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E agora nossa senhora de Paris?

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O mundo parou na passada segunda--feira, dia 15 de Abril. A Catedral de Notre Dame, na Ile de La Cité, no coração de Paris, ardeu. O monumento, que desde 1991 é Património Mundial da UNESCO, que levou 182 anos a construir, foi severamente destruído pelo fogo em pouco mais de 14 horas. Uma das mais belas manifestações do estilo gótico, palco da coroação de Napoleão como imperador e da beatificação de Joana D'Arc, ficou sem grande parte da sua estrutura, telhado, parte da abóboda e pináculo. Mas muito se salvou. Valha-nos isso. Marcelo Rebelo de Sousa, atento, envia sentida mensagem a Macron: "Uma dor que nos trespassa o olhar e logo nos marca a alma, Paris sempre Paris ferida na sua Catedral em chamas, um símbolo maior do imaginário coletivo a arder, uma tragédia francesa, europeia e mundial". A Catedral, que já sobreviveu a incêndios, saques e a duas guerras mundiais, irá ser reconstruída. Paris e nós todos, vamos ficar (momentaneamente) privados de um lugar ímpar. Mas Notre Dame renascerá das cinzas. Aliás, foi numa altura em que estava bastante degradada que deu origem ao romance de Victor Hugo "Nossa Senhora de Paris" (Notre-Dame de Paris) ", e a uma campanha de recolha de fundos para o seu melhoramento patrocinada pelo escritor.

Publicado em 1831, sobre o sineiro da catedral de Notre-Dame, o corcunda Quasimodo, e a bela cigana Esmeralda, a obra de Victor Hugo conheceu várias adaptações ao cinema, ainda na altura do mudo, com destaque para a versão de J. Gordon Edwards (avô do grande realizador Blake Edwards), de 1917, com Theda Bara e Glen White, respetivamente Esmeralda e Quasimodo, com o título de "The Darling of Paris", para em 1923 Wallace Wrosley dirigir uma nova adaptação, agora já como é normalmente traduzida a obra para inglês, "The Hunchback of Notre Dame", com Lon Chaney e Patsy Ruth Miller nos protagonistas. Aliás a interpretação de Lon Chaney valeu-lhe a chamada em 1925 para "O Fantasma da Ópera", de Rupert Julkian e do próprio Chaney, numa adaptação da novela de Gaston Leroux. A Disney também não resiste a este romance da bela e do monstro e faz, em 1996, o seu "O Corcunda de Notre Dame", para em 2002 fazer uma sequela, havendo ainda, em animação, uma versão japonesa, de 1996, e uma australiana de 1980, sendo de referir ainda uma série televisiva nos anos 60 do século passado, bem como um musical de 1999, de Gilles Amado, com libreto de Luc Playmondon.

Seria porém a versão do alemão William Dieterle (1939-1972), com Charles Laughton e Maureen O'Hara, a marcar uma das melhores, quiçá mesmo a melhor adaptação do romance. Já lá vamos.

William Diertle, um gigante de dois metros, olhar sedutor, tornou-se artista, actor e realizador, conquistando o coração dos alemães por via do cinema. Famoso pela direcção de películas biográficas nos Estados Unidos, para a Warner, no final da década de 30 do século passado, de que se destacam "The Story of Louis Pasteur" (1936), "The Life of Emile Zola", "A Dispatch from Reuter's" (1940), sobre a agência noticiosa com o nome do seu fundador, Julius Reuter, ou "A vida, amores e aventuras de Omar Khayyam" (Omar Khayyam, 1957), um grande poeta persa, além de matemático, entre outros. Stalin, que considerava Diertle um dos melhores directores do Mundo, chama-o a Moscovo propondo-lhe dirigir uma biografia de Karl Marx, o que não aconteceu. Na Alemanha e nos Estados Unidos realizou mais de 50 filmes, entre os quais uma adaptação da novela de Dashiell Hammett "The Maltese Falcon", que correu em Portugal com o título "Relíquia Fatal", no original "Satan Met a Lady" (1936)", para além se ter dirigido algumas cenas de "Duelo ao Sol", de King Vidor, apesar de não aparecer nos créditos, "Honra Que Mata" (The Turning Point, 1952), "Vulcão" (1950), com Anna Magnani e Rossano Brazzi, rodado mais ou menos ao mesmo tempo, numa ilha ao lado, de "Stromboli", de Rossellini, que trocou Magnani por Ingrid Bergman, e já no fim da carreira realiza uma série de filmes para a televisão na então República Federal Alemã.

Mas é em 1939 que a Warner cede Dieterle aos estúdios da RKO para realizar a mais ambiciosa e conhecida das suas películas: a ideia foi converter o famoso romance de Victor Hugo, "Nossa Senhora de Paris", num sombrio melodrama romântico, cheio de cenas espectaculares e de horror. Uma super-produção que custou dois milhões de dólares, uma verba elevada naquela época. Como era seu hábito, Dieterle consegue imprimir um leve toque político à narrativa, lembrar que a adaptação é do escritor Bruno Frank, um exilado alemão, como muitos outros que trabalharam neste filme, expressa a luta simbólica entre a liberdade o obscurantismo e o fanatismo, uma mensagem progressista, num filme rodado em setenta e dois dias, durante o Verão de 1939, ou seja quando está a começar a II Guerra Mundial, começada pela Alemanha nazi de onde tinham escapado. A história é simples: no século XV, em França, no reinado de Luís XI, a bela cigana Esmeralda (uma Maureen O'hara, no princípio da sua carreira, anteriormente havia sido companheira de Charles Laughton em "A Pousada da Jamaica, de Hitchcock) que entrou clandestinamente em Paris chama a atenção do pérfido e retrógrado magistrado Frollo e do poeta liberal Gringoire, mas ela apaixona-se por Phoebus. Os ciúmes levam Frollo a matar Phoebus e a acusar e condenar à morte a cigana pelo crime. Em sua defesa estão os mendigos, em cujo bairro se refugiou, o poeta, com quem casou, tentando evitar a condenação e o corcunda Quasimodo (uma portentosa caracterização e interpretação de Charles Laughton), cada qual à sua maneira tentam salvá-la do cadafalso, o que no fim acontece, depois de Gringoire ter lançado panfletos do alto da catedral que contribuem para o apoio do povo e do Rei a Esmeralda e no fim são aclamados pela multidão.

Das versões mais consensuais da obra de Victor Hugo, esta é sem dúvida a mais interessante (a par da versão muda realizada por Wallace Worseley para a Universal, protagonizada pelo polifacetado Lon Chaney e da co-produção franco-italiana de 1956, interpretada por Anthony Quinn e Gina Lollobrigida e realizada por Jean Delannoy, cuja máxima virtude é a fidelidade à versão de Dieterle, com os seus claros/escuros opressivos, decorações expressionistas, com a noite sempre presente, à boa maneira do romantismo germânico, reconstituído agora em Hollywood, mas também um belo retrato da terrível situação com que se debatia o mundo no dealbar de uma guerra, cuja sombra invade o filme, apesar do happy end.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa e Joaquim Cabeças
AP - Independent.co.uk
 
 
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