Pedro Santos Guerreiro, jornalista
Portugal nunca foi o milagre que a União Europeia queria que fosse
A pandemia paralisou os circuitos
económicos e mergulhou o mundo numa crise sem precedentes. Pedro
Santos Guerreiro antecipa o que nos espera nos tempos mais próximos
e pronuncia-se sobre os danos colaterais que contribuem para
agravar as dificuldades no setor da comunicação social.
A pandemia teve um
impacto simétrico na economia a nível mundial. Dois anos serão
suficientes para recompor, em Portugal e no resto do mundo, os
cacos provocados pela destruição?
Não. Quando se fala em dois anos, a referência que se dá é o PIB.
Acho que essa estimativa até peca por otimista, e para além disso,
mesmo que alcancemos um PIB igual ao anterior em valor, não
significa que a economia volte ao nível em que estava do ponto de
vista da igualdade. Ou se quisermos da desigualdade. A pandemia
trouxe uma devastação económica, acentuada em três meses, e vai
levar anos a recuperar. E creio mesmo que existe algum negacionismo
sobre isso. Até compreendo essa atitude, que tem a ver com o desejo
ou o instinto que temos de estabilidade, mas a crise vai demorar
muito tempo a passar.
Quais são os motivos que
o levam a afirmar isso?
Sobretudo, por três razões. Primeiro, Portugal já se encontrava
numa posição má, apesar de nunca o termos assumido. Segundo, vamos
herdar uma montanha de dívida para um país que já acumula uma
dívida monstruosa - não apenas pública, mas também privada. E,
finalmente, porque a União Europeia (UE) ainda não tomou decisões
para o espaço global, quando a crise é global. Em suma, a
destruição, para além do inevitável desemprego, traz também
pobreza, desigualdade e exclusão de muita gente.
Há poucos meses
elogiava-se o primeiro excedente da democracia, pelo que se
seguirá, provavelmente, o maior défice do regime democrático e
outros recordes negativos se avizinham. Mário Centeno disse em
entrevista que nem nos filmes de ficção científica era previsível
um cenário deste. O principal aspeto que torna a crise tão global e
devastadora reside na paralisação da economia
planetária?
Isto não é ficção científica, mais parece um livro distópico a
acontecer abruptamente e sem pré-aviso. O mundo inteiro mudou num
espaço muito curto de tempo. A paragem global torna as respostas e
os reequilíbrios muito mais difíceis, seguindo até a experiência de
crises anteriores, mas também suscita outra dificuldade acrescida
que é o instinto político e social para o crescimento.
Apesar de precisarmos de solidariedade - no sentido de nos
colocarmos no lugar do outro e sair da crise todos juntos - o que
parece emergir são respostas nacionais e atos tão condenáveis como
os que vemos de estados a roubarem máscaras a outros estados. Mas
este comportamento também é visível nas respostas económicas. Até
Portugal, que é um país aberto e que está longe de ser xenófobo,
reitera a necessidade de ter uma resposta europeia, mas não há
muitos anos, antes da intervenção externa, dizíamos: «nós, não
somos a Grécia!» A Europa está muito focada em si mesmo - o que não
é mau - mas não oiço ninguém a dizer que é preciso ajudar África.
Bem sei que o multilateralismo está em crise, mas é preciso alertar
que se as respostas não forem globais mais difícil será sair da
crise em situação de igualdade. É preciso uma resposta equitativa,
nem que seja na distribuição da injustiça.
O turismo era uma espécie
de porta-aviões da economia nacional, contribuindo com 14 por cento
para o PIB e 10 por cento para o emprego. Qual será o impacto do
desemprego neste e noutros setores?
É potencialmente muito grande. O turismo salvou Portugal nos
últimos anos porque salvou muitas famílias e muitas empresas. Isso
não é um problema, pelo contrário, o problema foi o aumento do peso
da dependência da economia do turismo. Muitos economistas alertaram
para este facto, mas ninguém quis ver. O problema essencial do
turismo é a precariedade do seu emprego, os salários baixos e a
vulnerabilidade a choques externos. Imaginámos outros choques, como
atentados terroristas, mas nunca pensámos que aparecesse uma
pandemia capaz de paralisar o turismo global.
