. Eu também
estive num curso superior, em cinema, e já na altura a expectativa
de ter um emprego estável não era completamente garantida. Os meus
pais, ele bancário e ela professora primária, entretanto
reformados, tiveram o mesmo emprego ao longo da vida. Isto hoje em
dia não é possível.
Há
esperança para um futuro pintado em tons de negro?
Aos 17,18, 19 ou 20 anos o futuro
pode ser qualquer coisa. O desemprego duradouro veio para ficar,
mas os sonhos não podem morrer. Não há altura melhor do que a
juventude para lutar contra a adversidade. E estou convicto que a
força juvenil, através da participação cívica e social, vai gerar
progressos relevantes.
A
"primavera juvenil" na Europa pode acontecer inspirando-se na
"primavera árabe"?
A "primavera juvenil" já acontece
aqui e ali, só que através de actos isolados. Falta uma ideia e uma
mobilização organizada. Tem, contudo, de partir primeiro do
indivíduo após uma reflexão sobre o que pretende fazer para mudar o
estado de coisas. Seja o que for. Lutar, ficando por cá, lutando e
saindo do país em busca de outras oportunidades. No actual contexto
todas as situações devem estar em aberto. Veja que eu estudei
cinema e acabei a fazer música, uma actividade que agarrei com toda
a força. É o tal hobby a tempo inteiro como lhe falava no início da
nossa conversa.
O
"Sexta-Feira» de Boss AC e "Parva que eu sou" dos Deolinda, são
hinos desta geração. Acha que estamos perante músicas de
intervenção social?
Não considero que sejam músicas de
intervenção. Foram bandeiras de descontentamento e hinos de
manifestações concretas. São canções do universo pop musical e em
que as pessoas se revêm na carga de uma mensagem que penetra
fortemente no espaço social e público. Dou-lhe um exemplo que
retrata o que lhe acabo de dizer: há semanas estive num casamento e
dançou-se a música "Sexta-feira" do Boss AC, como se fosse música
de discoteca…
Tem passado
a imagem que a Escola em sentido amplo está em crise. Resultados
pobres, indisciplina dos alunos, professores desmotivados. Acha que
este é um quadro fiel?
Acho que há muito exagero na
descrição que é feita pela comunicação social e agora ampliada
pelas redes sociais e pela própria internet. Há profissionais
incríveis que todos os dias acrescentam valor à nobre missão de
ensinar, e sei do que falo porque a minha mãe toda a sua vida foi
professora primária. Estou em crer que a indisciplina sempre
existiu, só que dantes não era um fenómeno muito badalado. E também
é preciso ver que a escolaridade é hoje uma arma política.
Mesmo com
alguma instabilidade, a Escola consegue cumprir a missão de
preparar os cidadãos para a vida?
É nos bancos da escola que se
aprendem as bases para uma interacção social capaz. Esta
responsabilidade é fulcral, até porque sou da opinião que os jovens
são moldados entre os 18 e os 20 anos, altura em que se define o
carácter. Um dos erros do sistema é que se normalizou uma certa
ideia de ensino. A escola não deve estagnar, não pode amarrar os
miúdos a uma forma antiga de ensino e, acima de tudo, deve
contribuir para exultar a individualidade e as potencialidades de
cada jovem enquanto aluno.
Nuno Dias da Silva
Universal Music Portugal