O sonho de ser presidente do FC Porto
Júlio Magalhães tem tido uma carreira fulgurante
como escritor. Só na primeira semana, o romance «Por ti,
resistirei» já vendeu mais de 15 mil exemplares. Indissociável
parceiro de Marcelo Rebelo de Sousa no comentário político das
noites de domingo, o pivot da TVI acredita que o professor ainda
acalenta o sonho de chegar a Belém. Portista ferrenho, Júlio
Magalhães confidencia que «adorava» ser presidente do FC Porto,
afirma que Portugal continua demasiado centralizado em Lisboa e
aponta o dedo aos que têm «injustamente» tratado a classe dos
professores.
Acaba de lançar o quarto romance da sua carreira,
intitulado «Por ti, resistirei», após o grande sucesso obtido nos
três anteriores. Nesta sua vertente de escritor já vendeu mais de
100 mil exemplares. Qual é o segredo do seu sucesso na
escrita?
Embora sendo romances, os
meus livros são muito próximos da realidade, descrevendo a vivência
de pessoas comuns, como foi o caso das obras que lancei sobre os
retornados, sobre os militares que foram para Angola e ficaram
separados da família e sobre a vaga de imigrantes para França. O
«Por ti, resistirei» descreve como alguns portugueses viveram a II
Guerra Mundial. Talvez por isso o público se reveja nos meus
livros. Ao lê-los estão a recordar as suas vidas. No fundo, eu
retrato nos meus livros duas ou três histórias particulares que se
multiplicam por milhares.
É jornalista a tempo inteiro, mas a escrita presumo
que já lhe «roube» boa parte das 24 horas do dia. Como se define
enquanto escritor?
Sou mais jornalista-escritor
do que escritor-jornalista. Basicamente os meus livros são grandes
reportagens. Um jornalista tem de saber Português e escrever bem. A
partir daí, qualquer pessoa pode escrever livros. A nossa função de
jornalista é contar histórias e eu nos meus livros procuro,
fundamentalmente, contar histórias. Este é porventura o livro que
se afasta mais da minha realidade, situando-se num patamar acima,
com menos reportagem e entrando mais no campo da ficção. Comecei
por livros mais jornalísticos e agora estou a evoluir para uma
faceta mais criativa, se quiser mais longe da realidade, visto que
a II Guerra Mundial está mais afastada temporalmente das nossas
memórias. Considero esta evolução normal dentro do percurso
enquanto escritor que estou a fazer.
Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos são
dois jornalistas com grande sucesso no mundo editorial. Qual é a
quota-parte de importância da popularidade na venda de
livros?
Ser conhecido do grande público ajuda e muito. Mas
penso que isso passa-se mais no primeiro livro. Nos seguintes a
característica fundamental é que o livro não pode defraudar as
pessoas. A própria editora quando nos convida está a contar com
essa visibilidade que existe e não pode ser negada. Sabe, à
partida, que enquanto figuras públicas do meio mediático temos uma
capacidade invulgar para promover o livro, temos uma imagem
construída e a facilidade de ir a programas de televisão que chegam
a muitos potenciais leitores.
Afirmou recentemente que existe promiscuidade entre o
jornalismo e as fontes. Pensa que o jornalismo que se desenvolve,
nomeadamente o televisivo, que conhece melhor, está condicionado
por esse relacionamento demasiado próximo?
O que existe são
conhecimentos e contactos que são cultivados permanentemente. Veja
que as pessoas vivem todas no mesmo "mundo". Quando eu comecei no
jornalismo, há mais de 20 anos, o profissional da comunicação
social vivia em bairros sociais, era uma pessoa comum do povo. Com
o passar dos anos atingiu-se outra dimensão e os jornalistas agora
vivem em permanente contacto com as elites sociais, sejam os
políticos, os banqueiros, etc. E alguns deles já residem nos
grandes condomínios.
Essa espécie de «aburguesamento» do jornalista, tem
levado a que o jornalismo de investigação se tenha vindo a tornar
cada vez mais raro?
Essa é uma tendência que se
tem intensificado. A grande maioria dos jornalistas não sai das
redacções nem para fazer reportagens.
Como director de informação da TVI que foi até há bem
pouco tempo, sofreu pressões políticas para retirar ou inserir uma
notícia no alinhamento do «Jornal Nacional»?
Não há pressões políticas, não há necessidade de as
fazer, porque os agentes partilham o mesmo espaço devido à
excessiva proximidade. Como atrás disse, jornalistas e as chamadas
elites são amigos uns dos outros, convivem todos no mesmo patamar,
encontram-se nos bares, nos restaurantes e até na casa uns dos
outros. Vão a festas, a casamentos, a baptizados, etc. As pressões
podem ser feitas é de outra forma, falando, mandando recados,
telefonando, etc. Mas da mesma forma que se influencia de um lado,
também se influência do outro. Quando muda o governo, há uma
fornada de jornalistas que saem das redacções e vão para os
gabinetes ministeriais. Não critico este circuito se fosse uma
opção de vida, acontece que quando os governos cessam funções os
jornalistas regressam às redacções como se nada fosse e depois vêm
queixar-se de pressões quando é sabido que mantêm relações de
amizade com muitos desses políticos. Isto gira tudo na mesma esfera
e no mesmo local, em circuito fechado.
