Bocas do galinheiro
O último voo de Milos Forman
Mais um dos grandes da Sétima Arte que
desapareceu. Desta vez foi Milos Forman. Nascido em Caslow, na
antiga Checoslováquia, a 18 de Fevereiro de 1932, apesar de ter
iniciado a sua carreira cinematográfica no seu país natal, é a
partir de "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" (One Flew Over the
Cuckoo's Nest, 1975) que se impõe do outro lado do Atlântico. O
filme foi um rotundo êxito, arrecadou cinco Oscar, os cinco
principais, o que só acontecera em 1934 com "It Happened One Night"
(Uma Noite Aconteceu, de Frank Capra), Melhor Filme, Melhor
Realizador, Melhor Actriz (Louise Fletcher), Melhor Actor (Jack
Nicholson) e Melhor Argumento Adaptado de uma novela de Ken Kesey,
por Lawrence Hauben e Bo Goldman, obra com grande aceitação nos
meios da contracultura. Curiosamente Kirk Douglas adquirira os
direitos para o cinema em 1963, e em 1973 é o filho, Michael
Douglas, que os compra ao pai e propõe que seja Forman a dirigir a
fita. É o primeiro Oscar para Michael Douglas, no caso como
produtor, viria a ganhar o de Melhor Actor em 1988 pelo seu papel
em "Wall Street", de Oliver Stone, o que levou o seu pai a dizer
que quando voltasse a produzir um filme vencedor não entregasse o
protagonista a outro actor, como aconteceu com Jack Nicholson.
Aliás o pai Douglas ainda pôs a hipótese de ficar com o papel mas
achou que teria que ser para um actor mais novo. E assim a família
viu o Oscar "voar"!
"Voando sobre Um Ninho de Cucos"
anda à volta de McMurphy (Jack Nicholson), um sujeito com
antecedentes criminais que é internado num hospital psiquiátrico
por se suspeitar que finge problemas mentais para atenuar a sua
pena, e que aí põe em causa o sistema, arrastando consigo os
doentes, desafiando as proibições existentes, saindo inclusivamente
com eles para uma memorável pescaria, que não era mais que uma
tentativa de fuga, mas regressa, sendo severamente castigado,
principalmente pela enfermeira Ratched (Louise Fletcher), com
electro choques, símbolo máximo da repressão psiquiátrica. Longe de
um final feliz, como se lembram Mc Murphy é morto pelo seu amigo
Indio, apesar de não acompanhar o livro, mais incisivo na denúncia
da sociedade repressiva que perpassava os Estados Unidos na
primeira metade do século XX, acaba por acolher algumas das ideias
de Kesey, de que a autoridade acaba por ser abusiva e que
resistir-lhe é imperativo cívico.
Cidadão americano desde 1975,
fugira para os Estados Unidos depois da invasão soviética da
Checoslováquia que pôs fim à Primavera de Praga de 1968, formou-se
na FAMU, a escola de cinema de Praga, impôs-se com "Os Amores de
Uma Loira", de 1965, uma sátira social, muito ao seu estilo, da
sociedade checa da altura, e não só, refletiria o que se passava
para lá da "Cortina de Ferro", nomeado para o Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro e para o Leão de Ouro em Veneza, e com "O Baile dos
Bombeiros", na mesma linha do anterior, de uma enorme ironia,
denunciando a ignorância dos mandantes, no caso, como se sabe,
mandados por Moscovo.
Nos states estreou-se com "Taking
Off", de 1971, numa época de grande agitação social, racial e
cívica. O filme aborda o conflito de gerações por detrás das
transformações que a sociedade americana atravessava, através da
fuga de uma adolescente e da tentativa dos pais para a encontrar,
tomando assim consciência do quanto estavam afastados. Depois de
"One Flew Over the Cuckoo's Nest", filma "Hair", em 1979, sobre o
musical homónimo, dez anos depois da sua estreia e quando a
realidade focada era já bastante diferente, o Flower Power e o
Vietnam, já eram, daí uma certa indiferença para com o filme, a que
se segue "Ragtime", de 1981, abordando as tensões raciais do
princípio do século XX, tendo como pano de fundo o jazz, por
interposto pianista negro e dos problemas que lhe caem em cima
depois de alcançar fama, também não muito bem acolhido,
redimindo-se depois com "Amadeus", de 1985, outro rotundo êxito,
abordando a vida do grande génio que foi Mozart e a inveja que lhe
devotada Salieri, inconformado com a facilidade com que aquele
compunha, ao mesmo tempo que se divertia, enquanto ele, Salieri,
trabalhava com afinco e não recebia a recompensa desse trabalho.
Com um incontornável Tom Hulce como Mozart e o austero F. Murray
Abraham como Salieri. Arrecadou oito Oscar, entre Melhor Filme,
Melhor Realizador e Melhor Actor (F. Murray Abraham, Tom Hulce
também foi nomeado). Um biopic em que se destaca, no dizer de
Bertrand Tavernier, a pirotecnia visual, visível no vestuário e na
maquilhagem, e os diferentes processos de criação, e Mozart e de
Salieri.
Ainda fez mais dois biopics, um
dedicado a Larry Flint, em "The People vs. Larry Flint", de 1996, o
criador da revista Hustler, uma rival da Playboy em versão mais
hard, e dos problemas legais que enfrentou por via da sua ousadia e
do desafio à autoridade (mais uma vez a resistência à autoridade,
aqui por violação da liberdade de expressão) e "O Homem na Lua", de
1999, sobre o irreverente cómico Andy Kaufman, célebre pela sua
imitação de Elvis Presley entre outros, aqui interpretado por Jim
Carrey, que lhe valeu um Globo de Ouro, dirigindo o seu último
filme em 2006, "Os Fantasmas de Goya", com Javier Bardem e Natalia
Portman.
Morreu no passado dia 13, em
Danbury, Connecticut, aos 86 anos.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico