Maria João Lopo de Carvalho
Antes marquesa do que rainha
Maria João Lopo de Carvalho tem cerca de 40
títulos publicados, muitos dos quais dedicados à literatura
infanto-juvenil. É autora da série juvenil 7 Irmãos, colecção
recomendada pelo Plano Nacional de Leitura. Escrever para a
infância é a sua "zona de conforto", a literatura para um público
adulto é encarada como um desafio. Marquesa de Alorna (Oficina do
Livro) é o seu primeiro romance histórico e um propósito que vem da
adolescência, escrever sobre esta personagem da cultura portuguesa
do século XVIII, que esteve ligada à criação das Escolas Femininas
em Portugal. No seu estilo desarmante e bem-humorado a autora
afirma não estar mais na disposição de escrever "romancezinhos de
cordel" e ter definitivamente enverdado pela linha do romance
histórico.O próximo romance será também sobre uma personagem
histórica feminina portuguesa, por revelar, com data de publicação
para o próximo ano. A convite da Escola EB João Roiz em Castelo
Branco a escritora deslocou-se à Escola, onde apresentou Marquesa
de Alorna e falou com o Ensino Magazine.
Escreveu um
livro de cerca de 700 páginas sobre a Marquesa de Alorna. Como é
que surgiu o interesse por esta personagem Histórica?
Não são 700 páginas, são para aí
600, porque o resto é bibliografia. Mas enfim, um livro grande, um
livro de um quilo, sobre a Marquesa de Alorna. Porque sempre vivi a
minha adolescência, em idade adulta, mesmo em criança, as férias
grandes, os fins-de-semana maiores, as férias da Páscoa, Natal, na
casa que foi da Marquesa de Alorna. O meu bisavô comprou uma
propriedade aos decendentes da Marquesa de Alorna, e como só teve
uma filha, que era a minha avô, obviamente em linha directa passou
para os netos todos, que são 15 accionistas neste momento. Já há
cinco gerações. A casa onde ela morou é agora a casa onde nós
passámos grande parte do nosso tempo, por isso é óbvio que há uma
influência directa da Marquesa, na nossa família. Não só em mim,
mas em todos os que dormimos lá. Sou talvez a única que seguiu um
curso de letras, tenho livros publicados, e portanto era natural
que fizesse um livro sobre a Marquesa. Sempre o disse, mesmo quando
tinha 15 anos.
A Marquesa
de Alorna podia ser uma mulher deste século?
A Marquesa de Alorna é uma mulher
deste século. É uma mulher intemporal, de todos os séculos. O que
ela não era, era do século XVIII. O único século de onde não
poderia ser, foi o século onde teve o infortúnio de nascer.
Ela tinha uma determinação e uma tenacidade absolutamente
invulgares de mudar o estado de coisas. Percebeu que ia romper com
muitas das tradições e com muito do que estava estabelecido. A
força que ela teve a mudar o Ensino em Portugal, a criar as Escolas
Femininas, a romper com o estabelecido nos canônes da poesia; em
política, a tentar salvar o Portugal, as suas convicções e as suas
tradições, e ao mesmo tempo dar-lhe um ar de liberdade e de
novidade, com os ideais da revolução francesa. Eu acho que ela
pertencia ao nosso tempo, e não ao século XVIII.
A História
de Portugal têm mais personagens que a fascinem a ponto de voltar a
escrever outro romance histórico?
Farei tudo menos rainhas, como eu
digo. As rainhas são-no porque nasceram rainhas, não por mérito
próprio.As mulheres tão importantes que fui descobrindo, quando fiz
a pesquisa, são todas biografáveis, por exemplo: a Maria Amália Vaz
de Carvalho, a Luísa Todi, a Luísa Sigeia, a Josefa de Óbitos. Mas
a próxima, que não vou dizer publicamente qual é, todas as mulheres
portuguesas se identificam. Vai ser, no Natal de 2013.
Literatura
juvenil ou literatura para um público adulto, em qual dos dois
registos se sente mais confortável?
