‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXII)
A (In)utilidade dos sumários
«No sumário, pus assim:
"Conversa amena com os rapazes".»
(Diário, Sebastião da Gama,
1958:25)
A feitura dos sumários, para a
maioria dos professores do Superior, é encarada como função menor e
de pouco proveito para quem quer que seja. O Prof.S. lá ia
cumprindo essa fastidiosa tarefa seguindo o princípio que adoptara
da experiência: «se não despachamos a burocracia ela acaba por
tomar conta de nós».
Como leccionara, anteriormente, nos
ensinos básico e secundário, lembrava-se bem dos «livros de
sumários», com indicação da respectiva turma na lombada,
enfileirados num armário na Sala de Professores, e da azáfama do
tira-e-põe nos intervalos. Nas escolas por onde andou,
empregavam-no, principalmente, como forma de controlo: das faltas
dos alunos (que ao docente cabia anotar) e dos professores (que ao
«contínuo», como então era chamado, cabia carimbar). Ainda tinha
presente a primeira vez que usou tal 'livro': finda a aula, não
sabia bem o que ali escrever; procurou ajuda nas folhas anteriores
escritas, em letra apressada, pelos seus (ainda desconhecidos)
colegas. Só mais tarde, durante o estágio, lhe atribuiu algum
sentido pedagógico: as orientadoras obrigavam-no a envolver os
alunos na sua redacção, no final de cada aula, como se houvesse um
«toque do sumário», semelhante àquele que Cristóvão de Aguiar
relembra em Ciclone de Setembro (1985) e Relação de
Bordo (1999).
Chegado ao Superior, encontrou um
sistema regulado pelo Estatuto da Carreira do Pessoal Docente,
publicado no Verão de 81 pelo Governo de Pinto Balsemão,
estipulando que os docentes deviam elaborar «um sumário
desenvolvido da matéria leccionada, a fim de ser afixado e ou
distribuído aos alunos no início de cada aula.» As louváveis
intenções do legislador não se traduziam em 'boas práticas'. Por
essa altura, em que quase tudo se fazia em papel, nem o sumário era
afixado (antes ou depois da aula), nem distribuído aos estudantes,
e de «desenvolvido» nada tinha; era manuscrito de forma 'sumária'
em folhas soltas que depois se compilavam num dossiê, organizado
pelas disciplinas do respectivo ano/curso e colocado na Secretaria
para consulta dos interessados (mas quem se interessava por aquela
literatura cinzenta?) Não houve Comissão Instaladora que se
empenhasse muito nesta empreitada ou que a visse cumprida, na
íntegra, por quem a tal era obrigado (por decreto-lei). É que o
incumprimento não acarretava consequências de qualquer ordem…
Nos anos mais recentes, com a
generalização dos dispositivos digitais, os sumários passaram a
estar disponíveis no portal da escola, sendo o controlo do seu
preenchimento bastante facilitado. As Direcções assumem a
supervisão (administrativa) e exigem aos professores a conclusão do
trabalho no final do semestre… para salvaguarda de eventuais
situações de conflito com os alunos e, acima de tudo, pelo receio
dos 'inspectores' do Ministério ou das CAE da A3ES. Sempre o temor
da fiscalização. A pedagogia não é vista nem achada.
Apesar de ter a planificação no seu
MacBook e colocar a agenda no quadro, os diálogos
constantes e as questões colocadas pelos estudantes (que mereciam
sempre resposta) acabam por levar o Prof.S. a divagar por temas e
conteúdos imprevistos. E as dúvidas emergiam ao fazer o registo
oficial do sumário (raramente logo a seguir à aula, devido às mil e
uma tarefas do dia-a-dia académico): o que tinha realmente dado na
aula? (a sua memória nunca foi muito boa), será que este tópico foi
abordado nesta ou naquela turma, nesta aula ou na anterior? Em
situações limite recorria aos (bons) estudantes e pedia-lhes
emprestado o 'caderno diário'.
No arranque do
2º semestre, quando lhes fazia a
'viagem informática' pelo portal e moodle,
familiarizando-os com essas ferramentas, constatou que nenhum
discente das suas turmas alguma vez consultara um sumário
(incluindo os estudantes-trabalhadores, aqueles a quem era mais
útil essa informação)! E foi aí que o Prof.S. resolveu alterar a
sua prática, introduzindo uma dimensão pedagógico neste processo.
Transferiu a tarefa para os estudantes que, para tal, se
voluntariavam no começo de cada aula. Tinham uma semana para o
redigir e enviar-lho (o sistema só permitia ao docente alojá-lo).
Começava então a 'trabalheira' da poda (correcção ortográfica,
sintáctica e científica). Para terem acesso ao feedback
tinham que entrar no portal e lerem o 'seu' texto, agora na versão
final do sumário. Procurava assim aplicar o princípio do
isomorfismo: desenvolver nos estudantes a capacidade de redigir
sínteses, que tanta falta lhes faria aquando de elaboração do
abstract (exigido nos trabalhos de maior fôlego em várias
uc's) e de sinopses (de projectos e programas a que se
candidatariam no exercício profissional). Reconhecia, no entanto,
que o treino era curto para tão árdua competição.