O seu telefone tocou muito no ano e meio que dirigiu
a informação da TVI?
Toca permanentemente. Mas
nunca para pressionar de forma expressa ou ameaçando que caso não
se retire a peça «x» ou «y» vão retaliar de algum modo. Geralmente
quem liga quer também fazer ouvir o seu ponto de vista.
Como reage às críticas que a informação televisiva
está refém de uma lógica tablóide?
Não é verdade. A informação
tem de estar próxima das pessoas. Hoje o alinhamento do jornal
televisivo é feito mais na base do impacto que a notícia tem do que
propriamente em critérios editoriais. Dantes tínhamos secções
rígidas no alinhamento, agora a notícia que tiver mais impacto é a
que vai para o ar.
O jornalista Adelino Gomes concluiu a sua tese de
doutoramento tendo retirado da investigação efectuada que «as
audiências prevalecem como factores determinantes em detrimento da
actualidade e da relevância». Revê-se nesta
análise?
A actualidade é que
prevalece. Tudo o que é actual e tem impacto público dá mais
audiências. É óbvio, não posso negar, que quem está a dirigir uma
televisão trabalha para obter audiências. Às 8 da manhã, a primeira
coisa que se faz é olhar para a SMS que chega com as audiências da
véspera.
É pública a sua relação estreita e pessoal com
Marcelo Rebelo de Sousa. O professor já foi líder partidário, mas
nunca chegou a Primeiro-Ministro ou Presidente da República. Acha
que são objectivos que ele ainda alimenta?
Eu acho que o Prof. Marcelo
dava um excelente Presidente da República. Penso que ele acalenta
esse objectivo. Conheço-o bem, e é seguramente dos políticos que
mais próximo está das pessoas e que melhor conhece a realidade
nacional. É um português preocupado e com sentido de Estado. Teve o
azar de ter estado no momento e no tempo errado na liderança do
PSD. O professor falhou sempre os timings dele.
Vamos falar um pouco de desporto. Foi basquetebolista
profissional do FC Porto e é um conhecido adepto portista. Como vê
a «guerra» que Benfica e FC Porto têm travado nos últimos anos
dentro e fora das quatro linhas?
As pessoas vivem com muita
paixão e fervor o seu clube. Acho mesmo que o País gosta muito mais
de futebol do que do resto. Exageramos um bocado na importância que
damos a esta «guerra» Benfica e FC Porto, que posso admitir está
algo mais radicalizada devido às pessoas que actualmente se
encontram na liderança dos clubes. Mas não é nada que não aconteça
no estrangeiro e até com mais violência. A «guerra» entre Barcelona
e Real Madrid, já para não ir até ao que se passa na Argentina, é
muito maior do que o conflito entre Benfica e FC Porto. Se a
comparação for rigorosa estou certo que iremos constatar que o
nosso país é um paraíso, inclusive no futebol.
Aos 48 anos não tem experiência na gestão de clubes
mas já o apontaram como um eventual presidente do FC Porto, na
sucessão a Pinto da Costa. Gostava?
Adorava. Teria de deixar o
jornalismo, mas é evidente que ser presidente do FC Porto seria um
dos cargos de sonho que eu gostaria de desempenhar até ao final da
minha vida. É evidente que é muito difícil e eu não trabalho para
isso. Sou amigo pessoal de Pinto da Costa e espero que ele se
mantenha no cargo muitos e bons anos. Era bom sinal. Mas um dia
terá de haver sucessão…
Não perdoa a André Villas-Boas ter saído do FC Porto
para o Chelsea?
Perdoo…Eu no lugar dele
também teria ido.
Pinto da Costa avançou com a proposta de criar um
partido político a norte. É um projecto com pernas para
andar?
Via com bons olhos. Há uma
grande diferença entre as regiões do país. Portugal continua
excessivamente centralizado e só Lisboa conta. Repare que a
primeira ligação ferroviária a ser abandonada foi precisamente
Porto-Vigo. Assim, o país não se desenvolve harmonicamente. Resta
ao país que se sente prejudicado mobilizar-se e reivindicar os seus
direitos.
Qual é a sua opinião sobre o sector da educação em
Portugal?
Para além de ter dois filhos
em idade escolar, a minha mulher é professora. Por isso, falo com
conhecimento de causa quando digo que os professores são a classe
mais fustigada, mais criticada e mais injustamente tratada em
Portugal. Faz-se um grande trabalho nas escolas, há
estabelecimentos de ensino magníficos (alguns dos quais eu tenho
visitado) onde o sistema de educação funciona exemplarmente. O
problema é que são instituições mal geridas. O poder político trata
mal a educação e usa a educação como arma política. Enquanto isso
acontecer, vai ser complicado dar a volta. Mas de uma coisa tenho a
certeza: não é pelo sistema educativo e pela forma como os
professores trabalham nas escolas que o país está em crise. É por
muitos outros factores que nada têm que ver com a
educação.