É a mesma coisa que perguntar se
gosto mais da mãe ou do pai (Risos). Não sei. A minha praia é a
literatura infanto-juvenil, porque faço com muita facilidade,
sinto-me muito confortável a fazer, não exige esforço e como
ando numa vida tão atarefada, em escolas, em visitas de autor, em
todos os trabalhos que tenho de encomenda, a literatura
infanto-juvenil é uma distracção para mim.É tão divertido para eles
ler, como para mim escrever. Claro que tem essa função lúdica mas
tenho sobretudo a convicção que com a minha escrita consigo pô-los
a ler e a gostar de ler. Não faço um esforço, estou muito dentro do
que eles gostam, tenho muito convívio com eles, como professora
também. A literatura para adultos é um desafio e por isso é tão
redentor fazer para crianças como para adultos, no sentido em que é
difícil, exige esforço. Não vou fazer mais romancezinhos de cordel,
optei por seguir esta linha mais histórica, até porque eu também
aprendo. É um desafio ensinar e eu própria aprender com isso. Fazer
com que o público goste e se interesse e sobretudo melhorar e
crescer na parte literária.
A
experiência enquanto professora ajudou-a a escrever a colecção 7
Irmãos?
Imenso. A experiência enquanto
professora, enquanto chefe dos escuteiros, mãe, tia, enquanto
organizadora de festas de aniversário, que era o que fazia em
miúda, tudo isso me ajudou e me ajuda todos os dias. Tenho um
bocadinho aquele complexo de Peter Pan, nunca cresci o suficiente e
portanto estou muito dentro do que eles acham divertido. A parte
iconoclasta, contrariar os canonês todos, fazer as partidas que os
miúdos adoram, fugir da Escola à noite, desobedecer, e por outro
lado depois sofrer as consequências disso. No fundo é isso que
retrata os 7 Irmãos, é a rotina quotidiana dos miúdos.
O que é que
pode cativar os jovens para as histórias dos livros?
Divertirem-se, só. Acho que não há
mais nada que os cative senão a diversão. Eles têm diversão muito
facilitada com imagens, com a televisão, os computadores, os
telefones. Eles vivem num mundo de imagens. E para lhes dar um
mundo de letras que não tem imagens, só podemos ir por um lado, que
é a parte lúdica. Estar bem escrito, passar valores, mas
sobretudo ser um livro divertido, porque senão não vão pegar
naquilo.
Ter livros
recomendados pelo Plano Nacional de Leitura aumenta a
responsabilidade na hora de escrever?
Quando ainda não entramos no Plano
só temos uma ideia, entrar no Plano; quando estamos no Plano, não
podemos conceber fazer um livro que não entre para o Plano.Claro
que é uma responsabilidade, mas uma responsabilidade partilhada.
Nós escrevemos, temos as ideias, mas temos um Editor, temos um
recuo, que nos vai chamar à razão. Já aconteceu várias vezes
irmos por temas fracturantes, nos livros dos 7 Irmãos, e a editora
não achou que era aconselhável para miúdos tão pequenos falarmos
daqueles temas e termos de reescrever metade do livro. Temos sempre
uma rede, que nos ajuda e nos aconselha e por isso estamos
confiantes. Se algo não estiver bem, ou adequado, para a
faixa etária que é, obriga-nos a reescrever. Mas claro que é uma
responsabilidade.
Obedece a
uma rotina de escrita?
Completamente. Não há cá
inspiração, há transpiração. Essa é a desculpa dos preguiçosos,
desculpas para quem não quer trabalhar. Ao princípio comecei por
encarar a escrita como hobby, agora com a fasquia mais alta e
com estes prémios - o ano passado, Os 7 Irmãos, como o melhor livro
infantil da Sociedade Portuguesa de Autores, e este livro da
Marquesa, como personalidade literária do ano - fizeram com que
pensasse no que poderia fazer em termos futuros. A parte escrita
para mim, hoje em dia, é um trabalho como dar aulas, ou outra coisa
qualquer.
As redes
socias estão a roubar tempo ao livro? Andamos mais ocupados a
escrever do que a ler?
Andamos mais ocupados na solidão,
do que na companhia. As Redes Socias são um embuste para mim, e
perde-se um tempo infinito, sim. Roubam muito tempo aos livros,
muito tempo à leitura e são muito viciantes. Queremos estar com
pessoas, virtualmente, porque a vida atarefada não dá para estar
todos os dias e acabamos por estar sozinhos em frente a um
computador a partilhar as vidas, a solidão. Então, solidão por
solidão, antes a solidão acompanhada de um livro, que não é solidão
nenhuma.