Quer dizer que andámos
iludidos durante os últimos anos?
Portugal nunca foi o milagre que a União Europeia gostava de dizer
que eramos. É preciso referir que beneficiámos de condições
invejáveis que dificilmente se iriam perpetuar. A saber: o
crescimento económico dos nossos principais mercados exportadores,
taxas de juro anormalmente baixas - completamente subsidiadas pelo
Banco Central Europeu -, o preço do petróleo a níveis baixos, tanto
que quando olhamos para o excedente orçamental de 2019 a verdade é
que ele foi obtido em condições completamente perfeitas e que não
podiam manter-se. Também importa referir que as receitas
provenientes dos impostos, que esmagaram a classe média, e a
recuperação do emprego, à custa de baixos salários, foram fatores
decisivos.
Significa que, mais tarde
ou mais cedo, teríamos de acordar para a realidade…
Como a economia é cíclica, mesmo que entrássemos numa fase de
contração da economia, as próprias contas públicas não iam
aguentar.
O ministro da Economia
disse que «as despesas do Estado hoje, são os impostos de amanhã»,
para explicar a recusa de perdões fiscais e subsídios a fundo
perdido às empresas. As medidas do governo de apoio à crise
empresarial têm sido suficientes ou o Estado podia ter ido mais
longe?
Devia, mas não sei se podia. A frase de Pedro Siza Vieira é
antiga, mas é diferente da original, que dizia o seguinte: «as
dívidas de hoje, são impostos amanhã.» A despesa que estamos a
aumentar é com base em dívida. Estivemos anos a discutir a obsessão
do défice quando, na verdade, o que sempre interessou foi a
obsessão da dívida. A dívida pública esteve mascarada durante anos
e quando foi, finalmente, contabilizada chegou aos 130 por cento do
PIB. E demorámos quase uma década a reduzi-la de 130 para cerca de
117 por cento. O que continua a ser uma enormidade, que nos
constrange a liberdade de ação e que restringe a capacidade do
Estado ser mais generoso.
O
"layoff" é a única medida «generosa», por assim
dizer?
A única medida que significa dar dinheiro é o "layoff". É uma boa
medida e o facto de terem aderido milhares de empresas explica o
seu sucesso. Custa muito dinheiro ao Estado, mas é uma proteção
durante três meses para a manutenção do emprego.
As outras medidas foram todas de adiamentos de pagamentos, quer de
créditos, quer de impostos, quer de rendas, quer de contribuições
para a Segurança Social. Ou seja, o que não se pagar hoje, paga-se
amanhã. E isto só se consegue com as linhas de crédito que, ao
contrário do que seria desejável, estão a demorar muito tempo a
chegar às empresas. O governo anunciou 13 mil milhões de euros de
linhas de crédito e três semanas depois só chegou, pelas minhas
contas, 5 por cento desse valor. É um fenómeno quase
inconcebível.
O Estado vai endividar-se
e os privados não ficarão na mesma situação?
A nossa economia privada ainda é mais endividada do que o Estado.
Portanto, para mim é evidente que parte desta dívida nunca poderá
ser paga e acho muito provável que o Estado converta estes
adiamentos de pagamentos de impostos em perdões de impostos. Isto
porque não estou a ver como é que as empresas vão ter taxas de
lucro no futuro que compensem meses anteriores de perdas de
faturação.
Estamos perante uma bola
de neve de endividamento, sem fim à vista…
Uma coisa que aprendemos: a partir de certo momento, a dívida
privada passa a ser dívida pública. E, esse momento, acontece
quando os bancos e as empresas privadas não conseguem pagar.
