Opinião

Opinião
A polémica entre os colégios e o ministério da educação. Um contributo para a reflexão.

rasteiro.jpgEste texto pretende, apenas, e só, acrescentar mais algumas variáveis à discussão sobre o assunto que tem estado na comunicação social nos últimos dias e que parece situar-se, unicamente, ao nível do entendimento jurídico e financeiro, ou mesmo numa lógica de visão mais ou menos liberal da administração da educação.

Temos, todos, consciência de que a educação é, nos nossos dias, uma das políticas públicas mais importantes, para os Estados, as comunidades, as famílias e as pessoas, pelo que a sua gestão talvez seja das mais complexas e com repercussões mais vastas no presente e no futuro das sociedades. Daí que as decisões que se tomam nesta área devam ser muito ponderadas, estudadas e fundamentadas com argumentos que possam ser os mais válidos e, se possível, os mais aceites pelas comunidades, evitando, a todo o custo, criar fraturas ou ruturas num domínio tão decisivo para a qualidade de vida das pessoas.

Ao Estado cabe, conforme quadro legal em vigor, garantir, por todos os meios, as melhores oportunidades e as mais adequadas respostas educativas, incluindo a regulação do sistema e dos seus vários intervenientes, no pressuposto de que a educação é um dos direitos inalienáveis do ser humano, consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (Artigo 26º) e nas constituições dos países. Com a evolução dos conhecimentos, dos conceitos e das sociedades, a educação foi ganhando uma gradual importância alargando, por diversas formas, os seus domínios de intervenção. Senão vejamos: passámos a falar de "educação para todos", de "educação inclusiva" de "educação não formal e informal", de "educação ao longo da vida", "das cidades educadoras", etc.

Isto significa que a educação rompeu definitivamente o espaço estrito da escola e tomou espaço na sociedade e nos seus vários domínios, mobilizando cada vez mais atores e participantes na construção de um processo societário, que vive e se alimenta das múltiplas trocas e interações que são, elas próprias, processos de aprendizagem que, conforme nos diz Castells (2006), "o saber está na rede". Neste sentido, poder-se-á afirmar com segurança que a educação, nas últimas décadas, seguiu um caminho que vai para além da Universalidade e da Obrigatoriedade e que é marcado pela Extensividade (do pré-escolar à universidade, do formal ao informal, da escola à cidade, etc.), a Amplitude (da instrução à educação, à formação ao longo da vida) e Equidade (diferenciar de modo a dar a todos o cada um precisa).

A educação, nos séculos XX e XXI, ganhou um estatuto de um bem público de primeira necessidade, de que todos necessitam para viver e para participar na sociedade, contribuindo com o seu talento, o seu saber, o seu modo de ser e de fazer. Deste modo, não se pode aceitar uma gestão altamente centralizada dos processos e dos sistemas, apostando-se, cada vez mais, numa gestão multinível dos sistemas em que deve participar a administração pública, as associações dos interessados, os centros de conhecimento que são as Universidades e os Politécnicos. Deve ser uma gestão que, ao mesmo tempo, deve ser macro, micro e meso sistémica, central e local. Em suma, pela sua importância estratégica deve haver espaços para a sociedade se poder envolver e estar envolvida nos desígnios da educação, pois deve ser um forte pilar do projeto de desenvolvimento das comunidades e dos países.

Logo, se estivermos identificados com este quadro de referência, a educação não se pode desligar da realidade das comunidades e dos territórios, pois é parte determinante do seu processo de construção, dado que os territórios físicos só podem acolher bem a vida humana se forem investidos de dinâmicas sociais, económicas, culturais e educacionais que, desse modo, têm um forte potencial identitário e de diferenciação e que, em si mesmas, constituem oportunidades e recursos educativos que fazem desses territórios melhores ou piores ambientes educacionais.

Não devemos esquecer, pois, que o território não é apenas um lugar ou um "chão", mas que existe também como lugar de experiências, de trocas e de sociabilização, ou seja, a qualidade do meio determina a qualidade de vida, incluindo a qualidade dos processos educativos.

