Cinema
In Memoriam Manoel de Oliveira
Quando em 1998
iniciámos esta coluna no Ensino Magazine, a escolha recaiu em
Manoel de Oliveira, no ano em que o cineasta fez 90 anos. Voltámos
a este vulto maior do cinema, quando fez cem anos. E, para sua e
nossa satisfação, comemorou o centenário de vida a fazer aquilo que
mais gostava: filmar. "Singularidades de uma Rapariga Loira", foi o
filme que Oliveira viu estrear em 2008, adaptação de um conto de
Eça de Queirós, com Ricardo Trêpa, neto do realizador, e Catarina
Wallenstein.
Nascido no Porto, a 11 de dezembro
de 1908 (registado a 12) cedo decidiu que o seu futuro estaria nas
fitas. Primeiro, entrando nelas. Por isso se inscreveu na Escola de
Atores de Cinema, fundada naquela cidade por Rino Lupo, um italiano
ligado aos primeiros tempos do cinema português através da Invicta
Filmes e em cujo filme, "Fátima Milagrosa", de 1928, Oliveira se
estreia como figurante. Do outro lado da câmara começa em 1929 a
rodagem de "Douro, Faina Fluvial", juntamente com o seu amigo,
António Mendes, fotógrafo e guarda-livros de profissão. O filme, um
marco do neo-realismo português, estreia, na sua versão muda em
Lisboa, em 1931, no V Congresso Internacional da Crítica. Como
hoje, o filme foi recebido com violentas críticas nacionais e o
aplauso dos estrangeiros, um estigma que não o largou mais, ou
melhor, teima em não largar.
A sua primeira longa-metragem,
"Aniki-Bóbó", estreia em 1942. A história da crítica repete-se. Um
dos mais belos filmes da história do cinema só é reconhecido e
aplaudido anos mais tarde. Mas, não são só os críticos. O Fundo de
Cinema recusa vários projectos seus e a hipótese de abandonar o
cinema é pensada. Porém, felizmente para ele e para nós, a sua
persistência venceu tudo e todos. A expensas suas, tudo
sacrificando, desloca-se a Itália e à Alemanha para estudar a cor
no cinema. Com material por ele adquirido realiza, em 1956, "O
Pintor e a Cidade", com o aguarelista António Cruz, filme pioneiro
da introdução da cor em Portugal. Seguem-se, numa penosa travessia
do deserto, alguns documentários até ao aparecimento, em 1962, de
"O Acto da Primavera", a sua segunda longa-metragem e que vai
significar a consagração internacional do realizador, premiado no
Festival de Siena com este filme, igualmente exibido em Veneza.
A obra de Manoel de Oliveira passa
no Festival De Locarno, Suíça, onde é homenageado, o mesmo
acontecendo, em 1965, na Cinemateca de Paris e em Lausanne. Apesar
deste reconhecimento lá fora, Oliveira só volta a realizar nova
longa-metragem em 1971, curiosamente "O Passado e o Presente",
adaptação da peça homónima da autoria de Vicente Sanches, um autor
albicastrense. Na altura, em dezembro, Joaquim Cabeças, elabora um
trabalho exaustivo sobre a carreira cinematográfica do "jovem"
Manoel de Oliveira, na altura com 62 anos, a propósito das
filmagens que decorriam em Castelo Branco. Foi nas páginas do
extinto "Beira Baixa" que se ficou a conhecer melhor a vida e a
obra deste cineasta. Na altura não se podia saber, mas foi este
filme que relançou Oliveira. Durante largos anos, com o estatuto de
o mais antigo realizador em funções, fazendo o seu cinema, sem
cedências, que se não as fez antes, agora já não precisava de as
fazer, dando-se ao luxo de, desde 89, fazer um filme por ano,
acumulando sucessivos prémios ao longo da sua longa da sua
extensíssima carreira, de Cannes a Veneza, de Locarno a S. Paulo,
de Montreal a Berlim, e outros, que a lista é longa.
Na altura da nossa primeira crónica
sobre o cineasta, a sua filmografia ia nas quase duas dezenas de
longas-metragens. Assinalámos então "Inquietude", de 1998, como a
sua última fita. À semelhança do que então escrevemos, manteve
quase até ao fim o seu ritmo de um filme por ano. "A Carta" (1999),
foi o filme que se seguiu, para em 2000 homenagear o Padre António
Vieira em "Palavra e Utopia". Com Michel Piccoli faz "Vou Para
Casa", de 2001, sobre o desafio de um velho actor que tem que
cuidar do neto e se lhe coloca a decisão de ter que pôr um ponto
final na sua carreira. "Porto da minha Infância" 2001, "O Princípio
da Incerteza" 2002, de novo adaptando Agustina Bessa Luís, "Um
filme falado", 2003, "Quinto Império", 2004" e "Espelho Mágico",
2005, ainda e sempre Agustina, a sétima adaptação que Oliveira faz
da escritora, são os títulos que assinou. Em 2006 é a vez de "Belle
Toujours", uma homenagem do realizador a Luis Buñuel, agarrando em
duas personagens de "Belle de Jour" que se encontram trinta anos
depois. Piccoli aceitou o desafio, Deneuve não. Foi assim uma
espécie de meia vingança. Em "Cristóvão Colombo - O Enigma", de
2007, Manoel de Oliveira vai no rasto de Colombo, seguindo a obra
de um casal de portugueses emigrados na América que dedicaram os
seus tempos livres a tentar provar a nacionalidade portuguesa do
descobridor da América. O realizador e a mulher, Isabel de
Oliveira, interpretam o casal. Mais uma incursão do mestre como
actor, afinal a sua porta de entrada no cinema.
Depois do referido "Singularidades
de uma Rapariga Loira", lançou-se, em 2009, a "O Estranho Caso de
Angélica", a história de um fotógrafo que é chamado para tirar uma
fotografia a uma jovem acabada de morrer, que parece ganhar vida
através da lente e que lhe vai atormentar a existência, um
argumento de sua autoria que o realizador há muito queria filmar e
que na altura afirmou ser um sonho que já não esperava concretizar.
Mas a sua obra não ficou por aqui. Em 2012 faz "O Gebo e a Sombra",
uma adaptação da peça de Raul Brandão, mais um grande filme do
mestre, de novo reunindo um naipe de actores de alto gabarito,
Claudia Cardinale, Jeanne Moreau e Michael Lonsdale, a que se
juntaram os portugueses e habituais habitantes das fitas de
Oliveira, Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra e Ricardo Trêpa, que
estreou no Festival de Veneza e no dia seguinte passou na
Cinemateca Francesa em Paris.
No ano passado saiu a sua última
obra, a curta metragem "O Velho do Restelo", "um mergulho livre e
sem esperança na História", para o qual são convocados, Camões, Dom
Quixote, Camilo Castelo Branco e Teixeira de Pascoais, que estreou
no Festival de Veneza e em Portugal no dia 11 de dezembro, dia do
aniversário do realizador.
A Parca veio buscá-lo no passado
dia 2 de abril aos 106 anos. Já o julgávamos imortal! E é!
Até à próxima, e bons filmes (já
agora, de Manoel de Oliveira).
Luís Dinis da Rosa com Joaquim Cabeças
Manuel de Oliveira, o Homem da Máquina de Filmar - Rute Silva Correia