Passámos por isso nos anos de crise financeira. Em suma, acredito
que as previsões, por exemplo, do FMI, de 135 por cento do PIB para
a dívida pública, sejam otimistas. E há outros aspetos a
considerar: o Estado está a aumentar a sua dívida, as empresas
públicas estão a aumentar a sua dívida, as autarquias estão a
aumentar a sua dívida e mesmo fora do Estado as empresas estão a
elevar o seu endividamento.
E as dívidas,
nomeadamente as do Estado, conseguem pagar-se?
É impossível. É uma questão de matemática. O problema de liquidez
hoje pode transformar-se num sério problema financeiro daqui a um
ano - já passámos por ele, por isso, sabemos o que nos
espera.
A única tábua de salvação
pode ser a União Europeia. Acha que é possível?
A resposta tem de ser global e muito potente, caso contrário,
anuncia-se o fim da zona euro e, por consequência, o fim da UE, tal
como a conhecemos.
O dever solidário da
banca tem sido invocado. É utópico pensar nisto, ainda para mais
quando o setor financeiro já conheceu dias melhores?
Não é utópico, mas tem de ser muito controlado pelos supervisores
e pelo Estado. O nosso sistema financeiro tem um capital mais
robusto do que tinha - em grande medida porque os acionistas
perderam dinheiro e porque o Estado (isto é, os contribuintes)
acudiu com mais de 20 mil milhões de euros -, mas as regras
introduzidas levaram a uma maior lentidão na concessão de crédito.
E este momento não pode ser de lentidão. Creio que não se pode
entrar no ataque fácil à banca, até porque a banca vai perder
dinheiro com a crise, mas é preciso exigir e garantir que a banca
seja muito mais célere nos processos de crédito (comissões e
"spreads", nomeadamente) e que não aproveite este dinheiro para
limpar problemas antigos. Quanto à cobertura do risco destas
operações, penso que o BCE vai ter de desempenhar um papel de
suporte muito relevante. E penso mesmo que o banco central pode ir
mais longe - como acontece com os bancos centrais nos Estados
Unidos e no Reino Unido - e tomar decisões mais pujantes,
nomeadamente injetar dinheiro, criando moeda, mesmo que isso leve
ao aumento da inflação.
Austeridade parece ser
uma palavra proibida. E a tomada de decisões difíceis no Parlamento
pode fragilizar um executivo minoritário. Portugal precisa de um
governo de salvação nacional, como disse Rui Rio?
Corremos o risco de ter uma instabilidade política, mas não creio
que necessitemos de um governo de salvação nacional, porque isso
tem muitas perversidades. Mas vai ser necessário uma plataforma
política de apoio alargada. Em 2010 tivemos apoio político, entre
governo PS e a oposição, o PSD, para pactos de estabilidade que
cortaram salários à função pública. E não foi preciso nenhum
governo de salvação nacional. Bem sei que depois isto acabou como
acabou, com o PEC IV, a crise política posterior, a queda do
governo Sócrates e a marcação de eleições. E atrás, veio a
"troika".
O que está a dizer é que,
com ou sem pactos, a austeridade é inevitável?
Eu não consigo ver outra saída para a crise que não seja a
austeridade. Chamem-lhe o que quiserem, mas é austeridade. Isto por
mais robusta que possa vir a ser a resposta europeia.
Mas o primeiro-ministro
diz que a doença é diferente, logo a terapia terá de ser
diferente…
É verdade. Desta vez, não foram os países do sul que gastaram à
tripa forra. A crise é global e precisa de respostas globais. Para
além de um plano de revitalização económico europeu, os sacrifícios
devem significar que a carga que vai incidir sobre cada sociedade
não reedite o que aconteceu aquando da intervenção da
"troika".
O aumentar de impostos é
a primeira via para minimizar a crise?
No período da intervenção da "troika" cortou-se salários da função
pública, limitou-se temporariamente pensões e aumentou-se os
impostos, sendo estes pagos essencialmente pela classe média. Neste
momento, o que é exigido é tão amplo, que é preciso coragem
política europeia para exigir a outros - os que mais podem - que
paguem mais impostos e é preciso também alguma criatividade. Por
exemplo, o que o trabalho paga de impostos é muito superior ao que
o capital paga de impostos. Porquê? Porque o capital evade-se,
muitas vezes para "offshores", difíceis de controlar, e inclusive
para dentro da UE - basta ver a quantidade de empresas portuguesas
que têm sede na Holanda. Para além disso, temos as multinacionais -
sobretudo as tecnológicas - que operam na UE e não pagam cá
impostos.
Quer dizer que os
esforços têm de pender sobre os que mais lucram e não sempre sobre
os mesmos?
A UE tem denunciado algumas práticas fiscais protagonizadas pelas
grandes multinacionais e por grandes fortunas, no fundo, os que têm
mais capacidade para não pagar impostos, mas na verdade pouco
passou à prática. Isso implica afrontar poderes muito grandes e
estou em crer que se não for agora nunca será. De uma vez por
todas, para que não sejam, outra vez, as classes médias a continuar
a ser esmagadas por mais impostos.
Referiu há pouco a
criatividade para enfrentar a crise. Quer dar
exemplos?
As medidas podem ser trabalhar mais horas, receber parte do
salário - no caso da função pública - em certificados de aforro.
São medidas temporárias, mas que visam aumentar a produção para
aumentar a riqueza e, já agora, também para redistribui-la. É
preciso não esquecer que vamos assistir a um aumento acelerado da
pobreza, que estava em queda desde 2014. Segundo os últimos dados,
tínhamos 1 milhão e 700 mil pessoas abaixo do limiar da pobreza. Já
para não falar da desigualdade e da exclusão, que vão
acentuar-se.
Os encargos com as
prestações sociais vão disparar. O sistema de Segurança Social pode
ficar em apuros?
O sistema já se encontrava numa fase débil devido à situação
demográfica e admito que seja uma bomba relógio que pode voltar a
acelerar agora. Nos últimos anos ganhámos algum tempo com uma
reforma da Segurança Social que na prática o que fez foi aumentar o
tempo de trabalho. O equilíbrio do sistema estava assente numa
situação de baixo desemprego. O que nos aguarda é o aumento do
desemprego, com as estimativas a apontarem para 14 por cento e
algumas chegam mesmo a avançar 20 por cento. Se a recuperação for
rápida, significa que no período de transição haverá mais custos
para o Estado, o que faz prever que existam transferências do
Orçamento do Estado para a Segurança Social. O pior é se a
recuperação for mais lenta. Nesse cenário, o OE (ou seja, o
dinheiro dos impostos) terá de financiar o que não chegar em termos
de contribuições da Segurança Social. E importa não esquecer que as
despesas do Estado vão aumentar - certamente e desejavelmente - na
Saúde e também nos apoios sociais. Ainda é cedo para antecipar o
que quer que seja, mas caso seja de todo imperativo, as medidas a
tomar podem implicar desinvestimentos noutras áreas sociais,
reduções de prestações sociais e até mesmo aumento de
impostos.
A comunicação social é
outra das vítimas colaterais desta pandemia. Para muitos órgãos
este pode ser o seu golpe de misericórdia?
Pode e provavelmente vai ser. A situação é mesmo muito grave. A
grande queda de receitas foi brutalmente agravada pela pandemia.
Paradoxalmente ao que se passa na maior parte da sociedade, com a
pandemia os jornalistas estão a trabalhar mais. O setor não pode
entrar em "layoff". Há uma grande necessidade de informação. E esta
crise agravou as dificuldades dos órgãos de comunicação social, mas
mostrou a importância dos jornalistas para a sociedade. Por mais
apoios que sejam dados nesta fase, a questão de fundo persiste:
esta atividade nunca foi um negócio, mas começou a definhar a
partir do momento em que o negócio começou a correr mal.
E qual foi o motivo para
isso?
Devido a razões externas ao exercício da profissão, nomeadamente
pela mudança na indústria e na transferência do valor da produção
para a distribuição. Isto é: todo o dinheiro que gira à volta do
negócio da comunicação social passou a ir para quem distribui
notícias e conteúdos nas redes sociais, o Google, etc. O resultado
foi que as redações foram-se esvaziando, com reflexos no produto
final. No presente, um jornalista trabalha num dia, o que no
passado fazia em três ou quatro dias. A resposta a isto tem de
começar na sociedade: os portugueses têm de dizer, perentoriamente
se querem ou não querem jornais. Atualmente, existe muita
informação dispersa que cria a perceção que se se fechar um jornal
pouco ou nada muda. Isso é falso, porque a maior parte da
informação que circula não é jornalística.
Acha que os portugueses
conviveriam bem com um país sem jornais?
Um país sem jornais é um país absurdo, mas gostava que as pessoas
fizessem este exercício abstrato: um dia, uma semana ou mês sem
jornais, sem televisões e sem rádios. Zero de informação. Como é
que as pessoas tomariam as suas decisões? Como apurariam a verdade
dos factos sobre determinado assunto? Sem informação não tomamos
informações informadas, incluindo a decisão do voto. O jornalismo
informa, revela, denuncia e descobre. Se a sociedade não valoriza
isto, nada feito. Continuaremos neste declínio e a criar uma
relação cada vez pior entre a sociedade e o jornalismo.
Qual é a importância dos
órgãos tutelados pelo Estado para informar a opinião
pública?
Os órgãos do Estado são a RTP, a RDP e a Agência Lusa. Com a
redução do número de jornalistas, as redações tornaram-se cada vez
mais lisboetas e as que não são lisboetas, são portuenses. Há muito
pouca informação regional que chegue aos jornais nacionais e se não
fosse a Lusa esse cenário ainda seria pior. Isto é explicado pela
rede de correspondentes que possui e que só existe porque é
financiada pelo Estado. Era bom que a sociedade tivesse a perceção
da importância da Lusa para dar voz a muitas regiões do interior e
atenuar a desigualdade informativa que existe no nosso país. A
própria imprensa regional foi severamente prejudicada nos últimos
anos, enfraquecendo a voz das regiões no país e também a própria
voz dentro das regiões. E por isso se fala, e bem, que os apoios à
imprensa regional devem ser apoios do Estado, incluindo o poder
local, mas filtrado por um mecanismo que torne esse apoio não
influenciador das decisões editoriais. Algumas soluções foram
estudadas nesse sentido: por exemplo, as autarquias podem
contribuir para uma espécie de fundo para a imprensa regional,
sendo o dinheiro distribuído posteriormente sem intervenção do
poder local.
Os jornais nacionais, com
a exceção do "Correio da Manhã", têm tiragens baixíssimas e até o
histórico "Diário de Notícias" passou a ser publicado uma vez
por semana. Como travar esta sangria?
A resposta não pode ser só do Estado. Deve ser dada através de
incentivos ou isenções fiscais e não através de subsidiação direta
pelo risco de influenciar questões editoriais. Mas a sociedade
civil também tem aqui um papel preponderante. E refiro-me às
fundações, às empresas, à sociedade, em geral.
Muita gente lê informação em Portugal, e pouca gente paga. Um
jornal tem um custo, como tal, as pessoas devem pagar pelas suas 30
ou 40 páginas. Tal como pagam para verem televisão, só que as
pessoas não têm noção. Pagam dezenas de euros às operadoras Meo,
Nos ou Vodafone para verem a RTP, a SIC ou a TVI.
Os jornalistas têm sabido
estar à altura da relevância de uma profissão, que ao mesmo tempo é
alvo de tantos elogios e tantas críticas?
Os jornalistas também têm de estar à altura da sua função social,
da liberdade constitucional de que beneficiam e do poder que
reclamam. Isso é um trabalho diário que compete a estes
profissionais e que não pode ser só justificado pela função
primordial que em termos abstratos a comunicação social tem em
qualquer democracia, mas tem que ser praticado todos os dias. Em
suma, é preciso estar à altura dessa função social maior que é o
jornalismo.
