Primeira coluna
Ensino por achamentos
O terceiro período letivo constitui para
as escolas, docentes, alunos e famílias, um desafio inesperado,
exigente, para o qual poucos atores estavam preparados. Entre o
oito e o oitenta naquilo que são as tarefas exigidas aos estudantes
e aos professores, surgem, nesta relação, questões práticas,
diárias, resultantes do facto de uma mudança como a que está a ser
realizada, através do
ensino a distância, exigir tempo que
não existe.
Corre-se o risco das tarefas
serem propostas numa lógica de "achamento". Mas, a
educação não se faz pelo "eu acho que". Importa refletir
sobre esta questão. A Covid-19 não se vai embora e não será nos
próximos meses que tudo acaba. Pelo contrário, muito provavelmente
vamos voltar a ter ensino a distância mais vezes e no
próximo ano letivo a situação pode repetir-se.
Significa isto que todos,
enquanto sociedade, teremos que nos adaptar. Significa que, aos
poucos, devem ser definidas regras claras de como esta nova
realidade se processa. Quais são os horários, o que são aulas
assíncronas e síncronas, como as tarefas de alunos e professores
devem ser realizadas e propostas. Que instrumentos podem e devem
ser utilizados. Que formação é necessária para os docentes
responderem melhor a esta nova forma de ensinar.
Em pouco mais que um mês as aulas
e atividades presenciais deram lugar a uma realidade em que as
novas tecnologias assumiram um papel decisivo. De repente a escola
mudou, como mudou também o funcionamento de toda a sociedade.
Acontece que a mudança foi feita no mesmo sentido: alunos e
professores passaram a realizar as suas tarefas a
distância; os pais abraçaram o teletrabalho utilizando os
mesmos meios que os filhos terão que usar no ensino virtual; as
famílias passaram a conviver 24 horas num mesmo espaço, dia a após
dia, algo para o qual também não estavam preparadas.
É neste turbilhão de
acontecimentos que as escolas tentam impor o ensino a
distância, a que se junta o problema dos meios. Os professores
utilizam os seus próprios equipamentos (computadores, rede de
internet, impressoras, telemóvel etc) ao serviço da missão de
ensinar, pois a escola pública não os disponibiliza. Provavelmente
há quem pense que não fazem mais que a sua obrigação. Errado. Não
há obrigação nenhuma nesse sentido, como também não há obrigação
que um outro qualquer funcionário faça teletrabalho com os meios
próprios, em vez de utilizar os da sua entidade patronal. Os
docentes, mais uma vez, demonstram ao país uma dedicação extrema e
preocupada. Imaginem se os professores se negassem a por os
equipamentos pessoais ao serviço do ensino? Não haveria nada. A
escola estaria desligada. E esta não é uma questão de somenos
importância, pois o ensino a distância vai repetir-se num
futuro próximo e não podem nem devem ser os equipamentos pessoais
dos professores a suportar o seu funcionamento.
Os alunos e as suas famílias
também não possuem um computador por elemento do agregado familiar.
Os pais estão em teletrabalho, os pais professores utilizam os
meios disponíveis para a sua tarefa. Os filhos usam-nos quando há
disponibilidade. Neste aspeto, o Estado preocupa-se em apoiar
apenas alguns alunos e famílias, deixando de fora toda a classe
média, a mesma que não tendo um computador por elemento de agregado
familiar tem os pais em teletrabalho e os filhos a ensino a
distância, sem que estes alunos possam ser apoiados. Surge assim
uma espécie de discriminação de uns em relação a outros, com o
argumento do politicamente correto. As famílias têm que
resolver.
Aos alunos que ainda não têm
acesso a esses meios juntam-se aqueles que, os tendo, não os podem
utilizar pois um computador não chega para que, duas, três, quatro
ou mais pessoas o utilizem ao mesmo tempo.
A escola, de repente, ganha
formas de exclusão em vez de inclusão. Veio a nova tele-escola, mas
aos alunos é-lhes exigido, com alguma frequência, que vejam as
aulas na televisão e que façam tudo o resto através do ensino a
distância.
Às vezes é melhor parar para
pensar e fazer as coisas da forma clara, objetiva, com regras e sem
atropelos, do que avançar para um "ensino de achamentos".
A opção foi tomada noutro sentido. É com ela que todos temos que
conviver, agindo de forma consciente, com a perspetiva que todo
este turbilhão pode ser uma oportunidade futura. Eu acredito que
sim.