Quem torna a educação num processo vivido e de aprendizagem não são apenas as variáveis de estrutura, como sejam os currículos, as escolas enquanto edifícios, os professores enquanto agentes do processo; mais importante que tudo isso, e isso sim é determinante, é o modo como se põe em prática o currículo, os recursos locais que lhe podem dar suporte; mais importante que as escolas em si são as dinâmicas comunitárias e a ligação ao meio que geram, na comunidade, o sentido de uma educação integrada e enraizada no território. Afinal, aquilo a que os autores chamam a "territorialização da educação", a tal rede de que falava Castells, de que as escolas fazem parte integrante, mas a que podemos acrescentar as ligações que têm aos clubes, às associações, aos múltiplos projetos que se geram, à animação socioeducativa que promovem, etc.

Voltando agora, de forma mais direta, ao nosso tópico de reflexão, o que parece subentender-se, é que as decisões que estão a ser tomadas não incorporam estas variáveis, na medida em que outros níveis da administração pública, como os municípios, não foram envolvidos, os próprios interessados e destinatários da decisão também não, e as componentes comunitárias, de que as escolas são responsáveis, também parece terem sido ignoradas, parecendo que transferir umas turmas de uma escola para outra será equivalente e resolverá o problema.

Quando os pais se manifestam e expressam a sua insegurança face às soluções, é este conjunto de coisas que está subjacente, pois existe a consciência que mesmo sendo só atravessar a rua para a escola pública alguma coisa se pode perder. Se encaramos a educação e a escola como um lugar, não apenas de instrução, mas, sobretudo, como um espaço de cultura, então, é todo um conjunto de coisas que se têm que levar em conta. Se encararmos a educação, não apenas como uma forma de transmissão de conhecimento, então, tudo o que são relações, afetos e processos de securização, são determinantes. Se encaramos a educação, não como um processo que diz apenas respeito à escola stricto sensu, então, temos de olhar para as variáveis de envolvimento como sendo determinantes da qualidade. Se encararmos a educação como um processo de equidade, então não se podem descurar todos os dispositivos de diferenciação pedagógica e de dispositivos de apoio à inclusão educativa e social.

O meu posicionamento pessoal não é olhar a escola pública versus escola privada, mas sim, a procura constante da qualidade da educação. Deste modo, é de todo aceitável que nos diferentes lugares, freguesias e concelhos existam ótimas escolas públicas. No entanto, também não deveremos colocar de parte os estabelecimentos de ensino privado que funcionam há décadas e em que o Estado tem confiado, associando-os à rede pública, pois podem desempenhar um ótimo trabalho, e que não será fácil, em dois ou três meses, ser substituído por uma escola pública que, podendo estar mesmo ali ao lado, mas que, de fato, não é equivalente, por tudo aquilo que foi referido. Existem, certamente, muitas escolas públicas que oferecerão, sem qualquer dúvida, qualidade, mas também deveremos pôr a hipótese de, em certos casos, as perdas de qualidade não justificarem a opção. Tudo isto implicaria um trabalho de estudo mais aturado e mais fundamentado, pois poder-se-ia aproveitar para ensaiar processos de avaliação piloto das escolas, que fossem muito para além dos tão discutidos "rankings".

Termino, por isso, em jeito de conclusão, referindo que, quando se tratam de assuntos da educação, não se deverá ter apenas como instrumentos de suporte à decisão um conjunto de números, de cartas ou de mapas, ou as tão criticadas "folhas excel", pois irão ficar de fora muitos outros indicadores que determinam a qualidade dos processos educativos que, esses sim, deveriam fundamentar as decisões políticas. Afinal de contas, parece que não nos livramos, de todo, das medidas economicistas, pois não foram ainda aduzidos ao debate público outros argumentos relevantes.

Temos ouvido falar muito do dinheiro que se gasta com os contratos entre as partes, mas parece faltar falar do essencial: a educação e o valor dos processos educativos nos territórios.

Almada, 19 de Maio 2016.

Domingos Rasteiro
Mestre em Educação Especial e Doutorando em Educação - sistemas educativos. Professor do Ensino Superior
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
Unesco.jpg LogoIPCB.png

logo_ipl.jpg

IPG_B.jpg logo_ipportalegre.jpg logo_ubi_vprincipal.jpg evora-final.jpg ipseutubal IPC-PRETO