Como jornalista que
conselho daria aos estudantes que sonham seguir esta
carreira?
Aconselharia a que sigam o jornalismo por uma escolha consciente
do que se pressente como vocação e paixão. Se tomarmos as nossas
decisões de futuro pessoal em função das potencialidades
profissionais, então hoje, provavelmente, iriamos todos para
engenheiros informáticos, que é a saída com maior empregabilidade.
Mas isso iria criar um país de técnicos - sem ponta de ironia ou
desprimor - e de pessoas contrariadas, porque nem todos têm gosto
ou vocação por essas áreas.
Como definiria o
jornalismo?
O jornalismo é uma profissão fascinante e que dispõe de uma
liberdade que não encontro paralelo noutras atividades. Mas exige,
e para mais no momento atual, uma capacidade de trabalho muito
grande, sem nenhuma perspetiva de enriquecer. Por isso, é preciso
gostar muito do que se faz para continuar, todos os dias, nesta
prática profissional que acaba por ser uma prática de vida.
A profissão perdeu algum
prestígio nos últimos tempos. Encontra explicação?
Vou simplificar, para que todos percebam: em termos de perceção,
até há 10 anos, os jornalistas estavam do lado dos «bons» e nessa
altura passaram para o lado dos «maus». Isto explica-se porque o
crescimento dos populismos e a sua ligação umbilical às redes
sociais se tem feito muito à custa da crítica das instituições. E
esta crítica inclui o jornalismo, porque o jornalismo é uma
instituição que, ao mesmo tempo, é parte integrante e critica o
sistema institucional. Por um lado, o jornalismo foi uma das
instituições varridas pela onda populista que colocou em causa todo
o sistema institucional: seja o parlamento, a justiça, o governo,
etc. Aconteceu em Portugal e em muitos países do mundo. Depois, as
redes sociais têm caraterísticas que não ajudam os jornais.
Explico: um erro é mil vezes mais amplificado do que uma grande
reportagem ou uma grande notícia. Quando uma TV comete um erro,
caricato ou grave, isso adquire uma dimensão brutal nas redes
sociais. Mas se a mesma televisão divulgar reportagens ou notícias
relevantes e de interesse, tal não tem o mesmo alcance. Tenho muita
pena que seja assim, porque sou firmemente apaixonado pela minha
profissão e acho convictamente que ela é fundamental para o
equilíbrio democrático das sociedades modernas. Infelizmente, não
tenho muitas esperanças que a imagem dos jornalistas seja
reabilitada - mesmo que estas semanas de pandemia tenham relançado
o papel decisivo dos jornalistas e do jornalismo. E a imagem dos
jornalistas será tanto pior quanto mais populistas forem os
sistemas políticos. Isto porque estes atores políticos vivem de
desacreditar os jornalistas que denunciam as suas mentiras e
contradições.
Cara da
Notícia
O explicador de economia
É um dos mais brilhantes jornalistas da sua geração. O
percurso profissional fala por si. Pedro Santos Guerreiro esteve na
fundação do «Jornal de Negócios», título que chegou a dirigir entre
2007 e 2013, apenas com 33 anos. Uns anos depois deu o salto para
um dos maiores jornais portugueses, o «Expresso», tendo sido
diretor entre 2016 e 2019. É colunista regular da Rádio Renascença,
do jornal digital ECO e é comentador residente na TVI e TVI24.
Aliás, podemos vê-lo, diariamente, a explicar as implicações do
"tsunami" económico e social provocado pelo Covid-19. Foi ainda
colunista da «Sábado» e do «Record» e comentador na RTP.
Licenciado em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão (ISG), tem
o MBA pela Universidade Nova de Lisboa. Desempenhou o cargo de
membro do conselho geral da Universidade de Évora e atualmente é
membro do conselho geral do Instituto Politécnico de Viseu, cidade
onde viveu parte da sua infância e onde se iniciou, com 13 anos, na
aventura do jornalismo, na Rádio Escala.
Nuno Dias da Silva
João Caldeira e Tiago Miranda