Artigo
A Distância Forçada
Há já várias semanas que estamos a sofrer
estoicamente os efeitos desta pandemia. Em educação estamos também
todos, ou quase todos a sofrer os seus efeitos. Além dos estudantes
e dos professores, são também pais e famílias que vivem
permanentemente condicionados pelos horários e pelos deveres
escolares.
Mas nem tudo são inconvenientes -
o que é um pouco cínico dizer - pois estamos a passar por uma
experiência singular e estimulante.
Julgo que a primeira coisa que
estamos a aprender é a falta que fazem as aulas presenciais. Não é
só a rotina diária de um horário de trabalho e de deslocações - que
é uma rotina saudável e constitui, nos primeiros anos, um rito de
iniciação para todos os jovens. Não é só a socialização entre
estudantes e o contacto com professores e funcionários - que
constitui também um aprendizado social insubstituível. É mais do
que isso. É a consciência da utilidade e do prazer de uma aula
presencial, com as exposições de um professor, com as dúvidas, as
hesitações, os exercícios, o diálogo, com alguma adaptação das
aulas às características e questões dos alunos, com a versatilidade
que o contacto humano propicia.
Ao aprender ou reaprender a
importância do professor, da sala de aula, do diálogo, dos seres
humanos de carne e osso, em vez das simples imagens em écran,
percebemos que estamos ainda muito longe de dispensar o professor e
a sala de aula. E eu diria que, pelo menos neste aspeto, nunca
mudaremos.
Lembro-me do filósofo
pós-modernista francês Jean Lyotard (1924-1998), que cerca de 1970
previa que os computadores iriam substituir os professores ainda
durante o século XX. Lyotard morreu antes da viragem do século e
não teve oportunidade de ser confrontado com o estrondoso fracasso
desta sua especulação. Estamos a entrar na terceira década do
século XXI e a verificar a falta que nos faz o ensino presencial,
os colegas, as salas de aula…
Mas não há alternativa. Os
computadores e o ensino a distância são hoje indispensáveis para
prosseguirmos os estudos nesta clausura forçada. E ainda bem que os
temos!
Julgo que a
segunda lição que estamos a tirar destes tempos é não uma lição,
mas um conjunto de lições. Estamos todos a aprender a conviver
melhor com os instrumentos digitais enquanto instrumentos de
comunicação, de computação e de estudo. Estamos a aprender novas
ferramentas, a improvisar e desenvolver métodos de comunicação e de
estudo com auxílio da espantosa diversidade e poder dos
instrumentos digitais. Estamos a aprender a comunicar por Skype ou
Zoom, ou Teams, ou o que seja. Estamos a aprender a fazer
avaliações online. Estamos a aprender a usar programas de
visualização 3D para estudar geometria ou estatística, estamos a
tornar-nos mais capazes de usar os meios digitais. E os fabricantes
de hardware e software estão também a aprender e a estudar novas
ferramentas. Vamos sair destes momentos difíceis mais capazes de
usar computadores não apenas para jogar, promover "chats", "postar"
e seguir o nosso "influencer" favorito, mas sobretudo para
aprender. E isso é extremamente positivo.
A terceira lição que estamos a
tirar destes momentos de clausura é, julgo eu, que se está a tornar
mais claro o que funciona e o que não funciona no ensino. No site
da Iniciativa Educação (www.iniciativaeducacao.org) há uma série de
artigos muito úteis para perceber como se devem usar os meios
digitais. E a ideia central é simples: o importante não é o meio,
mas sim a estratégia de ensino e o processo de estudo que esta
estratégia propicia.
O filósofo canadiano Marshal
McLuhan (1911-1980) dizia que "o meio é a mensagem", o que é uma
forma de dizer que o conteúdo é secundário e que tudo muda com os
novos meios de comunicação. Julgo que se enganou. E em educação,
enganou-se certamente.
Nas plataformas digitais o
importante continua a ser ser-se direto, apresentar os temas de
forma clara, partir do simples para o mais complexo, usar a imagem
e o texto de formas complementares e não redundantes nem
distrativas, usar exemplos e exercícios resolvidos, ajudar os
estudantes a progredir passo a passo
(https://www.iniciativaeducacao.org/pt/ed-on/ed-on-artigos/dez-sugestoes-para-um-ensino-a-distancia-eficaz).
Tal como no ensino presencial, no
ensino a distância a verificação do que se aprende, o espaçamento
do estudo e alguma alternância são técnicas essenciais. O mais
difícil é o diálogo constante. Por isso é tão necessário introduzir
momentos de teste frequentes que permitam a alunos e professores
perceber o que se assimilou e o que se perdeu. Hoje como ontem, o
que é determinante na progressão do ensino é ser-se capaz de
enquadrar o que se aprende no que está aprendido.
Progressivamente.
Nuno Crato
Professor de Matemática e estatística no ISEG e dirige atualmente a Iniciativa Educação | Ex-Ministro da Educação