Opinião

‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXII)
A (In)utilidade dos sumários

FotoLSouta2015peq.jpg«No sumário, pus assim: "Conversa amena com os rapazes".»

(Diário, Sebastião da Gama, 1958:25) 

A feitura dos sumários, para a maioria dos professores do Superior, é encarada como função menor e de pouco proveito para quem quer que seja. O Prof.S. lá ia cumprindo essa fastidiosa tarefa seguindo o princípio que adoptara da experiência: «se não despachamos a burocracia ela acaba por tomar conta de nós».

Como leccionara, anteriormente, nos ensinos básico e secundário, lembrava-se bem dos «livros de sumários», com indicação da respectiva turma na lombada, enfileirados num armário na Sala de Professores, e da azáfama do tira-e-põe nos intervalos. Nas escolas por onde andou, empregavam-no, principalmente, como forma de controlo: das faltas dos alunos (que ao docente cabia anotar) e dos professores (que ao «contínuo», como então era chamado, cabia carimbar). Ainda tinha presente a primeira vez que usou tal 'livro': finda a aula, não sabia bem o que ali escrever; procurou ajuda nas folhas anteriores escritas, em letra apressada, pelos seus (ainda desconhecidos) colegas. Só mais tarde, durante o estágio, lhe atribuiu algum sentido pedagógico: as orientadoras obrigavam-no a envolver os alunos na sua redacção, no final de cada aula, como se houvesse um «toque do sumário», semelhante àquele que Cristóvão de Aguiar relembra em Ciclone de Setembro (1985) e Relação de Bordo (1999).

Chegado ao Superior, encontrou um sistema regulado pelo Estatuto da Carreira do Pessoal Docente, publicado no Verão de 81 pelo Governo de Pinto Balsemão, estipulando que os docentes deviam elaborar «um sumário desenvolvido da matéria leccionada, a fim de ser afixado e ou distribuído aos alunos no início de cada aula.» As louváveis intenções do legislador não se traduziam em 'boas práticas'. Por essa altura, em que quase tudo se fazia em papel, nem o sumário era afixado (antes ou depois da aula), nem distribuído aos estudantes, e de «desenvolvido» nada tinha; era manuscrito de forma 'sumária' em folhas soltas que depois se compilavam num dossiê, organizado pelas disciplinas do respectivo ano/curso e colocado na Secretaria para consulta dos interessados (mas quem se interessava por aquela literatura cinzenta?) Não houve Comissão Instaladora que se empenhasse muito nesta empreitada ou que a visse cumprida, na íntegra, por quem a tal era obrigado (por decreto-lei). É que o incumprimento não acarretava consequências de qualquer ordem…

Nos anos mais recentes, com a generalização dos dispositivos digitais, os sumários passaram a estar disponíveis no portal da escola, sendo o controlo do seu preenchimento bastante facilitado. As Direcções assumem a supervisão (administrativa) e exigem aos professores a conclusão do trabalho no final do semestre… para salvaguarda de eventuais situações de conflito com os alunos e, acima de tudo, pelo receio dos 'inspectores' do Ministério ou das CAE da A3ES. Sempre o temor da fiscalização. A pedagogia não é vista nem achada.

Apesar de ter a planificação no seu MacBook e colocar a agenda no quadro, os diálogos constantes e as questões colocadas pelos estudantes (que mereciam sempre resposta) acabam por levar o Prof.S. a divagar por temas e conteúdos imprevistos. E as dúvidas emergiam ao fazer o registo oficial do sumário (raramente logo a seguir à aula, devido às mil e uma tarefas do dia-a-dia académico): o que tinha realmente dado na aula? (a sua memória nunca foi muito boa), será que este tópico foi abordado nesta ou naquela turma, nesta aula ou na anterior? Em situações limite recorria aos (bons) estudantes e pedia-lhes emprestado o 'caderno diário'.

No arranque do 2º semestre, quando lhes fazia a 'viagem informática' pelo portal e moodle, familiarizando-os com essas ferramentas, constatou que nenhum discente das suas turmas alguma vez consultara um sumário (incluindo os estudantes-trabalhadores, aqueles a quem era mais útil essa informação)! E foi aí que o Prof.S. resolveu alterar a sua prática, introduzindo uma dimensão pedagógico neste processo. Transferiu a tarefa para os estudantes que, para tal, se voluntariavam no começo de cada aula. Tinham uma semana para o redigir e enviar-lho (o sistema só permitia ao docente alojá-lo). Começava então a 'trabalheira' da poda (correcção ortográfica, sintáctica e científica). Para terem acesso ao feedback tinham que entrar no portal e lerem o 'seu' texto, agora na versão final do sumário. Procurava assim aplicar o princípio do isomorfismo: desenvolver nos estudantes a capacidade de redigir sínteses, que tanta falta lhes faria aquando de elaboração do abstract (exigido nos trabalhos de maior fôlego em várias uc's) e de sinopses (de projectos e programas a que se candidatariam no exercício profissional). Reconhecia, no entanto, que o treino era curto para tão árdua competição.



Luís Souta
Este texto está redigido segundo a “antiga” e identitária ortografia
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