Bocas do Galinheiro
Patricia Highsmith: a senhora crime
Patricia Highsmith
escreveu "Carol" ou "The Price of Salt" quando tinha 27 anos, sob o
pseudónimo de Claire Morgan - pouco tempo depois de terminar a sua
primeira novela, "O Desconhecido do Norte Expresso", que só haveria
de sair em 1949 - uma história de amor entre mulheres, na qual a
escritora retrata um episódio da sua vida, contado no posfácio,
escrito em 1989, da recente edição portuguesa da obra.
Em 1948 Highsmith encontrava-se a
trabalhar na seção de brinquedos de um grande armazém em Manhattan,
quando uma manhã entrou uma mulher alourada de casaco de peles,
hesitante, sobre se comprava uma boneca, deu um nome e uma direcção
para que lha enviassem e foi-se embora. Depois deste episódio que
estranhamente a perturbou bastante, a autora foi então para casa e
"nessa noite esbocei uma ideia, um enredo, uma história sobre a
mulher loura e elegante, num casaco de peles. Escrevi umas oito
páginas no meu caderno de notas. Essa era a história inteira de "O
Preço do Sal", o título inicial de Carol. Fluiu-me da caneta como
se do nada - o princípio, o meio e o fim. Levou-me umas duas horas
a escrever, talvez menos".
Carol foi a primeira novela de tema
homossexual a ter um final feliz, mas a fragilidade da felicidade,
ligada ao perigo, marca esta única novela de amor de Patricia
Highsmith, uma novela que começa com o encontro entre Therese, uma
jovem cenógrafa que trabalha acidentalmente como vendedora, e
Carol, a elegante e sofisticada loura que muda para sempre o curso
da vida da jovem.
A adaptação cinematográfica da
novela, o ano passado, dirigida por Todd Haynes e interpretada por
Cate Blanchett e Rooney Mara e que contou com seis nomeações na
última edição dos Oscars da Academia, faz uma recriação sublime
daquela Nova Iorque dos anos 50 - muito perto do seu "Longe do
Paraíso", de 2002, na linha do melodrama, a lembrar Douglas Sirk -
e com uma notável contenção consegue uma abordagem marcante dum
tema que por aqueles anos era verdadeiramente tabu, a que não são
alheias as fantásticas e premiadas actuações das duas
protagonistas. Adaptação marcante duma escritora de excepção,
abordando um tema que está nos antípodas dos seus livros policiais
e de suspense.
Mas, a apropriação pelo cinema de
obras de Patricia Highsmith, remonta à sua primeira publicação,
"Strangers on a Train", que deu origem ao filme "O Desconhecido do
Norte Expresso", dirigido em 1951 por Alfred Hitchcock, com a
curiosidade de ter na equipa de argumentistas outro valeroso
escritor de policiais, Raymond Chandler, cuja obra veio também a
ser manancial de grandes fitas de Série B. Mas serão as suas
novelas centradas na personagem Tom Ripley, um sedutor
pantomineiro, frio e calculista, que não hesita em matar para
atingir o que pretende, que mais atrairam vários realizadores ao
longo dos anos, a começar por René Clément que em 1960 agarra em
"The Talented Mr. Ripley" para fazer um dos seus filmes mais
reconhecido, com Alain Delon, Maurice Ronet e Marie Laforêt, "À Luz
do Sol" (À Plein Soleil). Seguiu-se Wim Wenders com o seu "O Amigo
Americano", de 1977, uma adaptação livre do "Ripley's Game", com
Dennis Hopper e Bruno Ganz, sendo que em 1999 é Anthony Minghella
que juntando Matt Damon, Gwynett Paltrow e Jude Law faz o seu "O
Talentoso Mr. Ripley", da novela homónima, para, em 2002, ser
Liliana Cavani a realizar uma nova adaptação de "Ripley's Game", "O
Jogo de Mr. Ripley", com um arrasador John Malvovich, só ele
"chega" para o filme, acolitado por Douglas Scott e Lena Headey,
havendo ainda outra abordagem da personagem em 2005, numa direcção
de Roger Spottiswoode, em "O Regresso de Mr. Ripley" (Ripley Under
Ground), baseado no romance "The Talented Mr. Ripley", desta vez
com Barry Pepper, Jacinda Barrett e Ian Hart. Claro que outras
obras serviram de mote para várias subidas ao grande écran desta
mestre do policial, de que se destacam "O Assassino de Nice",
realizado em 1963 por Claude Autant-Lara, adaptando "The
Blunderer", o seu regresso ao suspense depois de "Carol", ou "O
Grito do Mocho", de Claude Chabrol, adaptação do ano de 1987 da
novela "The Cry of the Owl" que com o título "O Presságio da
Coruja", pela mão de Lanie Thraves, foi estreado em 2009. "Amor
Impossível", 1977, baseado em "This Sweet Sickness", realizado por
Claude Miller, com Gérard Depardiou e Miou-Miou, "Eaux profondes",
1981, realizado por Michel Deville, segundo o romance "Deep Water",
com Isabelle Huppert e Jean-Louis Trintignant, "O Diário de Edith",
da novela homónima, dirigida em 1983 por Hans W. Geissendörfer, com
Angela Winkler e Vadim Glowna ou "As Duas Faces de Janeiro", 2014,
tirado do romance "The Two Faces of January", um filme de Hossein
Amini, com Viggo Mortensen e Kirsten Dunst.
Uma amostra, necessariamente
concisa, da atenção que a 7º arte
prestou a uma escritora cuja obsessão pelo crime a levou a uma das
obras mais marcantes do género.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
http://www.pegadafeminina.pt