Cultura

Bocas do Galinheiro
Retrospectiva de António de Macedo

antonio de macedo3.jpgNo então chamado Cinema Novo Português, um dos primeiros realizadores que se afirmou foi António Macedo com "Domingo à Tarde", de 1965. A sua primeira longa-metragem, adaptação do romance homónimo de Fernando Namora, com produção de António da Cunha Telles, nome incontornável neste novo fôlego do cinema feito por cá, e que já produzira "Os Verdes Anos", de Paulo Rocha e "Belarmino", de Fernando Lopes, que deram o mote para este virar de página da sétima arte em Portugal.

Com vasta filmografia, construída até à última década do século passado, o seu último filme, "Chá Forte com Limão" é de 1993. Sucessivamente chumbado nos vários concursos para atribuição de subsídios, desistiu de filmar. A Cinemateca prestou-lhe uma justíssima homenagem com a apresentação de uma retrospectiva da obra deste cineasta singular, durantes os meses de Junho e Julho. Na apresentação ao ciclo que lhe dedica, diz-se sobre o realizador: "arquitecto de formação, cineasta por vocação, mas também compositor, escritor e ensaísta, docente, António de Macedo é um protagonista singular do cinema português cujo panorama marcou entre os anos sessenta da sua estreia no contexto do Cinema Novo, época em que a sua obra é especialmente prolífera, e os anos noventa em que inflectiu de percurso, passando a dedicar-se mais activamente aos estudos e ensino universitários nas áreas das religiões comparadas, das tradições esotéricas, das formas literárias e fílmicas ou da sociologia da cultura em que se doutorou em 2010".

Com a sua segunda longa-metragem, "7 Balas para Selma", de 1967, Macedo diverge do Cinema Novo, um cinema assumidamente de autor, para entrar por zonas mais comerciais, ou industriais, como se queira, de que esta fita de acção policial e até de ficção científica, inspirada nos antigos serials, é um exemplo. Falhado, diga-se. O filme, com realização, argumento e montagem do realizador não conseguiu atingir os objectivos a que se propunha, principalmente porque não abundavam os meios que se exigiriam para um projecto com esta ambição. Não estranha que no filme seguinte se vire para o cinema directo, filmando uma manifestação de estudantes que é reprimida pela polícia política, em "Nojo aos Cães", de 1970. Apesar de cinematográfica e até como testemunho da época o filme não seja um marco, obviamente que pela temática foi proibido pela censura, não sendo distribuído comercialmente, sendo todavia exibido nos festivais de Bérgamo e Banalmadena, distinguido aqui com o prémio da Federação Internacional de Cineclubes, e no Festival de Valladolid, onde também foi premiado. Em 1972, com "A Promessa", adaptação de uma peça de Bernardo Santareno, o director como que regressa às raízes do Cinema Novo. Puro engano. Com um assinalável êxito junto dos espectadores, a crítica, alguma de cineastas do movimento, foram mesmo violentíssimas. De qualquer forma é um filme ousado, quer estética quer comercialmente, daí a resposta do público, e com excelente trabalho dos actores, especialmente Guida Maria e João Mota, ao contrário do que acontecera em filmes anteriores, nomeadamente o de Florbela Queirós em 7 Balas para Selma.

A carreira de António de Macedo e, diga-se, da maioria dos realizadores da época, iniciou-se no documentário, na curta-metragem. Não admira pois que, perante um acontecimento como o 25 de Abril e os tempos do PREC que se lhe seguiram, a estes cineastas fossem alheios as movimentações populares com inegável impacto social. Curiosamente, foi na região que Macedo em 1975 captou alguns desses momentos em "A Cooperativa Cesteira de Gonçalo", criada por operários das fábricas têxteis da aldeia de Gonçalo, no distrito da Guarda para produção de objectos de vime; "Ocupação de Terras na Beira Baixa" e "Unhais da Serra - Tomada de Consciência Política Numa Aldeia Beirã", sobre o processo de ocupação da Quinta da Vargem pelos trabalhadores, pelo aumento dos salários e a redução do horário de trabalho; "A Penteadora", curta-metragem sobre a luta dos operários desta fábrica de Unhais da Serra, tomando conta da produção ou "Teatro Popular", uma peça de teatro pelos trabalhadores da Quinta da Vargem sobre a ocupação da herdade.

Mas é também nestes tempos de grande movimentação social e política que realiza "Fátima Story" (1975), sobre as peregrinações a Fátima e a sua envolvência, para além do aspecto religioso, "O Princípio da Sabedoria" (1975), uma incursão no campo do sobrenatural e, em 1976, o seu filme mais polémico, "As Horas de Maria", sobre uma rapariga cega que, violada pelo padrasto, internada num hospital espera a cura através de um milagre de Nossa Senhora de Fátima. Acusado de blasfémia, sectores da Igreja Católica tentaram que a projecção do filme fosse proibida, com vigílias à porta do cinema, o que só serviu para o êxito do filme.

Nos seus filmes mais recentes, ou melhor nos seus últimos filmes, a componente esotérica e a opção pela ficção científica marcaram títulos como, entre outros, "Os Abismos da Meia Noite", de 1983, ou "Os Emissários de Khalôm", de 1987, a que não falta o experimentalismo e a inovação que desde sempre marcaram a carreira deste realizador que hoje se dedica à escrita e ao ensino. Até quando?

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
 
 
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